Por Alan Johnston
A Itália recentemente disse estar pronta para se juntar às
operações de ataques aéreos da Otan contra alvos na Líbia – um anúncio que
trouxe à tona uma sensação de repetição da história. Foi
na Líbia, há exatamente um século, que um jovem piloto italiano realizou o
primeiro ataque aéreo já feito. Durante
combates em novembro de 1911, entre a Itália e forças leais ao Império Otomano
turco, o tenente Giulio Gavotti escreveu em uma carta a seu pai: "Hoje
decidi tentar lançar bombas a partir do avião. É
a primeira vez que nós iremos tentar isso. Se formos bem-sucedidos, ficarei
satisfeito em ser a primeira pessoa a fazê-lo."
Pouco
depois, o tenente Gavotti se pendurava do lado de fora de sua frágil aeronave e
arremessava uma bomba contra tropas em um oásis no deserto abaixo.
Guerra
aérea
E
assim a guerra chegou aos ares, com a primeira bomba sendo lançada sobre um
deserto na Líbia. As
cartas foram usadas para ilustrar uma edição do programa radiofônico do Serviço
Mundial da BBC, Witness - que se vale de
testemunhos pessoais para reconstituir eventos-chave na história mundial.
O tenente Giulio Gavotti, autor do primeiro bombardeio aéreo da história
A
BBC obteve cópias das cartas que o tenente escreveu na Líbia. Na
época, a Itália era ainda um país novo, que havia sido unificado havia menos de
50 anos. O
país estava ávido por conquistas e enxergou em partes do Império Otomano em
declínio regiões prontas para serem tomadas – entre elas, territórios na Líbia. Com
a eclosão da guerra, o tenente Gavotti recebeu ordens de colocar vários aviões
de carga a bordo de um navio e partir para o Norte da África.
Missão
secreta
Ele
imaginava que teria apenas de realizar missões de reconhecimento por lá, mas
depois percebeu que mais seria exigido dele. "Hoje,
duas caixas de bombas chegaram’’, ele escreveu em uma carta a seu pai, enviada
de Nápoles:
"A expectativa é que nós as lancemos a partir de nossos
aviões."
"É
muito estranho que nada disso nos tenha sido dito antes e que não tenhamos recebido
nenhuma instrução. Portanto, estamos trazendo as bombas a bordo com a maior
precaução.’’
"Será
muito interessante experimentá-las nos turcos."
Ao
trazer aeronaves para a frente de batalha, os italianos estavam fazendo algo
que não tinha sido feito antes. Isso
foi apenas oito anos após os Irmãos Wright, dos Estados Unidos, considerados
por muitos os pais da aviação, terem realizado um pioneiro voo curto. Voar
ainda estava em sua infância. "Assim
que o tempo estiver bom, eu irei para o acampamento e levarei meu avião",
escreveu Gavotti.
Gavotti nos controles de um avião
Bomba
no bolso
"Perto
do assento, eu mantinha uma pequena caixa de couro preenchida com estofamento.
Eu coloquei as bombas ali dentro com muito cuidado. Elas eram bombas pequenas,
que pesavam um quilo e meio cada uma. Eu as coloquei na caixa e outra no bolso
de minha jaqueta.’’
Gavotti
decolou e partiu para Ain Zara, que atualmente é apenas uma cidade ao leste de
Trípoli, na época era descrita como sendo um pequeno oásis. Lá,
a expectativa era de que ele encontrasse combatentes árabes e tropas turcas que
haviam se aliado na luta contra a invasão italiana. Em
sua carta, que foi disponibilizada para a BBC por seu neto, Paolo de Vecchi, o
tenente escreve: "Depois de um tempo, eu percebi a forma escura do oásis.
Com uma mão, segurei o volante, com a outra, tirei uma das bombas e a coloquei
no meu colo."
"Estou
pronto. O oásis fica a cerca de um quilômetro de distância. Vejo as tendas
árabes muito bem. Carrego a bomba com a mão direita, retiro a etiqueta de
segurança e jogo a bomba para fora, evitando a asa."
"Posso
vê-la caindo por alguns segundos e em seguida ela desaparece. Depois de um
pouco de tempo, posso ver uma pequena nuvem escura no meio do acampamento.
"
"Eu
atingi o alvo!"
"Lancei
outras duas bombas com menos sucesso. Ainda tenho uma que eu decidi lançar mais
tarde sobre um oásis próximo a Trípoli.’’
Jornal paulista noticiando o ataque na Líbia
"Retornei
realmente satisfeito com o resultado. Fui direto me reportar para o general
Caneva. Todo mundo está satisfeito."
De
volta à Itália, a imprensa ufanista relatou o feito com grande estardalhaço. Com
sua pequena bomba, o tenente Gavotti pode ter imposto poucas baixas, se é que
impôs alguma, em sua incursão solitária contra um oásis empoeirado líbio. Mas
ele havia mostrado pela primeira vez que era possível realizar ataques a partir
de uma aeronave.
Mais
tarde, bombardeios começariam a entrar na história pelo alto número de civis
que mataram - como Guernica, Dresden e Hiroshima –, causando estragos que o
jovem piloto italiano mal poderia ter imaginado.
Fonte: BBC
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