O atual avanço do Estado Islâmico - milícia sunita
anteriormente conhecida como Isis - é, essencialmente, uma tentativa de
reacomodar fronteiras regionais definidas por razões políticas. Junto com a
dificuldade de controlar o conflito na Síria, o avanço do grupo é a tentativa
mais séria atualmente de redesenhar o mapa do Oriente Médio.
Se não for
barrada, a milícia - que já declarou um califado no leste da Síria e oeste do
Iraque - pode por em risco não apenas as minorias étnicas e religiosas
iraquianas, mas o próprio Iraque como Estado soberano. O Iraque parece
se desintegrar a cada crise e uma das questões é quando tudo começou a sair
errado.
Poder para poucos
As fronteiras do Oriente Médio hoje são, em grande parte, um legado da Primeira Guerra Mundial. Foram estabelecidas pelas potências coloniais com o fim e a divisão do Império Otomano. A Grã-Bretanha, potência colonial, impôs no atual Iraque o reino Hachemita, que prevaleceu sobre outras comunidades, como xiitas e curdos - uma dinâmica recorrente na história turbulenta do país. A monarquia foi derrubada por um golpe do partido Baath, um movimento nacionalista e de modernização semelhante ao que levou Gamal Nasser ao poder no Egito.
Com a queda da
monarquia, assume Saddam Hussein, cabeça de um regime dominado pela facção
sunita que também reprimiu reivindicações dos xiitas e curdos. O apoio do
Ocidente a Saddam durante a guerra Irã-Iraque só fortaleceu sua liderança
brutal.
Mas o governo do
Partido Baath foi destruído pela invasão americana e britânica de 2003. Saddam
Hussein foi deposto, julgado e executado pelo novo governo iraquiano. O
exército iraquiano foi desmontado e deu lugar a novas forças de segurança. A guerra que os
neoconservadores americanos tinham imaginado como meio de levar a democracia à
região, estabelecendo novos arranjos políticos e unindo todas as comunidades,
produziu um sistema dominado por um estado de maioria xiita. Foi essa maioria
que elegeu o primeiro-ministro Nouri al-Maliki, que acusou a população sunita
de governar ignorando as necessidades de outras comunidades.
O Oriente Médio após a 1ª Guerra Mundial: as fronteiras estabelecidas pelas potências coloniais estão nas raízes da instabilidade regional
Muitos haviam se
perguntando, depois da guerra, se o Iraque poderia permanecer um Estado
unitário e uma das razões por trás da questão foi o nível significativo de
autonomia alcançada pelos curdos no norte do país.
Atualmente, as
forças armadas da região do Curdistão, onde está uma das mais ricas reservas de
petróleo, combatem os militantes do Estado Islâmico. O Curdistão também recebeu
refugiados que fugiram da ofensiva do EI. Porém, um
elemento central desta receita deixou de existir a partir da retirada das
tropas americanas do país.
Novo sectarismo
Apesar de planos
iniciais de manter um contingente militar no Iraque para assessorar o exército
iraquiano, Bagdá e Washington não chegaram a um acordo sobre esse tema. As
últimas tropas americanas se retiraram em dezembro de 2011, deixando a
segurança do país nas mãos das suas próprias forças de segurança.
Os Estados
Unidos tinham feito progressos significativos na luta contra os grupos
jihadistas ligados à Al Qaeda ao se aproximar de outros grupos sunitas. Sem os
americanos, estes acordos entraram em colapso. Os sunitas
ficaram cada vez mais vulneráveis a um exército dominado pelos xiitas. Os
excessos das forças de segurança do Iraque serviram de incentivo para grupos
extremistas recrutarem militantes sunitas.
Um grande
paradoxo da derrubada de Saddam Hussein pelas tropas americanas é que a
destruição do Iraque como força regional acelerou e facilitou o crescimento do
Irã. Teerã enxergou os xiitas iraquianos como aliados em uma batalha regional
mais ampla. Talvez por causa
do apoio iraniano, o triunfo do primeiro-ministro Nouri al-Maliki provocou a
rejeição de grupos sunitas, piorando a situação de segurança na região.
A derrubada de Saddam Hussein pela coalizão liderada pelos EUA acelerou o crescimento do Irã na região.
Recentemente, o
avanço dos militantes do EI resultou em um fato inédito: Irã e os Estados
Unidos dialogaram, pela primeira vez, sobre a situação no Iraque, não como
inimigos, mas como potências regionais preocupadas com um rival comum.
Jihad regional
O sectarismo e a
divisão entre sunitas e xiitas são vistos por muitos analistas como o dilema do
ovo e da galinha: o problema seriam as diferenças sectárias ou as falhas do
Estado iraquiano nos âmbitos social e econômico, gerando mais divisões?
Apesar da
riqueza em petróleo, a maioria dos iraquianos vive em condições de pobreza e os
níveis de corrupção no país são altos. O premiê
iraquiano, acusado de favorecer seus seguidores, continua no poder apesar das
críticas da oposição e mesmo de Washington, e agora tenta um terceiro mandato.
Os iraquianos,
mesmo focados em seus próprios problemas, notaram como as correntes da
Primavera Árabe vieram e se foram: a transformação política no Egito e, claro,
os conflitos na vizinha Síria. O apoio dos
países do Golfo aos militantes sunitas extremistas facilitou o surgimento e a
consolidação de grupos como o EI, com uma agenda regional cada vez mais
ambiciosa. O crescimento da
dissidência jihadista na Síria também teve implicações para o outro lado da
fronteira. Há relatos consistentes de que o governo sírio de Bashar al-Assad
subestimou esses insurgentes e se concentrou mais na luta contra os militantes
mais moderados, apoiados pelo Ocidente. Isso deu espaço
para o EI estabelecer suas próprias estruturas em áreas de baixo controle.
Fonte:
BBC
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