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Como no resto da Europa, na Rússia os hussardos tinham a reputação de serem os homens mais ousados de todo o exército
Por Gueórgui Manáev
Os hábitos diários dos hussardos, de beber a lutar, devem muito a suas funções profissionais. Comte de Lassale, o famoso "general hussardo" do exército francês, disse: "Qualquer hussardo que não esteja morto aos 30 anos de idade é um salafrário".
A descrição faz sentido quanto aos hussardos russos. Corajosos ao ponto da insanidade, foram elas, muitas vezes, que iniciaram as batalhas. Eles eram os primeiros também em contra-ataques e ataques rápidos.
Armados e usando proteções leves, eles sofriam graves baixas. É por isso que, durante os tempos de paz, os hussardos se esforçavam muito, defendiam a honra e estavam sempre prontos a lutar até a morte. Como diziam os comandantes militares russos, os hussardos e os guardas reais eram o tipo de militares que precisavam do estilo de vida de fanfarrão para elevar o espírito.
Entornar para ser hussardo
Os primeiros regimentos de hussardos russos surgiram durante os tempos de Pedro, o Grande, e não duraram muito tempo. O desenvolvimento genuíno dos hussardos no exército russo ocorreu na segunda metade do século XVIII. Então, o exército cossaco ucraniano tinha sido reformado por Catarina a Grande, transformando-se em cinco novos regimentos de hussardos, assim como um regimento de hussardos da guarda real. Eles eram, em grande parte, cossacos, usavam seu sistema de comando e tomavam por inspiração suas arrojadas tradições.
Um homem podia se tornar hussardo totalmente por acaso, sendo devidamente recrutado pelo exército, mas qualquer jovem saudável podia se juntar aos regimentos. Para tanto, era preciso ir a cidades como Minsk ou Moguilev (atualmente, na Bielorrússia), onde, em certos momentos, aconteciam recrutamentos improvisados.
Esses recrutamentos pareciam rixas de bêbados - soldados hussardos ébrios comandados por suboficiais corriam pelas ruas servindo vinho aos rapazes que por acaso estivessem por perto. O vinho era pago pelos fundos do regimento - cerca de oito rublos por pessoa, uma quantia imponente naqueles dias em que 16 quilos de pão custavam um rublo.
Os rapazes apinhavam-se para beber de graça, e quase todos os dias os hussardos levavam com eles um monte de moradores locais totalmente espremidos de volta para os quartéis do regimento.
Os hussardos eram cavaleiros rápidos armados com sabres, carabinas e pistolas. Eles usavam uniformes cheios de detalhes, um conjunto diferente para cada regimento, e que eram inspirados nos uniformes dos primeiros hussardos húngaros.
A principal característica dos hussardos era sua velocidade e a brusquidão de seus ataques, que exigiam coragem e até imprudência. Obviamente, um hussardo tinha que estar fisicamente em forma, o que era obtido com treinos impiedosos.
Encher a cara de manhã até de noite
Carregar uma pistola é uma tarefa meticulosa, mas é ainda mais difícil quando feita ao entardecer, durante uma chuva torrencial, montado em um cavalo em movimento. Os hussardos eram ensinados a fazer isso, e eles eram duramente punidos (com 200 batidas nas costas com uma barra de ferro, por exemplo) se fossem lentos no carregamento ou se a arma disparasse um tiro no nada. Este é apenas um dos exemplo da severidade do serviço de hussardos.
Eles se levantavam às 5 da manhã para limpar e alimentar seus cavalos - e só depois a si próprios. O dia era dedicado a exercícios e treinamento em equitação - esta terminava às 18h. O tempo era contado pelos trompetistas, que eram obrigatórios em todo regimento de hussardos. Eles eram apelidados de "aristocracia dos hussardos". Durante o combate, ficavam no calor da batalha emitindo sinais para que se alterassem as formações, atacassem ou recuassem. No total, havia mais de 50 sinais de trombeta diferentes, e eles eram ainda mais difíceis de se executar durante o galope, mas os trompetistas hussardos conseguiam fazê-lo.
Viver intensamente e morrer jovem
Em primeiro lugar, a bebida: "Parecia tudo muito militar: o chão coberto de tapetes, no centro, uma panela, o açúcar queima embebido em rum; ao redor, em fila, os vendedores estão sentados segurando pistolas nas mãos... Quando o açúcar derrete, o champanhe é adicionado e o zzhenka pronto [uma bebida feita de rum, champanhe e açúcar derretido] é despejado nas pistolas - é assim que a farra começa... ”, escreveu o conde Osten-Sacken.
Beber sozinho era considerado um “comportamento totalmente obsceno”, mesmo pelos hussardos. Entre suas bebidas favoritas estavam champanhe, o rum, o ponche e a vodca mentolada. Era obrigatório ingerir uma bebida de escolha própria por um ou mês ou dois e depois trocar por outra coisa.
Então, vinham as escapadas: "Bêbados, fomos para a Ilha Krestovski, em São Petersburgo. Era um feriado de inverno e muitos alemães estavam lá descendo as colinas. Nós nos dividimos em dois grupos e estávamos assistindo à multidão. Assim que um cara ou uma moça alemã sentava-se em um trenó, nós o chutamos debaixo deles, o que os fazia descer o morro de bunda... Balashov, o governador geral de São Petersburgo, me chamou mais tarde e transmitiu uma reprimenda do próprio czar...”, escreveu Serguêi Volkonski, um dos futuros dezembristas, mas se tais reprimendas pudessem pelo menos deter os hussardos!
Serguêi Volskônski
“Nós detestávamos o embaixador francês de Caulaincourt [isto ocorreu durante as guerras napoleônicas] ... Muitos de nós pararam de visitar as casas que ele frequentava. Entre nossas explosões de raiva, uma se passou assim. Sabíamos que na sala de estar de Caulaincourt, havia um busto de Napoleão em cima de uma espécie de cadeira em forma de trono, e que não tinha nenhuma outra mobília lá - e considerávamos isso um insulto à Rússia. Em uma noite de inverno, alguns de nós passamos de trenó passando por sua casa e jogamos pedras pesadas na sala, quebrando as janelas. No dia seguinte houve reclamações e investigações, mas, até hoje, ninguém sabe quem estava no trenó”, relembrou Volkonski.
Oficiais hussardos frequentavam bailes e, às vezes, os realizavam - mas só os que eram mais nobres e ricos. Durante um baile, centenas de velas de cera eram acesas. Os bailes eram caros - isso sem contar as quantias consideráveis gastas em comida e bebida.
"Recebemos uma ordem jocosa... de torturar as garotas alemãs com danças. Com fervor, cumprimos a ordem - dançamos até começarmos a cair. As lindas garotas alemãs se deliciaram! Depois do generoso jantar, às três da manhã, após uma poderosa bebedeira em nome dos antigos deuses Baco e Afrodite, começou a mazurca, que terminou apenas às 7 da manhã... Ordenamos nossos soldados que tomassem as roupas quentes dos convidados de seus servos e mandassem suas carruagens para casa - então quase todos tiveram que ficar até o amanhecer...”, relembrou Faddey Bulgarin.
O grande número de alemães na Rússia pode ser explicado pelo fato de que durante as guerras napoleônicas muitos deles fugiram para a Rússia, onde buscavam refúgio. Em uma nação governada por pessoas etnicamente alemãs, eles se sentiam seguros.
Para dizer a verdade, os hussardos adoravam se deixar levar. Jovens cheios de energia, eles aproveitavam todas as oportunidades para gastar seu tempo de maneira útil. O hussardo Serguêi Marin escreveu a um amigo dizendo que seu batalhão trocava de hobbies como de luvas: no inverno todo mundo jogava xadrez; na primavera, bilhar; depois, no verão, faziam fontes e cascatas; e, no outono, todo mundo ia caçar.
(Não) brincar com a morte
A ética militar no século XIX exigia que se tratasse da morte como parte normal da vida e, se necessário, aceitá-la placidamente. “Quando uma bala assobiar, não pisque. Quando na batalha, lutar corajosamente. Ao atacar, não segure o cavalo, confie sua alma a Deus e, se preciso, morra” - assim ia uma alegre canção de hussardos explicando a atitude desses em relação à morte.
Hussardos em ação durante as Guerras Napoleônicas
Em tempos de paz, os hussardos não hesitavam em mostrar sua coragem - a qualidade era considerada primordial para um soldado, especialmente um hussardo. Houve duelos. E muitos. Duelos por tudo.
Um cornette hussardo tinha o apelido de “Buianov” (“Desordeiro”), e isso tinha um motivo. Seu primeiro duelo aconteceu em Moscou, quando um oficial da guarda real disse que o regimento de Buianov era defeituoso. Buianov feriu o oficial de guarda levemente, foi rebaixado e enviado ao Cáucaso.
Três anos depois, ele adquiriu o posto de cornette novamente e retornou a seu regimento. Em um ano, ele desafiou um governador da província a um duelo por insultar a esposa de um oficial colega de Buianov.
Ele foi rebaixado novamente para soldado regular e retornou ao regimento após quatro anos - só para entrar em duelo com um colega oficial. Após o terceiro rebaixamento, o destino de Buianov se perdeu.
A atitude dos oficiais hussardos em relação à morte era bastante extrema. Eles estavam prontos a defender a honra mesmo sem pistolas. Em 1807, o regimento Grodno de hussardos estava na Prússia lutando contra Napoleão ao lado do exército prussiano. Durante um jogo de cartas em uma pousada, um oficial prussiano ofendeu o hussardo russo tenente-general Conde Podgoritchani.
O prussiano era bom de tiro e escolheu as pistolas como arma. O conde respondeu que não tinha pistolas, mas que apostaria sua vida num lance de cartas: quem ganhasse o lance mataria o oponente.
Eles começaram a jogar e o conde ganhou. Todos os oficiais seguiram os duelistas até o jardim; o oficial prussiano achou que a decisão do conde era uma piada, mas Podgorichani pegou um rifle do estalajadeiro e matou sem rodeios o prussiano, dizendo: “Não brinco com a morte. Se eu tivesse perdido o lance, ficaria em seu lugar e o faria me matar".
Fonte: Russia Beyond