Com o avanço do grande conflito, aos poucos foram cessando os sons
patrióticos, e o entusiasmo rapidamente deu lugar ao horror das
trincheiras. O clamor da música heroica deu lugar ao lamento pelos
caídos em batalha.
Por Klaus Gehrke
Quer em Berlim ou Viena, quer em Paris ou Londres – em quase toda a
Europa a mobilização das Forças Armadas, no final de julho de 1914,
despertou uma onda de aprovação. Com entusiasmo, jovens se alistavam
voluntariamente para servir na guerra, na esperança de que, após um
breve período no front, regressariam como heróis, com uma medalha no
peito. Mas a realidade nos campos de batalha era outra.
Primeiras dúvidas
Enquanto nas cidades, bem longe da frente de batalha, os sons
heroicos dominavam nas salas de concerto, já a partir do fim de 1914
alguns membros do clã de compositores começaram a questionar a
legitimidade da guerra, tão propagada pelo governo.
Claude Debussy (1862-1918), fervoroso patriota francês, escrevia em
1916: "A guerra continua – não dá para entender. Quando é que o ódio vai
finalmente acabar? É sequer preciso falar de ódio, neste processo
histórico? Quando vai se deixar de confiar o destino dos povos a uma
gente que enxerga a humanidade como meio de ascensão?"
Com sua canção
Noël des enfants qui n'ont plus de maison
(Natal das crianças que não têm mais lar), Debussy escreveu uma das
primeiras obras impactantes sobre os cruéis efeitos da guerra.
Um monumento musical
Quando mais a luta durava, mais os músicos tratavam da morte em suas
composições, e pranteavam a perda de amigos próximos. Uma das peças mais
conhecidas dessa categoria é a suíte para piano de Maurice Ravel
(1875-1937)
Le tombeau de Couperin, composta entre 1917 e 1919 e posteriormente transcrita por Ravel para orquestra.
Tombeau é uma forma musical barroca com que compositores
homenageavam seus colegas falecidos. Ravel dedica sua obra ao
clavecinista francês François Couperin (1668-1733). Como os seis
movimentos foram sendo compostos sucessivamente durante a Primeira
Guerra, logo a suíte se transformou num outro tipo de homenagem fúnebre:
cada peça traz uma dedicatória para um amigo do compositor, caído em
batalha.
Porém Ravel não foi o único músico a expressar luto através da música de
piano, durante o grande conflito: o britânico Frank Bridge (1879-1941),
por exemplo, escreveu uma sonata para seu colega Ernest Farrar, morto
em 1918.
Réquiem para todas as vítimas da guerra
Em 1915, o também organista Max Reger começou a compor um Requiem "em homenagem aos soldados alemães caídos", mas a obra permaneceria incompleta.
O mesmo ocorreu com um Oratorium gegen den Krieg (Oratório
contra a guerra), iniciado por Hanns Eisler (1898-1962) no ano seguinte,
quando prestava o serviço militar. Esse compositor alemão, que cresceu
num lar social-democrata e depois se filiou ao Partido Comunista, foi um
dos colaboradores musicais de Bertolt Brecht. Do célebre dramaturgo é o
texto da canção
Epitaph auf einen in der Flandernschlacht Gefallenen
(Epitáfio para um soldado caído na Batalha de Flandres).
Somente anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, o inglês Ralph
Vaughan Williams (1872-1958) iria elaborar suas experiências nos campos
de batalha franceses. Sua terceira sinfonia, intitulada
Pastoral Symphony
, data de 1922.
E mais de um quarto de século antes de Benjamin Britten (1913-1976) escrever seu aclamado War Requiem, que reflete o horror da Segunda Guerra, seu compatriota John Foulds (1880-1939), hoje praticamente esquecido, apresentou, com A World Requiem, uma denúncia comovente contra a matança sem sentido entre 1914 e 1918.
Parábola sobre a sedução do poder
Ao contrário de muitos de seus colegas, que, com maior ou menor
entusiasmo patriótico, serviram ao czar nos campos de guerra, em seu
exílio na Suíça o russo (mais tarde naturalizado francês e americano)
Igor Stravinsky (1882-1971) foi poupado de tais missões fatais.
Porém até ele se ocupou do tema da guerra em 1918: "L'histoire du soldat
foi minha única obra cênica com implicações atuais", diria o compositor em 1962. O protagonista dessa "história do soldado" baseada num conto folclórico
russo tenta enganar o diabo, mas termina derrotado por ele.
Potencializado pela música stravinskiana, o vivaz texto de C.F. Ramuz se
transformou numa parábola impressionante sobre a sedução do poder.
Quanto a obra de Stravinsky estreou em 28 de setembro de 1918 em
Lausanne, a Primeira Guerra Mundial estava a apenas algumas semanas de
seu fim. Seus efeitos no processo criativo de muitos compositores, no
entanto, permaneceram durante muito tempo.
Fonte: DW
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