.O Cerco de Sebastopol foi o principal combate ocorrido durante a Guerra da Crimeia, tendo durado de setembro de 1854 a setembro de 1855. Um dos primeiros livros de Leon Tolstoi, "Relatos de Sebastopol", detalha os combates num misto de ficção e relato histórico.
Por Renato Coutinho
O Cerco de Sebastopol durou quase um ano, entre outubro de 1854 e setembro de 1855, e foi muito duro para civis e militares de ambos os lados. Os diversos combates e batalhas ao redor de Sebastopol foram muito violentos e sangrentos, culminando no assalto decisivo que ocorreu no dia 8 de setembro de 1855. Os aliados, com destaque para os exércitos francês e britânico, passaram quase um ano tentando conquistar a linha defensiva externa (secundária) de Sebastopol. Conseguiram sofrendo pesadas baixas, pois os russos não entregavam facilmente suas posições defensivas (redutos e bastiões fortificados).
Cada ataque de infantaria aliado sofria com o pesado fogo da infantaria e artilharia russa e, quando conseguiam penetrar e ocupar uma posição após terrível combate aproximado, o contra-ataque feroz da infantaria russa não tardava. Reforços, novos regimentos de infantaria, eram lançados no combate a todo momento. Sempre que os aliados conquistavam uma posição da linha defensiva externa russa, essa posição capturada custava caro para os aliados, às vezes muito caro.
A linha de defesa externa de Sebastopol caiu de vez quando os franceses conquistaram um reduto fortificado conhecido como "Mamelon" em junho de 1855. Os franceses sofreram cerca de 2.200 baixas capturando o “Mamelon” e os famosos Zuavos franceses tiveram papel fundamental na captura dessa posição russa.
Oficial do 1º Regimento de Zuavos na Crimeia
Como sempre, os Zuavos franceses combateram arduamente e não arredaram pé da posição conquistada. O 1º Regimento de Zuavos sofreu aproximadamente 500 baixas. conquistando o “Mamelon”, e o 2º Regimento de Zuavos perdeu 719 homens no mesmo assalto contra a posição fortificada.
O “Mamelon” era uma posição ligeiramente elevada localizada 200 metros à frente da principal posição da principal linha de defesa de Sebastopol, essa posição era conhecida como "Malakoff" ou "Torre Malakoff". Essa linha defensiva principal russa contava com vários redutos e bastiões fortificados, com uma enorme rede de trincheiras e dezenas de peças de artilharia, mas três posições eram as mais importantes: Malakoff, Redan e o pequeno Redan. Unidades de engenharia francesas passaram os dois meses seguintes, julho e agosto de 1855, cavando trincheiras debaixo de fogo russo a partir da posição do “Mamelon”, que era o ponto mais próximo da principal de defesa russa. Cavaram várias linhas de trincheiras paralelas e perpendiculares ao Malakoff, para oferecer proteção aos engenheiros franceses enquanto trabalhavam e posteriormente para os infantes franceses quando chegasse a hora do ataque, gradualmente chegando mais perto do Malakoff. No início de setembro, apesar de todos os esforços russos para impedir o trabalho dos franceses e repelir o inimigo para longe, os franceses haviam chegado a 70 metros do Malakoff. A hora do ataque decisivo estava se aproximando.
Os franceses colocaram cerca de 28.000 soldados de prontidão. Esses homens iriam participar do assalto decisivo contra a principal linha defensiva de Sebastopol. Os britânicos mobilizaram quase 14.000 homens para participar do ataque. Os franceses tinham a missão de capturar o Malakoff e o pequeno Redan, enquanto os britânicos tinham que capturar o Redan. Malakoff (ou Torre Malakoff) era a principal posição defensiva russa, era o ponto chave das defesas de Sebastopol. O Malakoff era um enorme reduto fortificado com parapeitos altos (construídos com vigas grossas de madeira e muitos sacos de areia), uma larga torre de dois andares no centro da posição (a qual contava com 8 canhões no seu interior), 16 canhões nos parapeitos e dois batalhões de infantaria russos guarnecendo o bastião. O Redan era um reduto parecido com o Malakoff, mas não contava com uma torre de artilharia. Infelizmente, o trabalho dos engenheiros britânicos não conseguiu avançar no mesmo ritmo dos engenheiros franceses e, por conta disso, seus soldados teriam que avançar 150 metros para conseguir alcançar os parapeitos/trincheiras do Redan.
General de Divisão Pierre Bosquet com oficiais de seu estado-maior. Foto batida em agosto de 1855 (um mês antes do ataque contra o Malakoff).
O ataque final contra Sebastopol ocorreu em 8 de setembro de 1855. Os infantes franceses, sob o comando do General de Divisão Pierre Bosquet, deixaram suas trincheiras e lançaram um violento e devastador assalto de infantaria contra as posições russas. O General de Divisão Patrice MacMahon (descendente de escoceses) liderou o ataque, tendo à frente o 1º Regimento de Zuavos (escolheram esse regimento de elite como ponta de lança do assalto). Os Zuavos franceses saíram desembestados de suas trincheiras e alcançaram rapidamente os parapeitos dos Malakoff. Em poucos segundos já estavam escalando e penetrando no reduto russo. Detalhe: Os franceses descobriram que os russos trocavam as guarnições na região do Malakoff por volta do meio dia. Os russos levavam alguns minutos retirando a "velha" guarnição antes de trazer a "nova" guarnição. Os franceses lançaram o ataque justamente durante essa troca. Os Zuavos do 1º de Zuavos conseguiram avançar com pouca oposição, evitando o fogo mortal da maioria dos canhões russos. Em pouco tempo já estavam dentro das defesas russas. Logo depois, o bicho pegou para valer.
Os russos trouxeram reforços e o combate no interior da posição foi muito violento e sangrento. A batalha pelo controle do Malakoff foi de uma selvageria fora do comum. Russos e franceses passaram quatro horas se engalfinhando no interior do bastião. Ataques e contra-ataques foram ocorrendo quase sem descanso. Novas unidades de infantaria foram sendo lançadas a todo momento na luta por ambos os lados. O combate era aproximado e extremamente feroz, quase sempre corpo a corpo com baionetas, coronhas e sabres. Disparos de mosquetes e pistolas eram constantemente efetuados a curtas distâncias, num ritmo frenético. Uma luta selvagem reinou do meio dia até às 4 horas da tarde, quando finalmente os franceses conseguiram conquistar definitivamente o reduto. O Zuavo francês Eugene Libaut instalou a bandeira francesa no topo do Malakoff, marcando sua captura pelo Exército Francês.
Quadro pintado por Horace Vernet em 1858 mostrando o General MacMahon ao lado do Zuavo Eugene Libaut (ou Lihaut) no topo do Malakoff. Eugene estava fincando a bandeira francesa naquele momento.
Detalhe sinistro: os franceses que estavam dentro do Malakoff, aguardando mais um contra-ataque da infantaria russa, resolveram construir um muro dentro do pátio do reduto com sacos de areia, pedaços de madeira e cadáveres de soldados russos. Dezenas de militares russos foram empilhados e realmente serviram de proteção para os franceses.
Os franceses também conquistaram o pequeno Redan, mas os britânicos não conseguiram capturar o Redan. O assalto britânico não foi iniciado na hora combinada com os franceses, eles partiram com atraso de 10 minutos, e tinham que percorrer uma distância maior. Quando os regimentos de infantaria britânicos iniciaram o avanço, os franceses já haviam invadido o Malakoff e os sons da batalha dominavam o ambiente, ou seja, os infantes e artilheiros russos no Redan já estavam alertas quando os britânicos deixaram suas trincheiras para iniciar o assalto (sendo recebidos por um fogo devastador). Poucos militares britânicos conseguiram penetrar no reduto russo e foram repelidos com uma certa facilidade.
No ataque final contra Sebastopol, nas batalhas pela posse do Malakoff, Redan e pequeno Redan, os franceses sofreram 7.567 baixas (perdendo 5 Generais mortos e 4 feridos). Os britânicos sofreram 2.271 baixas (com 3 de seus Generais feridos) e os russos perderam 12.913 homens. Bosquet, o comandante das forças francesas nesse assalto, foi gravemente ferido e quase faleceu no hospital de campanha francês (foi a segunda vez que ele foi ferido com gravidade na Guerra da Criméia).
A perda do Malakoff, posição elevada dominante da área de Sebastopol, provocou a retirada dos russos da linha defensiva e, também, da cidade de Sebastopol no dia 9 de setembro. Eles não tinham mais condições de defender a cidade, pois os canhões de sítio franceses seriam instalados no Malakoff e poderiam facilmente bombardear Sebastopol. Assim sendo, a queda do Malakoff marcou o fim do cerco de Sebastopol. Esta foi uma vitória inteiramente francesa. Os aliados perderam aproximadamente 128.000 vidas durante o cerco de quase um ano. Por sua vez, os russos perderam cerca de 102.000 vidas ao longo do cerco.
O general MacMahon, descendente de escoceses, era o comandante das forças francesas na Crimeia.
No dia 8 de setembro, o 1º Regimento de Zuavos iniciou o assalto com um efetivo de 754 homens (soldados e oficiais)s). Sofreu 512 baixas conquistando o Malakoff. Os Zuavos franceses já eram conhecidos e respeitados ao redor do mundo, mas a conquista do Malakoff tornou-os os soldados mais admirados e temidos do mundo. Seus feitos de armas eram publicados em periódicos e publicações do mundo todo, sempre acompanhados de gravuras que mostravam a incrível tenacidade e extrema coragem dos Zuavos em ação.
George McClellan, oficial americano e observador oficial do Exército dos EUA na Guerra da Crimeia, observou os Zuavos franceses em ação na Crimeia e fez a seguinte afirmação: "Os Zuavos franceses são a melhor infantaria do mundo, disso não tenho dúvida."
McClellan comandou o principal exército da União em 1862 (durante a Guerra Civil Americana) - excelente teórico, excelente administrador, mas péssimo comandante de exército. Vacilava e não aguentava a pressão de ter que tomar decisões rápidas no calor do combate.
Unidades de infantaria da Guarda Imperial Francesa e outras unidades de infantaria do Exército Imperial Francês, regimentos de infantaria de linha e batalhões de Caçadores a Pé, também lutaram muito bem na ofensiva aliada do dia 8 de setembro, conquistando o Malakoff e o pequeno Redan, mas os Zuavos franceses foram considerados os grandes heróis desta vitória francesa, ficando o nome "Zuavo" eternamente associado a conquista do Malakoff. A infantaria da Guarda Imperial Francesa, fazendo parte da segunda leva que atacou o Malakoff, também combateu muito bem. Era a primeira vez que todas as unidades de infantaria da Guarda Imperial participavam juntas da mesma batalha. A Guarda Imperial iniciou o ataque com aproximadamente 5.600 homens e sofreu 2.471 baixas naquele terrível dia. O Regimento de Zuavos da Guarda Imperial Francesa, contando somente com um batalhão na época, perdeu 300 dos seus 590 homens conquistando o Malakoff (lutaram como demônios, de acordo com o depoimento de um Coronel russo).
Um brasileiro em Malakoff
O 1º de Zuavos perdeu muitos oficiais no assalto decisivo contra o Malakoff e um deles era brasileiro, ou melhor dizendo, era um franco-brasileiro. O tenente Eduardo de Villeneuve morreu dentro do Malakoff, tendo sido citado no relatório/parte de batalha escrito pelo comandante do regimento por sua conduta exemplar demonstrada durante o combate. Nascido de pai francês, Eduardo nasceu e foi criado no Rio de Janeiro. Seu irmão, o Conde Villeneuve, foi Ministro Plenipotenciário do Império do Brasil na Bélgica. Eduardo cursou a Academia Militar de Saint-Cyr, a principal academia de oficiais da França, e concluiu o curso na turma de 1851-1853 ("promoção da Águia"). Concluiu como oficial da Arma de infantaria. Essa turma recebeu o nome de "Promoção da Águia" porque, no meio do curso, Napoleão III tornou-se Imperador da França iniciando o período do Segundo Império Francês e o símbolo máximo do Império Francês era a águia imperial (herdada do 1º Império Francês da Era Napoleônica). Logo após a conclusão do curso, Eduardo foi designado para servir no 1º Regimento de Zuavos.
Um subúrbio de Paris, dentro da grande Paris, foi batizado com o nome Malakoff para homenagear essa vitória francesa. Da mesma forma, uma avenida de Paris também foi batizada com o nome Malakoff.