No dia 12 de setembro de 1631 duas poderosas esquadras, uma holandesa e outra luso-espanhola, confrontaram-se em águas brasileiras a 80 milhas do arquipélago dos Abrolhos. Conheça a história desta batalha.
A notícia da vinda dos navios de Oquendo chegou à Pernambuco no dia 19 de agosto, quando um dos cinco iates holandeses, enviados para patrulhar a barra da Baía de Todos os Santos, aportou no Recife. Após rápidos preparativos, o general Adriaen Pater zarpou com sua esquadra no último dia de agosto, com a intenção de forçar a armada luso-espanhola a se fazer ao mar e combater em uma batalha decisiva. No entanto, cumprindo as determinações do conselho de guerra e sem saber da partida dos navios holandeses, a armada de D. Antônio de Oquendo deixou o porto de Salvador quase na mesma data, para cumprir a primeira etapa de sua missão e desembarcar as tropas em um local que proporcionasse segurança para a operação, provavelmente o Cabo de Santo Agostinho.
Uma hora antes do pôr do sol do dia 11 de setembro, os vigias holandeses avistaram a esquadra luso-espanhola na altura do arquipélago dos Abrolhos. A esquadra de D. Antônio de Oquendo seguia bastante reforçada, com 17 galeões, 12 caravelas e 24 navios mercantes – que seguiam carregados de açúcar – totalizando 53 navios. Embora sua armada possuísse apenas dezesseis navios de guerra, o almirante holandês Adriaen Pater não conseguiu, ao entardecer e à distância, avaliar corretamente o tamanho da frota luso-espanhola e julgou que se tratava de um poder naval equivalente ao seu. Com efeito, ao cair da noite o comandante neerlandês convocou os capitães dos navios para um conselho de guerra a bordo do navio capitânia Prins Willelm, onde decidiu manter o contato com a esquadra inimiga e dar combate aos navios portugueses e espanhóis na manhã seguinte, atacando-os aos pares. Johannes de Laet descreveu as providências tomadas por Pater com vistas à preparação do combate para o dia seguinte:
“No dia 11, o general avistou a frota espanhola uma hora antes do pôr do sol, a sul-sueste e a sueste. Então o general avisou seus barcos com as bandeiras e também despachou o iate Nieuw Nederlandt, que corria atrás da nau capitânia, para todos os demais navios com instruções para que se preparassem para a ação e para que se mantivessem juntos. Navegaram de sueste a sul a noite inteira, em noite de lua clara. Assim, ao amanhecer, a frota espanhola estaria posicionada a este-sueste da esquadra. Os espanhóis tinham a força de 53 navios, até onde se podia contar. O general Pater, então a um quarto de milha do inimigo, convidou todos os capitães a bordo do seu navio e deu ordens para que acostassem todos os galeões espanhóis dois a dois contava com 16 vasos e iates e estava incorretamente informado sobre a força inimiga, acreditando na existência de apenas oito galeões na frota, e admoestou fortemente cada homem a agir valentemente, pois todo o bem-estar da Companhia e a honra da marinha dependiam disso.”
D. Antônio de Oquendo, comandante da esquadra luso-espanhola
Ao amanhecer do dia 12 de setembro de 1631, os holandeses se
surpreenderam com o tamanho da armada luso-espanhola, mas, mesmo em
inferioridade numérica, Pater ordenou o início do ataque. No entanto,
diante da superioridade dos espanhóis, muitos capitães holandeses se
omitiram e conservaram seus navios fora do alcance dos canhões inimigos
e, até mesmo, recusaram o combate. O Prins Willelm, comandado pelo
próprio almirante Pater e o Walcheren lançaram-se contra o
galeão-capitânia de Oquendo, o Santiago de Oliste, enquanto o
almirante Maerten Thyssen dirigiu seu ataque contra o San Antonio,
navio do almirante D. Francisco de Vallencilla. Thyssen foi bem
sucedido em sua investida e conseguiu afundar o San Antonio com grande
perda de vidas entre os espanhóis – dos 400 tripulantes do galeão,
cerca de 250 morreram –, inclusive o almirante Vallencilla.
Pater, no entanto, não teve a mesma sorte e seu navio incendiou-se após
ser atingido pelos canhonaços espanhóis. Apesar de permanecer queimando
por várias horas antes de afundar, nenhum capitão holandês teve a
coragem ou o desprendimento para socorrer o seu general, que terminou se
afogando, com boa parte de sua tripulação. Jacob Janssen Hes, um
tripulante do Prins Willelm que conseguiu sobreviver ao incêndio e ao
naufrágio, descreveu o desespero dos homens e os últimos instantes de
vida do general Adriaen Pater:
“Abandonados a bordo do nosso
navio em chamas, cercados de inimigos, lançamo-nos à mercê das ondas,
sobre tábuas e paveses, cada qual como melhor pôde; assim também o
senhor general Pater postou-se sobre o mastro do gurupês para se salvar;
mas, estando este mastro ainda em parte ligado pela cordoalha, não era
possível permanecer sentado nele por causa da agitação das vagas e o
senhor general afogou-se, e com ele a maior parte da equipagem.”
Típico navio holandês do século XVII
Posteriormente, após retornar ao Recife, o almirante Thyssen enviou relatório ao Conselho dos XIX dando ciência da batalha:
"Seguimos em direção ao inimigo e, chegando perto, o nobre Sr.
Almirante-general [Pater] fez sinal para que se reunissem a bordo da
capitânia todos os capitães, a fim de deliberarmos sobre a ordem a
seguir no ataque. Ficou assentado que cada um dos navios grossos do
inimigo seria atacado por dois nossos, que procurariam tomar ou destruir
o adversário, conforme a ocasião. E isto assim assentado e por todos
aprovado, dirigiu-se cada qual para seu navio e juntos seguimos contra o
inimigo. Eram cerca de dez horas da manhã quando eu abordei o navio do
Almirante Balezilla [Vallencilla], e o Sr Almirante-genaral Pater, a
capitânia do General D. Antônio de Oquendo; e já eram passadas as quatro
da tarde quando a almiranta espanhola foi a pique e tomamos um galeão
chamado 'San Buenaventura', que viera em auxílio do dito Balezilla. A
resolução de abordar, porém, que havia sido tomada pelo Sr.
Almirante-general e por todos os capitães, foi observada apenas por
poucos, isto é, somente por Jan Mast, capitão do 'Walcheren', que
deveria secundar o Sr. Almirante-general, e pelo 'Provintie van Utrech',
que se juntou comigo. Durante o combate, ateou-se fogo também no navio
do Sr. Almirante-general Pater. O navio queimou-se, salvando apenas
cinco homens."
Com as últimas luzes do dia, as duas esquadras
cessaram o combate e se afastaram, ambas contabilizando graves perdas.
Os holandeses perderam os navios Prins Willelm e Provintie van
Utrech, além de cerca de 500 homens, dentre os quais figurava o
almirante-general Adriaen Pater. Os navios que se engajaram
efetivamente no combate e escaparam de ser afundados apresentavam
severas avarias, conforme observou Ambrósio Richshoffer no porto do
Recife, imediatamente após sua chegada, em 22 de setembro: “[os navios]
estavam por dentro e por fora tão salpicados de carne humana, miolos e
sangue, que foi preciso raspá-los com vassouras; o que foi horrível de
ver-se.”
Depois de atingido, galeão espanhol afunda, enquanto a tripulação luta pela sobrevivência
Apesar das perdas, no entanto, os holandeses
conseguiram capturar um grande galeão espanhol, o San Buenaventura,
que, depois de ser recuperado, foi incorporado à marinha da Companhia das Índias Ocidentais. Os
capitães dos navios Dortrecht, Groeningen, Memmlik e Amersfoort,
que haviam se omitido durante a batalha, foram julgados e sentenciados a
morte, por enforcamento. Para a WIC, eles haviam contribuído
decisivamente para a morte do almirante-general, ao não acorrerem em seu
socorro, pois o navio-capitânia incendiou-se durante muito tempo antes
de afundar. A sentença foi cumprida no Recife. O almirante Maerten
Thyssen, em reconhecimento às suas ações durante a batalha, recebeu um
assento no Conselho Político da Companhia em Pernambuco.
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"A guerra do açúcar: as invasões holandesas no Brasil"
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