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Numa fria manhã de fevereiro de 1945, o major Robert Staver, do Serviço de Inteligência Militar dos Estados Unidos, desceu no aeroporto de Londres com ordens para se apresentar imediatamente ao Comando de Armas e Munições aliado. Pouco depois ele falava com seus superiores quando foi jogado ao chão por uma formidável explosão no prédio vizinho. Staver tinha sido enviado à Inglaterra para aprender tudo sobre bombas voadoras alemãs e estava sendo recebido pouco amistosamente por uma delas.
Mas Staver era um espião arguto, e tinha a sorte ao seu lado. Uma semana depois de sua chegada à Inglaterra as unidades blindadas do III Exército norte-americano entraram em Bonn e capturaram documentos importantes, entre os quais uma lista completa dos principais cientistas que trabalhavam em Peenemünde, a grande base alemã de foguetes.
Uma cópia desta lista foi entregue a Staver, que voou com ela para Washington, levando também a duplicata do secretíssimo “Relatório de Oslo”, um apanhado de informações reunidas na Europa ocupada pelos agentes do MI-5 (o Serviço Secreto do governo britânico). No conjunto aqueles documentos definiam o perfil do enorme esforço da Alemanha nazista para desenvolver versões ainda maiores (capazes de atingir o território dos Estados Unidos), do míssil balístico A-4 (o famoso V-2), com os quais bombardeavam Londres e outras cidades inglesas desde setembro do ano anterior.
Foguete V-2 sendo lançado contra a Inglaterra
A análise do material recolhido por Robert Staver foi suficiente para que o Pentágono enviasse, no dia 2 de abril, ordens expressas ao general Eisenhower para a captura dos planos, dos mísseis e, se possível, dos próprios técnicos de Peenemünde. O relatório de instruções, classificado como absolutamente sigiloso, estava marcado com o nome de código de “Operação Paperclip” (Operação Clipe de Papel).
Como surgiu a operação
Enquanto isto, na enorme e moderníssima estação de pesquisas construídas na foz do Rio Peene, os cientistas alemãs viviam dias de desassossego. Na sua grande maioria não tinham qualquer simpatia pelo governo nazista de Berlim. Sua aventura começara em 1923, quando alguns deles, então simples entusiastas dos foguetes, haviam fundado, em Berlim, a “Associação para Viagens Especiais”. Do Grupo original faziam parte cientistas de renome como Hermann Oberth, Rudolf Nebel e Willy Ley, aventureiros como Max Vallier e jovens entusiastas, como Werner Von Braun.
Dos pequenos foguetes dos anos 1920 eles passaram gradualmente a modelos maiores até que, em 1938, foram “descobertos” pelas autoridades militares alemãs. De uma hora para outra receberam dinheiro, ajuda e prioridades técnicas. Ganharam novas instalações em Peenemünde e continuaram trabalhando. Seu país estava em guerra e, por isto, o interesse governamental era mais que justificado.
Mas, aos poucos, seus planos de lançar engenhos ao espaço foram sendo preteridos por projetos militarmente mais úteis. Em fins de 1944 aperfeiçoaram o foguete balístico A-4, capaz de levar 1.000 kg de explosivos a 350 km da distância. Por ordem de Hitler aquele engenho foi produzido em série e mudou de nome. Passou a se chamar Vergeltungwaffe nº 2, ou V-2.
Os ingleses, que acompanhavam o esforço de longe, decidiram interrompê-lo arrasando as instalações de Peenemünde. Na noite de 18 de agosto de 1943 um total de 150 bombardeiros pesados da Real Força Aérea (RAF) lançaram sobre Peenemünde mil toneladas de bombas, destruindo quase tudo. Hitler, num acesso de raiva, ordenou a dispersão das fábricas de bombas V-2 e os técnicos de Peenemünde ficaram reduzidos a ensaios com novos modelos ainda maiores daquele míssil, capazes de cruzar o Atlântico e chegar a Nova Iorque.
Uma decisão difícil
Estes ensaios avançaram, mas como admitiram mais tarde os técnicos alemães de Peenemünde , “já não tínhamos mais nenhuma fé na causa do Governo de Berlim”. Pior ainda: eles sabiam que tinham-se transformado em personagens suspeitos para a cúpula nazista e, por pouco, alguns deles - dentre os quais Von Braun - não foram fuzilados por ordem de Hitler.
Esta era a situação no dia 3 de abril de 1945 quando o General Walter Dornberger, Von Braun vários dos seus colegas decidiram deixar Peenemünde. Era impossível continuar ali. Oitenta quilômetros a sudeste os canhões russos já bombardeavam Stetin, enquanto a oeste os blindados dos americanos tomavam Bleicherode.
O General Dornberger ( a esquerda) e o cientista Werner von Braun (de braço quebrado) no momento em que se entregam aos americanos dpois de fugirem de Peeneumünde
Sua decisão , porém, não foi unânime. Alguns especialistas importantes, como Halther Frolic, Schenost, Waldman, Erich Ptze (Diretor de Produção dos míssieis), Werner Braun (especialista em motores), Erich Muller, Helmuth Gottrup e a maioria dos técnicos de nível médio optaram por seguir as ordens e ficar em Peenemünde.
Os demais optaram pela saída. Dornberger, Von Braun e 500 dos seus principais colaboradores embarcaram num comboio de caminhões (por falta de gasolina, acionados com álcool de foguete) carregados com toneladas de planos e desenhos e rumaram para o sul. Seu destino: Oberammergau, nos Alpes.
Como o próprio Von Braun escreveu mais tarde, “foi uma decisão difícil de tomar. Na minha mesa de trabalho tinha cinco ordens de Alto-comando para permanecer em Peenemünde. E outras cinco mandando que eu saísse de lá. Todas pediam que os planos e instalações fossem destruídos...”.
Peenemunde foi tomada na semana seguinte pelo 2º Exército Soviético, comandado por Konstantin Rokossowsky. Mas o comboio de Von Braun, cruzando por rodovias sob bombardeiro, conseguiu milagrosamente chegar intacto a Nordhausen, onde um telefonema avisou-os de que os americanos estavam a apenas 20 quilômetros de distância. Von Braun e seus companheiros concordaram que seria uma estupidez perder tantos anos de pesquisa valiosa. Por isso, rumaram para o sul.
Uma presa valiosa
Por ordem de Dornberger 14 toneladas de planos foram escondidos numa caverna em Dorton, depois os cientistas fugiram para Obeyoch, perto da fronteira da Áustria.
Nessa altura, Robert Staver e o agente Charles L. Stewart estavam firmes na busca aos técnicos foragidos. E tinham de andar depressa, já que os russos aparentemente buscavam a mesma coisa, capturando as instalações de mísseis de Rusterort e Carlsberg, nas proximidades de Frischen, e também as de Memel e Erfurt, na Turíngia. Mas chegaram atrasados à linha de montagem das V-2 na firma Mittelwerk, em Nordhausen.
Dias antes, numa verdadeira operação de comandos chefiada pelo Coronel Helger N. Toftoy a 144ª Companhia Motorizada norte-americana “esvaziou” os depósitos de Nordhausen. Dezenas de mísseis V-2, peças delicadas e toneladas de documentos foram embarcados para o Ocidente em composições ferroviárias. O primeiro trem saiu no dia 22 de maio. Mas o ultimo só partiu no dia 31, horas antes da chegada dos russos. Quando, dias depois, Stalin leu o relatório sobre o acontecido, explodiu “Alguém tem de ser responsabilizado por deixar escapar uma presa tão valiosa...”
Rumo aos EUA
Mas já era tarde. Enquanto em Moscou Joseph Stalin ordenava uma investigação completa, na França o precioso butim tecnológico era embarcado em dezesseis navios cargueiros, rumo aos Estados Unidos. Von Braun (com o braço quebrado em um acidente de automóvel) e seus amigos renderam-se a Charles Steward no dia 5 de maio. Tinham passado as últimas semanas fazendo planos mirabolantes de satélites e vôos à lua, num ambiente paradisíaco de florestas, enquanto a sua volta a Alemanha nazista desmoronava-se nos estertores finais.
Robert Staver, por ordens superiores, levou seus preciosos “hóspedes“ para Paris e depois para Londres, onde eles foram cuidadosamente guardados até viajarem incógnitos para o Novo México com documentos falsos. Von Braun, por exemplo, viajou com o passaporte de Willian Smith.
Von Braun (sentado à direita na foto) apresenta uma maquete do foguete Jupiter C que, em 1958, colocou em órbita o primeiro satélite americano
Nos Estados Unidos a equipe alemã retomou seus laboratórios e instalações e passou a trabalhar para o exército. Gradualmente a vigilância sobre eles foi relaxada e alguns acabaram voltando à Alemanha. Mas a maioria ficou, e deu a sua nova pátria de adoção compensações mais que úteis pelo esforço a eles despendidos. Foram eles que desenvolveram o foguete “Júpiter C” que, em 31 de janeiro de 1958, colocou em órbita o primeiro satélite americano; o foguete “Juno II”, que levou a primeira sonda americana à lua, e os gigantescos foguetes “Saturno”, responsáveis pela primazia americana nos vôos tripulados à lua.
Quando isto aconteceu, os custos da “Operação Paperclip” já tinham sido pagos milhares de vezes.