Divisão
entre franceses e britânicos de territórios do antigo Império Otomano firmada
há cem anos, durante a Primeira Guerra Mundial, gerou tensões e conflitos que
só se agravaram com a passagem das décadas.
Por
Kersten Knipp
Há cem anos, em 16 de maio de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, a
França e o Reino Unido partilharam entre si vastas áreas do Império Otomano, já
antecipando a própria vitória e sem qualquer consulta aos habitantes da região.
O tratado secreto dessa partilha ficou conhecido como Sykes-Picot, em alusão
aos diplomatas que o negociaram, o inglês Mark Sykes e o francês François
Georges-Picot.
Aos
franceses caberia um território do sudeste da atual Turquia até o Líbano, passando
pelo norte do Iraque e pela Síria. Os britânicos regeriam o sul e o centro do
Iraque. As terras contidas entre esses dois territórios – englobando a atual
Síria, a Jordânia, o Iraque ocidental e o nordeste da Península Árabe – seriam
um reino árabe sob mandato anglo-francês.
Também
a Alemanha desempenhou um papel pouco louvável nessa negociata. Aliada do
Império Otomano, ela queria enfraquecer por meios militares os seus inimigos na
Primeira Guerra. Juntamente com o califa de Istambul, autoridade religiosa
suprema dos sunitas, os alemães conclamaram os árabes à jihad, a "guerra
santa" contra os britânicos.
Mark Sykes, Georges-Picot e o mapa original que definiu o tratado
Estes,
em contrapartida, selaram uma aliança com o xerife Hussein bin Ali, segunda
maior autoridade religiosa depois do califa, na qualidade de guardião das
cidades sagradas de Meca e Medina, na atual Arábia Saudita.
Domínio
anglo-francês sob fachada árabe
Em
outubro de 1915, Henry McMahon, alto comissário da Grã-Bretanha no Egito, fez
uma oferta sedutora ao xarife Hussein: se os árabes apoiassem seu país, este os
ajudaria a fundar seu próprio reino. "A Grã-Bretanha está pronta a
reconhecer e apoiar a independência dos árabes dentro dos territórios nos
limites e fronteiras propostos pelo xerife de Meca", declarava McMahon
numa carta.
A
aliança foi firmada. O líder dos árabes era o filho do xerife, Faissal bin
Hussein. Apoiado pelo agente britânico Thomas Edward Lawrence – conhecido como
"Lawrence da Arábia" – ele conseguiu forçar a retirada dos otomanos.
Após
o fim da Primeira Guerra, a nova ordem geopolítica no Oriente Médio foi
negociada na Conferência de Paz de Paris, em 1919. Engajado pela causa árabe,
Faissal comentaria: "Estou confiante de que as grandes potências colocarão
o bem-estar do povo árabe acima de seus próprios interesses materiais."
No
entanto, ele se enganava. A França e a Grã-Bretanha se aferraram à divisão
territorial já acordada: deveria haver Estados árabes, sim, mas sob influência
anglo-francesa. Como
comentou o então ministro do Exterior britânico, George Curzon, a questão era
ocultar os interesses econômicos de seu país atrás de uma "fachada
árabe", "governada e administrada sob direção britânica, controlada
por um maometano nato e, se possível, por uma equipe árabe".
Os domínios e as fronteiras no Oriente Médio definidos pelo Tratado Sykes-Picot
Novos
Estados, futuros conflitos
A
importância dos pactos firmados durante a Conferência de Paris foi abrangente e
de longo alcance. Além de resultar na fundação da Síria e do Iraque, um mandato
da Liga das Nações ratificado em 1923 confirmava a criação de um novo Estado, o
Líbano.
Outro
mandato previa "o estabelecimento de um Lar Nacional para o povo judaico
na Palestina", base para o futuro Estado de Israel. Em Paris, Faiçal
declarara: "Eu asseguro que nós, árabes, não guardamos qualquer
ressentimento étnico ou religioso contra os judeus, como o que infelizmente
predomina em outras partes do mundo." Contudo, essa boa vontade logo
fracassaria diante de uma realidade cruel.
Também
em 1923, a Grã-Bretanha separou a Transjordânia da Palestina, criando as bases
para a atual Jordânia. Já em 1899 os ingleses haviam transformado o Kuwait em
seu protetorado. Após o fim da Primeira Guerra, o declararam "emirado
independente sob proteção britânica".
Reflexos
atuais
O
resultado final de tais reviravoltas geopolíticas na região foi a série de
guerras e conflitos que perdura até hoje: a crescente tensão entre israelenses
e palestinos, ocasionalmente explodindo em guerras; a guerra civil libanesa de
1975 a 1990; a Guerra do Golfo; os choques, igualmente com características
bélicas, nos territórios curdos da Turquia e do Iraque, mais tarde também na
Síria.
Tudo
isso culminou na fatal invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. A má
gestão que se seguiu endureceu os fronts de caráter religioso, redundando no
nascimento da organização terrorista "Estado Islâmico" (EI). Além de
ocupar territórios iraquianos, o EI se alastrou para a Síria, dilacerada pela
guerra civil.
A
rigor, nem todos esses desdobramentos remontam exclusivamente à divisão do
Oriente Médio no início da década de 1920. No entanto, nessa época foi lançado
o fundamento de uma nova ordem regional que se mostrou solo fértil para tensões
geopolíticas, revoltas e guerras.
Fonte:
DW
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