.
Por Cláudio Calaza
A história dos Cavaleiros Templários atrai atenção de muitos que apreciam as épicas batalhas da Idade Média. A saga desses combatentes, e os muitos segredos que envolvem a ordem militar-religiosa medieval, serviram de tema para muitos estudos e produções de cinema que procuraram exaltar a coragem guerreira e seus compromissos com a fé cristã. Todavia, grande parte dos filmes e documentários aborda a história de personagens da França ou Inglaterra, esquecendo-se de mencionar Portugal, país onde a presença dos Cavaleiros da Ordem do Templo produziu as mais ricas e interessantes histórias.
A Península Ibérica foi uma das zonas da Europa onde a ocupação islâmica perdurou por muitos séculos. Como tal, foi natural que a Reconquista adquirisse aspectos muito semelhantes aos da conquista da Terra Santa, no Oriente Médio. Consequentemente, a Ordem do Templo, na sua função primordial de defesa da fé cristã, afluiu em massa para aquela região, apoiando as estruturas militares locais que, pouco a pouco, iam alcançando importantes conquistas territoriais. Em Portugal, em particular, a Ordem dos Cavaleiros Templários desempenhou papel crucial na formação da nação sob o reinado de D. Afonso Henriques, no século XII. Assim, ocorreu uma estreita e crescente ligação entre Portugal e a Ordem do Templo.
Cavaleiros Templários em combate
Dentre os grandes nomes da Ordem dos Templários que se tornaram próceres da nação portuguesa, sobressai a figura de D. Gualdim Pais, um personagem que, certamente, por sua épica trajetória faria jus a uma grande produção cinematográfica nos dias atuais. Companheiro fiel de D. Afonso Henriques, desde a infância, D. Gualdim veio a tornar-se uma das figuras mais influentes e intrigantes dos primórdios da nacionalidade portuguesa, imprimindo com grande significado a importância da Ordem dos Templários na formação do Reino de Portugal.
Compromisso templário em nome da defesa da fé
cristã.
Nascido em Amares, região de Braga, no ano de 1118, Gualdim Pais foi criado no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e, desde muito cedo, se pôs a serviço das armas do Condado Portucalense, combatendo ao lado dos seus irmãos de armas, os cavaleiros Mem Ramires e Martim Moniz. Com estes, participou das principais batalhas em favor da autonomia do condado contra o Reino de Castela e Leão. Em seguida, trataram de combater os infiéis mouros que invadiram a região. Por sua bravura, Gualdim Pais foi ordenado Cavaleiro por Afonso Henriques na emblemática Batalha de Ourique (1139), que marcou a fundação do Reino de Portugal.
As forças de D. Afonso Henriques prosseguiram fiéis ao serviço do rei rumo ao sul, libertando progressivamente as terras lusitanas da dominação muçulmana. D. Gualdim é um dos 120 guerreiros que, ao lado do rei, vão tomar de assalto o castelo de Santarém, escalando as suas muralhas durante a noite. O rei selecionou, sem dúvida, os seus melhores combatentes para o ataque e boa parte dessa força era formada por Cavaleiros Templários. Em 1147, atingem Lisboa e sitiam as muralhas da cidade. D. Gualdim está entre os 30 mil guerreiros, cerca de 15 mil portugueses e outros tantos Cruzados estrangeiros. O sítio perdura por quatro meses com repetidos ataques sobre a fortaleza dos islamitas islamitas até à sua rendição.
Já como destacado guerreiro, D. Gualdim Pais parte de Lisboa para a Terra Santa integrando a Segunda Cruzada, onde serviu durante cinco anos, ingressando na Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, conhecida como Cavaleiros Templários ou Ordem do Templo. Nessa condição, combateu nas guerras contras os sultões do Egito e da Síria. Lá aprendeu os métodos da guerra medieval, especialmente se interessando pelas modernas técnicas de arquitetura militar.
Ao retornar a Portugal, foi ordenado como quarto Grão-Mestre da Ordem dos Templários em Portugal (1159), que tinha a sede em Soure, onde tinham um castelo desde 1128. A sua atuação foi de tal forma preponderante que, não raras vezes, era sua decisão, e não a do próprio rei, que prevalecia quando se tratava de assuntos militares. A sua condição de experimentado combatente na Terra Santa e, ao mesmo tempo, Mestre dos Templários, a isso ajudavam. Sobressai-se não só nas suas qualidades de guerreiro, mas também enquanto líder da proeminente ordem religiosa.
Encenação de atores nas comemorações em Tomar
Os Templários, com seus conhecimentos e técnicas, promovem em Portugal uma revolução na arquitetura militar da época, construindo castelos mais modernos e eficientes, indispensáveis para a defesa do novo reino. Verifica-se, então, a introdução da torre de menagem, alta e isolada, e do alambor na base das muralhas. Sob a liderança de Gualdim Pais foram construídos os castelos de Pombal, Zêzere, Almourol, Idanha e Monsanto. Mesmo tendo nascido no norte de Portugal, o Mestre Templário entendeu que, seria em Tomar, no centro do reino, o local ideal para inserção da sede de sua ordem militar-religiosa.
Em Tomar, seu principal legado arquitetônico, o Castelo de Tomar, cuja obra teve início em 1160. Destaca-se, no conjunto desta magnífica obra, além da elevada torre de menagem, o impressionante alambor, que impedia qualquer iniciativa do inimigo em minar suas muralhas. A partir daí, a vila de Tomar desenvolveu-se à custa da presença templária, tornando-se ponto estratégico na defesa militar do reino contra as ameaças dos mouros.
Alambor das muralhas do castelo de Tomar
A demonstração das capacidades de líder militar de D. Gualdim Pais alcançou o ponto máximo quando do célebre cerco do Castelo de Tomar, na primavera de 1190. Naquele ano, as forças militares do califa Yaqub al-Mansur, buscando recuperar as perdas territoriais e vingar a morte de seu pai e antecessor na batalha na Batalha de Santarém (1184), desencadearam uma grande contraofensiva contra os cristãos. Ultrapassando com vigor a planície alentejana, o exército muçulmano alcançou Santarém e, pouco depois, Torres Novas. Uma a uma, as vilas iam sendo arrasadas e saqueadas, tornando impotente qualquer reação das forças lusitanas.
Mas eis que, atingindo Tomar, o velho D. Gualdim Pais, então com 72 anos, consegue ainda manter pujante e viva a voz de comando sobre seus Cavaleiros Templários. Antevendo o combate que viria, o Mestre prepara a defesa de seu reduto, reunindo os todos os homens fortes, armas e víveres. Traz para dentro das muralhas do Castelo de Tomar os indefesos habitantes da Vila. Cercados, duzentos destemidos Cavaleiros Templários recusam-se ao mesmo cruel destino dos compatriotas de Abrantes e Torres Novas e, diante do velho mestre, oram ao Cristo e assumem o compromisso de produzir uma resistência estoica.
D. Gualdim Pais
Em sua ofensiva rumo ao norte de Portugal, os mouros fazem questão de incendiar tudo aquilo que encontram. A fumaça torna o ar quente do verão praticamente irrespirável em toda a região. Tanto a temperatura, como o sol, pareciam correr a seu favor. Em 13 de julho, novecentos árabes liderados por al-Mansur atingem o Rio Nabão e cercam a fortaleza templária. Durante seis dias, tentam transpor as muralhas sem sucesso. Em determinado momento, o inimigo consegue romper um dos portões. Imediatamente, D. Gualdim mobiliza seus templários e rechaçam os invasores em um sangrento confronto na porta Almedina.
Nos dias que se seguiram, uma misteriosa epidemia assolou o acampamento mouro nas águas do Rio Nabão, forçando o exército invasor a uma retirada estratégica com grande perda de homens e montarias. A ameaça estava contida e os árabes não tiveram mais forças para avançar a invasão rumo ao norte de Portugal. O sofrimento tinha, enfim terminado, e a vitória pendera mais uma vez para o lado dos Templários comandados por D. Gualdim. Entusiasmado com a façanha, o Mestre Templário manda imortalizar o ato por meio de uma simbólica placa na entrada do castelo.
D. Gualdim Pais morreu em 13 de outubro de 1195, ao cair acidentalmente das muralhas do Castelo de Tomar, em umas das muitas visitas de inspeção, que mesmo com avançada idade sentindo, fazia questão de realizar pessoalmente.
Estátua na cidade Tomar- Portugal