A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres de Paranaguá, também referida como Fortaleza da Barra ou Fortaleza de Paranaguá, localiza-se na praia da Fortaleza, no sopé do morro da Baleia (hoje da Fortaleza), na ilha do Mel, litoral do estado do Paraná, no Brasil.
Portão principal da Fortaleza da Ilha do Mel
Nas primeiras décadas do Século XVIII eram grandes as preocupações com a segurança de Paranaguá contra os ataques de navios piratas franceses, ingleses e espanhóis que infestavam os mares aprisionando embarcações carregadas de ouro e prata, bem como pilhando e destruindo as povoações costeiras.
Apesar de Paranaguá não ter despertado maior interesse por parte dos piratas, os corsários aportavam apenas para refrescar-se de suas longas viagens e abastecer-se de água e alimentos sem cometer nenhum ato de pirataria.
Mesmo assim o povo vivia aflito e com medo, na expectativa de ataques de surpresa.
A inquietação dominou o povoado quando da presença de um navio pirata francês, comandado pelo Capitão Bolorot, o qual adeentrou a baia em direção à vila, perseguindo um galeão espanhol carregado de prata. Como anoitecia, o pirata ancorou na enseada da ilha da Cotinga. A população amedrontada implorava o auxílio e proteção da padroeira Nossa Senhora do Rosário, com rezas e procissões, enquanto uma forte tempestade lançava o navio pirata contra rochedos próximos da Cotinga afundando-o.
Este episódio foi decisivo.
A construção de fortificações se tornara uma necessidade para a defesa do porto e da vila. Inicialmente o governo português providenciou para que se colocasse duas roqueiras (antigo canhão de ferro que atirava pedras) na Ilha das Peças, dominando a entrada do canal do norte, e duas peças no continente, além da colocação de sentinelas no Morro das Conchas, na Ilha do Mel, transmitindo sinais a Paranaguá para acusar a presença de embarcações de vela redonda, uma característica dos navios piratas.
Tal medida parecia suficiente até que com a elevação do Brasil a Vice-Reino em 1763, cogitou-se oficialmente da construção de uma fortaleza na Baía de Paranaguá. D. Luiz de Souza Botelho Mourão, ao assumir a Capitania de São Paulo tinh ordens de reforçar a defesa da costa meridional para prevenir ataques marítimos dos espanhóis do Rio da Prata e construir as fortalezas de Santos e Paranaguá. Foi seu parente e Ajudante de Ordens, D. Afonso Botelho de Sampayo e Souza quem ficou encarregado da construção da Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres.
As obras foram iniciadas em 1766 e ganhando forma com os blocos rochosos talhados por mestres canteiros enviados por D. Luiz e que eram cuidadosamente assentados pelos escravos. As muralhas de 1,5 metros de espessura em quatro fachadas foram levantadas até a altura de 7 metros. Nelas, sobre as pedras da base, foram colocadas cinco guaritas salientes. Em 1769, a fortaleza tinha seu portão instalado na muralha norte e também já estavam concluídas as prisões com janelas gradeadas, o aquartelamento, a cozinha, a enxovia, a capela, a Casa do Comando e a Casa da Pólvora. Sobre as plataformas de terrapleno foram instaladas baterias com suas 12 peças que podiam abrir fogo para todos os lados e alcançar embarcações que passasem pelo canal sudeste.
Na última década do Século XVIII a Fortaleza foi relegada ao abandono e seus canhões foram removidos para a Fortaleza de Santos até que, lá pelos idos de 1815, Ricardo Carneiro dos Santos recuperasse o Forte com o aval do Governo. Em um ano foram restaurados os alojamentos, a capela e a Casa do Comando e recolocados os canhões que retornaram de santos. Hoje está definitivamente desativada sendo tombada como patriônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde março de 1972.
Ações bélicas da Fortaleza
A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres não teve uma atuação bélica permanente, excetuando-se o caráter preventivo e assustador pela sua própria existência. Mesmo assim, pode-se considerar que a Fortaleza marcou a história da colonização paranaense pelo litoral, como também durante a 2ª Guerra Mundial, quando tornou-se a sentinela de vigilância contra submarinos que pretendessem invadir as águas de Paranaguá.
Os Farrapos e a Fortaleza
A Fortaleza da Ilha do Mel, com uma guarnição vinda do Rio de Janeiro e sob o comando do Tenente Joaquim Ferreira Barbosa, protegia o livre trânsito das embarcações do governo imperial pelo Canal Sueste, único navegável para barcos de maior calado.
Estourava a Guerra dos Farrapos e os farroupilhas, sem medir conseqUências, entregavam o comando de uma esquadra de lanchões de guerra ao marinheiro e aventureiro Giuseppe Garibaldi e aos mercenários que o acompanhavam. Eles atacavam as embarcações do império brasileiro para pilhagem e saques, principalmente entre o Rio de Janeiro, Santos e São Francisco do Sul.
Foi em 31 de outubro de 1839 que uma escuna e um lanchão farroupilhas atreveram-se a capturar a sumaca Dona Elvira e penetrar na Barra de Paranaguá. Os canhões da Fortaleza atiraram, obrigando os invasores a retroceder. O vento colaborou e a escuna fez rumo Norte enquanto o lanchão, mais pesado, por ali parou. Foi o tempo suficiente para que uma lancha com vinte homens comandada pelo Alferes Manoel Antonio Dias saisse-lhe ao encalço. Abordou-o e aprisionou a tripulação de aventureiros que Garibaldi trouxera para a America e com os quais entrara para o serviço naval da República Piratini.
Presumia-se que o próprio Garibaldi estivesse a bordo da escuna fugitiva o que não impediu que o comandante da Fortaleza fizesse retornar a lancha Dona Elvira remetendo os mercenários presos para Paranaguá.
A fortaleza vista do mar
O episódio do Cormorant
O episódio mais célebre da Fortaleza da Ilha do Mel foi a luta, em 1850, com o cruzador HMS Cormorant da marinha inglesa.
No inicio do século XIX surgiram as primeiras tentativas para proibição do tráfico negreiro da África para o Brasil. Já existiam leis proibindo esse tráfico, porém tais determinações não eram cumpridas, principalmente no sul. O Porto de Paranaguá converteu-se num dos maiores centro de contrabando de escravos os quais, ali desembarcados eram transportados em seguida parfa outros pontos do Brasil. Por sua vez a Inglaterra que por diversas razões, principalmente econômicas, não desejava aa continuação do tráfico negreiro no Brasil, firmou um acôrdo com o Brasil em 1845, o "bill Aberdeen", o qual permitia a perseguição de navios negreiros pela marinha inglesa, até mesmo na costa brasileira. Foi daí que surgiu o sério incidente com o cruzador britânico HMS Cormorant na Baía de Paranaguá em 1850.
O Capitão Herbert Schomberg, comandante do navio inglês, tinha conhecimento do contrabando de negros em Paranaguá, mas desconhecia que os mesmos eram desembarcados nas ilhas vizinhas, onde os escravagistas iam buscá-los para depois vendê-los sem nenhum problema. Os escravos, vindos da África, ficavam numa espécie de quarentena para se recuperar da longa e estafante viagem nos navios negreiros, onde vinham amontoados como gados e com uma precária alimentação que os deixava em estado de subnutrição. Vítimas fáceis do escorbuto, encontravam em algumas ilhas o limão em quantidade para recuperá-los na constante e forçada ingestão de vitaminas para combater a doença.
A 29 de junho de 1850, perto da Ilha da Cotinga, o Capitão Schomberg aprisionou os brigues Dona Ana e Sereia, bem como a galera Campeadora, quando já estavam de porões vazios. Tal fato provocou a revolta dos moradores locais, principalmente dos jovens que viam tal ato como invasão e desrespeito, ainda mais estimulados pelos ricos proprietários de naus contrabandistas e ricos negociantes de escravos, o que culminou com a ação do comandante de um nos navios brasileiros, o Astro, o qual, para não ser apanhado pelos ingleses afundou a embarcação com dezenas de negros presos nos porões. Para a população foi o estopim.
Comerciantes de Paranaguá protestaram inconformados com a violação das águas territoriais brasileiras e, principalmente por não estarem as embarcações com escravos a bordo. De nada adiantavam os protestos e como nãoi houve acôrdo com o comandante inglês, vinte e seis homens da Vila resolveram dar combate ao cruzador na barra. Saíram de Paranaguá em vários botes e lanchas com destino à Fortaleza da Ilha do Mel, a qual encontrava-se em situação precária e incapaz de fazer frente ao armamento mais moderno e potente do cruzador inglês. Mesmo assim, sem se intimidar, levavam tudo que se fizesse necessário para colocar os canhões do Forte em ação: areia, cimento pólvora, balas, além de ferragens e carpinteiros para colocá-los em funcionamento. Destacaram-se neste episódio os jovens Joaquim Caetano de Souza, José Francisco do Nascimento e Manoel Ricardo Carneiro que tiveram a iniciativa de "lavar a honra ultrajada".
De um lado o cruzador inglês, com as suas três presas a reboque, rumava para a barra devendo forçosamente passar pelo canal sudeste, ao largo da Fortaleza. De outro lado os vinte e seis voluntários civis, auxiliados por alguns soldados e com experiência de alguns veteranos conseguiram colocar as 12 peças de artilharia em funcionamento. O choque era iminente entree o cruzador e a Fortaleza.
Foram 40 minutos de tiros, entusiasmo e perigo, culminando com o HMS Cormorant avariado em uma das rodas de propulsão e um dos barcos a reboque também atingido. Não houve baixas na Fortaleza, apenas um marinheiro inglês morreu a bordo de um dos brigues aprisionados.
Embora com um poderio de fogo muito superior ao da Fortaleza, o Capitão Schomberg não reagiu, preferindo esquivar-se atirando apenas contra as rochas que flanqueiam a muralha. Saiu da linha de fogo do Forte, abrigando-se para reparos na enseada em frente ao Morro das Conchas. Ao prosseguir viagem o Capitão Schomberg mandou incendiar os dois brigues, levando a reboque a galera Campeadora.
De volta a Paranaguá, os defensores da Fortaleza foram recebidos com júbilo. A Inglaterra, ferida em seu orgulho, exigiu reparos aos danos físicos e morais. A questão foi encerrada com um pedido de desculpas do Brasil. Ao final, restou uma vítima indefesa dos acontecimentos: o Capitão comandante da Fortaleza foi punido e rebaixado a soldado de terceira categoria depois de ser elogiado pelo Presidente da Província em oficio datado de 22 de julho de 1850.
Durante a Revolução Federalista (1893-1895) foi tomada por tropas rebeldes oriundas do Sul, pelo mar.
No século XX
Desguarnecida, no início do século XX sediou um Batalhão de Artilharia (1905), ocasião em que foi construído um edifício para Quartel de Tropa. A antiga Caserna foi transformada em Refeitório e Cozinha. Nela se destacavam três casas, Capela e um Paiol de Munições, quando passou a aquartelar a 4ª Bateria Independente em 1909. Foram-lhe projetados melhoramentos em 1911 e, em 1913 serviu de base para uma bateria no morro da Baleia, de cuja guarnição passou a servir de Caserna no contexto da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), servindo como base militar de proteção à costa. Esta Bateria ficou artilhada com quatro canhões Armstrong C-40, de 120 mm, retirados do Cruzador Tamandaré, o que, embora necessitando confirmação (essa embarcação estava artilhada com dez peças de 150 mm, mas com apenas duas de 120 mm), pode ter ocorrido entre 1913 e 1915, quando aquela embarcação deu baixa.
Canhão de 120mm existente na fortaleza
Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a partir de 1938, durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), aquartelou cerca de duzentos homens, tendo o seu comandante respondido a inquérito pela destruição da vegetação de caixeta na encosta do morro e por ter aberto um portão no muro traseiro da fortaleza, sem a devida autorização. A guarnição operava um holofote, sendo desmobilizada em agosto de 1954.
Após ser desativada, a fortificação permaneceu abandonada. Reduto "hippie" na década de 1970, na década de 1980 foi palco de uma "caça ao tesouro", alimentada pela lenda do Padre Thiago e pela descoberta, nas suas dependências, de um cofre contendo papéis antigos e moedas de pouco valor. O conjunto sofreu intervenção de restauro entre 1985 e 1995, em parte graças a recursos do Banco Mundial, passando a abrigar um pequeno museu na Casa da Guarnição, e o posto local da Polícia Florestal.
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