"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



sábado, 27 de fevereiro de 2021

DERROTA EM 1941 LEVOU A URSS A TENTAR SUPERAR A LUFTWAFFE

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Correção de deficiências levou vários anos e demandou grandes esforços.

Por Alexandr Verchínin


Não era fácil alcançar a Luftwaffe (força área alemã) no que se referia à qualidade da engenharia aeronáutica. Em 1942, em consequência das derrotas sofridas no período inicial da guerra pela União Soviética, os designers do Exército Vermelho modernizaram os aviões que se encontravam a serviço da Força Aérea soviética e conseguiram resolver a questão dos motores deficientes, principal problema técnico dessa aviação.

Os caças Iak (Iakovlev) soviéticos se igualaram aos caças alemães em termos de velocidade. No entanto, as primeiras batalhas no céu de Stalingrado evidenciaram que era cedo para comemorar. Mais uma vez os novos caças alemães deixaram para trás os pilotos soviéticos. Em vários aspectos, os últimos modelos das aeronaves alemãs Messerschmitt trouxeram de volta a situação de 1941.

O atraso técnico poderia ser compensado pela superioridade numérica. De acordo com a avaliação de especialistas soviéticos, para cada avião alemão eram necessários dois russos. A resposta a essa avaliação foi um aumento acentuado da fabricação de caças, inclusive em detrimento de outros tipos de aeronaves militares, como aviões de ataque e bombardeiros.

As dificuldades da aviação soviética somente puderam ser contornadas no terceiro ano de guerra, quando novas aeronaves foram colocadas em operação. Os caças Iak-3 e La-7 (Lavochkin) não só não eram inferiores, como até superavam as aeronaves alemãs. Apesar disso, o processo de modernização caminhava com dificuldade: as falhas de projeto persistiam e resultavam em altos índices de acidentes. No final da guerra, mais de 15% da frota de aviões soviética estava danificada. Mas, por meio de tentativas e erros, o problema do atraso qualitativo da Força Aérea do Exército Vermelho em relação à Luftwaffe foi finalmente resolvido.


Da quantidade para a qualidade

Geralmente, a vitória em um combate aéreo não é alcançada simplesmente em função da superioridade numérica. No céu, é difícil esmagar o inimigo valendo-se apenas de uma quantidade maior de aeronaves. Em um contexto onde existam diferenças qualitativas entre as Forças Aéreas inimigas, um caça mais moderno, manobrando e fugindo da perseguição, pode facilmente destruir várias aeronaves no decorrer de uma única batalha.

Essa é justamente a explicação para o fato de que a Força Aérea soviética, tendo múltipla superioridade numérica em quase todas as grandes batalhas da Segunda Guerra Mundial, frequentemente sofria derrotas. O comando soviético rapidamente tomou consciência dessa realidade e delineou os caminhos para sair do impasse. A gestão da aviação passou por uma reorganização. Os aviões foram reunidos em diferentes divisões do exército, que eram ligadas a divisões terrestres e às frentes de batalha, seguindo sua subordinação.

O Iak-3 se igualava aos caças alemães em termos de velocidade

A Força Aérea passou a interagir de forma mais coesa com as unidades terrestres e a solucionar problemas comuns. Ao mesmo tempo, desenvolvia-se no exército russo a comunicação por rádio entre as esquadrilhas e os aviões isolados. Anteriormente, os pilotos eram obrigados a combinar em terra as suas ações de combate integradas. Porém, no ar, quase sempre era preciso improvisar, o que rompia todas as estruturas táticas. Enquanto isso, os pilotos alemães se orientavam rapidamente, comunicando-se uns com os outros pelo rádio. A partir dos anos de 1942 e 1943, os pilotos soviéticos começaram a se comunicar no ar e o resultado não demorou a chegar. As perdas da Luftwaffe durante o verão e o outono de 1942 ultrapassaram 7.000 aeronaves, o que equivalia a mais de 70% de suas perdas totais no período citado.


A conquista do céu

Os combates realizados no céu da região da bacia do rio Volga e da cidade de Kursk ocorreram com variados graus de sucesso para a Força Aérea soviética. Estava em andamento um árduo processo de aperfeiçoamento da tecnologia de combate aéreo, de ajuste da comunicação e de interação no interior das esquadrilhas. Os designers prestaram uma grande ajuda: em 1943, os aviões começaram a ser equipados com novos rádios, que também funcionavam como radares. 

A indústria da aviação atingiu índices máximos de produtividade: o número de aeronaves produzidas excedia em três vezes as perdas ocorridas em combate. Em 1944, a supremacia da aviação de caça soviética tornou-se esmagadora. Como resultado, os alemães foram forçados a tomar medidas desesperadas: reduzir significativamente as tripulações da aviação de bombardeio e, à custa disso, reforçar as esquadrilhas de caças.

Aeronaves fornecidas pelos Aliados no sistema lend-lease, como os P-39 Airacobra, ajudaram os soviéticos a equilibrar o cenário da guerra no ar

Os aliados ocidentais prestaram uma ajuda significativa para a Força Aérea soviética. O fornecimento de caças americanos e britânicos por meio do sistema Lend-Lease (programa através do qual os Estados Unidos forneceram, por empréstimo, armas e outros suprimentos às nações aliadas entre 1941 e 1945) representou 13% do número total de aeronaves utilizadas pela União Soviética. Entre elas estavam os famosos aviões Airacobra e Kingcobra. Foi precisamente em um Airacobra que voou Aleksandr Pokrishkin, o ás da aviação soviética que abateu 65 aviões alemães. O trabalho duro e a ajuda dos aliados foram recompensados: no final de 1944, a supremacia da Força Aérea do Exército Vermelho tornou-se completa, e foi constituída a base para a criação de uma das Forças Aéreas mais avançadas do mundo.

Fonte: Gazeta Russa



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

EXPOSIÇÃO EVOCA CÁNDIDO LÓPEZ, O PINTOR MANETA DA GUERRA DO PARAGUAI

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Um panorama das obras pertencentes ao acervo do Museu Histórico Nacional da Argentina está exposto a partir de hoje nas salas do Parque Lezama

Por Daniel Gigena
 
 
A partir de hoje, a exposição Panorama Cándido pode ser visitada pessoalmente, com a coleção completa de pinturas de Cándido López (1840-1902) pertencentes ao Museu Histórico Nacional (MHN) argentino. As imagens do artista de um braço só serão exibidas ao lado de objetos da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), na qual Argentina, Brasil e Uruguai lutaram contra o Paraguai. O MHN é o museu nacional com maior número de obras de López, o pintor tenente que perdeu a mão direita na sangrenta batalha de Curupaiti e reeducou a esquerda para representar episódios de guerra. O roteiro da exposição ficou a cargo da equipe do museu, que desde 2020 é dirigida pelo historiador, pesquisador e professor Gabriel Di Meglio.

"O trabalho de Cándido López pode ser abordado de diferentes lugares", disse Di Meglio. "Optamos por ordená-los de acordo com as descrições que ele fez: os acampamentos militares, os movimentos de tropas, as batalhas, os momentos de lazer dos soldados e, por fim, um muro com várias obras”. O diretor do museu destaca que a exposição foi pensada para valorizar a obra do artista a partir do momento histórico em que ele foi protagonista.

Panorama Cándido procura contextualizar o pintor, explora as histórias de oficiais e soldados, o papel desempenhado pelas mulheres, as razões dos adversários da guerra e os estragos que esta deixou na sua esteira. Por outro lado, destaca Di Meglio, “a Guerra da Tríplice Aliança foi a primeira guerra fotografada na América do Sul”; A exposição inclui diversos retratos de soldados e cenas da queda de Humaitá, a maior fortaleza paraguaia. 
 
Em 1862, Cándido López posa com um quadro de Bartolomé Mitre, em Mercedes 
 

Anos depois do fim da guerra, em 1885, Cándido López expôs vinte e nove pinturas a óleo no Clube Gimnasia y Esgrima, com grande sucesso. “Embora muitas pessoas não achem interessante do ponto de vista artístico”, diz Di Meglio. A obra foi muito apreciada pelo próprio Bartolomé Mitre, com quem se correspondeu o pintor e ex-soldado de armas. “Suas pinturas são verdadeiros documentos históricos por sua fidelidade gráfica e contribuirão para preservar a memória gloriosa dos eventos que representam”, escreveu Mitre.

O Estado argentino comprou toda a obra do "maneta de Curupaiti" (que estava na pobreza) e, após sua morte, a família López doou algumas outras. “Essa compra era muito rara na época e até hoje”, diz o diretor do MHN. São quatro pinturas de López no Museu e Biblioteca Casa del Acordo em San Nicolás, de onde partiu com o Batalhão de Voluntários nº 17, no Museu Nacional de Belas Artes (além de esboços e desenhos) e trinta e duas no MHN. 
 
"Desembarque do Exército Argentino em frente às trincheiras de Curuzú, em 12 de setembro de 1866" 
 

O MHN possui o maior acervo do artista e a exposição é voltada para mostrá-lo na íntegra: trinta e duas pinturas dedicadas a episódios da Guerra da Tríplice Aliança. Existem batalhas, movimentos de soldados e outras cenas. O trabalho é magnífico e ver tudo junto é impressionante”, afirma Di Meglio. Além das pinturas a óleo nos tamanhos habituais de López (paisagem e 40 x 105 cm, aproximadamente), será exibida uma excepcionalmente grande, onde está representada a Batalha do Boquerón, da qual também participou. A intenção do artista era narrar a guerra por meio de noventa pinturas de batalha; ele fez cinquenta e oito. Nas contas do museu no Facebook, Twitter e Instagram, os fãs da arte argentina são convidados a apreciar as obras do Panorama Cándido.

Na exposição é possível ver parte do acervo de objetos ligados à guerra, que muitos ex-combatentes ou seus familiares doaram ao MHN. “Por isso decidimos contextualizar o trabalho de López, que trata da guerra, com informações sobre o conflito e objetos muito interessantes, como as armas utilizadas, desde sabres a morteiros para lançar sinais; um baú que pertencia a Eliza Lynch, esposa do presidente paraguaio Francisco Solano López; a cocar paraguaia com que Solano López condecorou as paraguaias que arrecadaram dinheiro; a espada do coronel Manuel Rosetti (que morreu no conflito), e outros objetos dos exércitos que intervieram na guerra”. Há também um setor dedicado aos líderes da guerra, outro aos que se opuseram ao conflito (como Juan Bautista Alberdi, Olegario Andrade e Carlos Guido y Spano).
 
"Acampamento em 16 de novembro de 1865. Passagem do rio Batel, província de Corrientes
 

O público verá a obra de Cándido López e poderá conhecer a guerra em que lutou”, resume o diretor do museu. Sua vida está ligada a essa guerra. Foi um jovem artista que fez daguerreótipos nas cidades da província de Buenos Aires e se alistou como voluntário quando o Paraguai invadiu a província de Corrientes”. Após a aquisição de suas pinturas a óleo pelo Estado, ele se tornou o único cronista visual da guerra. 

Fonte: La Nacion
 
 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: ATIRADORES TIRANIZADOS

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Quase 200.000 soldados da África Subsaariana foram enviados para o front pela França, que então os esqueceu.

 

Por Maria Malagardis

 “Vocês, chocolates negros africanos, são naturalmente os mais bravos entre os bravos. Grata, a França admira vocês”, explica o capitão Armand às suas tropas africanas, em Brotherhood of Soul, o último romance de David Diop, que conta o destino de um fuzileiro senegalês enviado durante a Primeira Guerra para a fornalha de um campo de batalha. Publicado em 2018, esperada por Goncourt e Renaudot, este soberbo romance não obteve qualquer atenção. Que pena, o símbolo seria forte. Neste ano de comemoração, como não recordar o papel decisivo das tropas africanas no desfecho desta guerra assassina? Como podemos esquecer o quão populares eles eram?

No entanto, várias gerações de crianças francesas tomaram o seu café da manhã perante a imagem - folclórica e certamente não muito gratificante - do tirailleur (atirador) senegalês exposta nas caixas de Banania, chocolate em pó comercializado desde 1914.

Estampa na lata de Banania, popular chocolate em pó comercializado na França, mostrando um atirador senegalês: visão folclórica e pouco gratificante.
 

Conquista

Essa popularidade muitas vezes exótica não durou muito. E a "pátria grata" provará ser muito ingrata, congelando pensões de 1959, sujeitando essas tropas do Império Francês a condições de vida degradantes, muitas vezes recrutadas em todo o continente africano. Porque os famosos "atiradores senegaleses" não eram todos senegaleses. Devem o seu nome ao organismo criado em 1857 pelo governador do Senegal, Louis Faidherbe.

Por muito tempo, esses soldados foram os responsáveis pelo apoio às conquistas coloniais, até que a Primeira Guerra Mundial os impeliu para a frente. Quase 200.000 soldados da África subsaariana, aos quais se somam 40.000 malgaxes e 270.000 norte-africanos, foram, assim, de boa vontade e frequentemente à força, enviados para o campo de batalha. As perdas foram estimadas em 28.000 homens e 22% dos que foram enviados para Chemin des Dames se perderam. Outros morreram de doenças, mesmo na viagem de volta, como os 192 atiradores que naufragaram amontoados abominavelmente no transatlântico Africa, em 12 de janeiro de 1920.

 

Massacre

Em 2018 ano, os heróis negros não foram esquecidos. O presidente Macron esteve em Rheims para inaugurar o Monumento aos Heróis do Exército Negro, ou melhor, sua reinauguração: erguido em 1924, esse bloco de granito de quatro metros de altura, representando quatro atiradores senegaleses em torno de um oficial branco - afinal - fora destruído em 1940 pelos nazistas. “Eles vieram aqui para derramar sangue sob a neve na sua região”, lembrou o presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, convidado para a cerimônia em Rheims. “Para nós, este monumento é mais do que um símbolo. É uma luta. Demorou um século para conseguir isso”, sublinha o escritor de origem congolesa Alain Mabanckou. 

 

Atiradores senegaleses a serviço da França durante a Primeira Guerra Mundial

 

A memória finalmente ressurge. É preciso lembrar que essa guerra também aconteceu na África, onde a Alemanha perdeu suas colônias. Este continente e os seus habitantes participarão de forma decisiva na guerra que se seguirá e verá, por algum tempo, Brazzaville no Congo tornar-se a capital da "França livre".

Isso não impediu que soldados negros fossem massacrados em Thiaroye, Senegal, em 1944, quando apenas reivindicavam suas pensões. Não foi até 2010 que eles foram reavaliados para o mesmo nível dos veteranos brancos. O último fuzileiro senegalês não teria vivido este momento: morreu em 1998, na véspera de receber a Legião de Honra. Ele era senegalês e seu nome era Abdoulaye Ndiaye.

 Monumento aos Heróis do Exército Negro em Rheims. Homenagem tardia. 

 Fonte: Libération


domingo, 14 de fevereiro de 2021

RÚSSIA E FRANÇA ENTERRAM SEUS SOLDADOS 200 ANOS APÓS DERROTA DE NAPOLEÃO

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Os restos dos soldados russos e franceses que morreram durante a retirada da Rússia em 1812 foram enterrados neste sábado (13) perto do campo de batalha de Viazma, em um momento incomum de unidade entre ambos os países no ano do bicentenário da morte de Napoleão.


Sob a neve e a uma temperatura de -15 graus, os 126 restos distribuídos em oito caixões, cobertos com as bandeiras dos dois países, foram enterrados ao som de uma saudação de canhão na presença de cerca de cem figurantes em trajes de época, e dos descendentes de grandes chefes militares russos e franceses da época.


Os corpos foram encontrados em uma fossa comum entre Smolensk e Moscou

Esses 120 soldados, três prováveis mulheres que acompanhavam seus maridos nas campanhas militares e três adolescentes - provavelmente tamborileiros - morreram durante ou por causa da batalha de Viazma em 3 de novembro de 1812, duas semanas após o começo da retirada que foi concluída pouco depois de forma trágica, com múltiplas perdas durante a travessia do rio Berezina.

Os restos mortais dos soldados durante preparação para o funeral

A cerimônia deste sábado em Viazma, cerca de 200 km ao oeste de Moscou, reflete um momento de unidade em meio às relações tensas entre a Rússia e o Ocidente em diversas questões.

"A morte coloca todos em pé de igualdade: todos estão no mesmo túmulo", afirmou Yulia Khitrovo, de 74 anos, tataraneta do general-chefe do czar, Mikhail Kutuzov. "Me emociona muito estar presente nesta cerimônia, símbolo do respeito mútuo das partes", declarou o príncipe Joachim Murat, tataraneto do famoso marechal de Napoleão, presente no enterro.

Pierre Malinowski, presidente da Fundação para o Desenvolvimento de Iniciativas Históricas franco-russas, promotor do evento, agradeceu a presença desses "descendentes diretos dos principais atores do conflito" que juntos homenageiam esses soldados, "dirigidos por seus antepassados".

Os restos foram desenterrados em 2019 por uma equipe de arqueólogos russos e franceses, ao sudoeste de Viazma, uma cidade de 52.000 habitantes. Cerca de dez anos antes, uma escavadeira os encontrou durante algumas obras.

Bateria histórica francesa realizando salva fúnebre durante a cerimônia

Os admiradores da história acreditaram que era uma das muitas fossas comuns da Segunda Guerra Mundial, mas uma análise de especialistas da Academia de Ciências russa concluiu que se tratava de vítimas da campanha de Napoleão, muitas entre 30 e 39 anos, explicou a antropóloga Tatiana Chvedchikova.

A campanha da Rússia deixou centenas de milhares de mortos.

Fonte: AFP 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

MORRE O TENENTE-CORONEL MARCELINO DA MATA, UM DOS MAIORES HERÓIS DE PORTUGAL

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Morreu hoje o tenente-coronel Marcelino da Mata, vítima de Covid-19. Era um dos militares da guerra colonial mais condecorados, um dos maiores heróis de Portugal. Tinha 80 anos.


Marcelino da Mata, natural da Guiné-Bissau, tinha 80 anos e foi um dos fundadores da tropa de elite "Comandos", sendo conhecido nos meios militares como um dos mais "bravos e heroicos" combatentes portugueses, especificamente nas então colônias ultramarinas.

Após a Revolução de 25 de Abril e do fim da Guerra Colonial, foi proibido de voltar à sua terra natal, e viu-se obrigado ao exílio, na Espanha, até o contra-golpe do 25 de Novembro, que terminou com o processo revolucionário lusitano.

Foi o militar mais condecorado do Exército Português, recebendo, em 1969, o grau de Cavaleiro da "Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito", após ter sido sucessivamente promovido, desde soldado até o posto de major.

Entre as mais de 2.000 missões de combate em que participou, naquele que é considerado dos teatros de operações mais difíceis da Guerra Colonial, contam-se as emblemáticas: Operação Tridente, o resgate de mais de uma centena de militares portugueses no Senegal, e a Operação Mar Verde.

Marcelino Mata reformou-se em 1980, e foi ainda promovido a tenente-coronel, em 1994.

O Major Marcelino, condecorado por seu desempenho na África

Nascido em 7 de maio de 1940, foi acidentalmente incorporado no lugar de seu irmão, no Centro de Instrução Militar de Bolama, em 3 de janeiro de 1960, oferecendo-se como voluntário após cumprir o primeiro engajamento. Integrou e foi um dos fundadores da tropa de operações especiais COMANDOS, na antiga Guiné Portuguesa, tendo realizado operações no Senegal e na Guiné Conacri.

Apesar de ter sido ferido várias vezes em combate, precisou ser evacuado da Guiné apenas após ter sido alvejado acidentalmente por um companheiro. Após a independência da Guiné, foi proibido de entrar em sua terra natal.

Em 1975, no contexto do movimento revolucionário em curso, foi detido em Lisboa, e sujeito a torturas e flagelações.


O Major Marcelino e suas condecorações. Um herói português.

No decurso das perseguições de que foi alvo no ano de 1975, conseguiu fugir para Espanha, de onde regressou após o 25 de Novembro, participando ativamente na reconstrução democrática e no restabelecimento da ordem militar interna, agindo sempre com elevada longanimidade para com os seus opressores.

Fonte: Diário de Notícias


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

DA GUERRA FRIA À PAZ QUENTE

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Por que alguns ainda têm saudade da estabilidade da Guerra Fria ?

Por Héctor Schamis
 
Com o muro de Berlim derrubado, a anulação do Pacto de Varsóvia e a dissolução da União Soviética puseram fim à Guerra Fria. O fim do comunismo, a unificação alemã, e até o divórcio – de veludo – da Checoslováquia, ocorreram sem um só tiro. Desse modo, os anos 1990 estiveram marcados por um otimismo generalizado, na Europa e outros lugares. E a expansão territorial do capitalismo democrático foi um convite aberto a proclamar a obsolescência da própria guerra.

A literatura compareceu para apoiar esse otimismo. A noção de "paz democrática" se tornou popular entre os especialistas em relações internacionais. A difusão dos mecanismos de mercado incrementaria esse comércio, impedindo o conflito por meio da cooperação econômica. E as instituições da democracia favoreceriam mecanismos pacíficos de resolução de conflitos. A evidência empírica, por sua vez, parecia confirmar essa lógica: as guerras não ocorrem entre democracias.

Mas ao mesmo tempo uma leitura distinta sobre a ordem internacional emergente partiu daqueles que vaticinaram que "logo sentiremos saudade da Guerra Fria", nas palavras de John Mearsheimer. Esse pessimismo estava fincado no fato de que a bipolaridade – com seu relativo equilíbrio militar, suas respectivas alianças e seus arranjos institucionais– havia tido um consistente efeito dissuasivo. Paradoxalmente, a Guerra Fria foi um período de estabilidade; na realidade, meio século de uma paz que a Europa não tinha conhecido desde a paz de Vestfália (tratados que encerraram a Guerra dos Trinta Anos), em 1648.

Um quarto de século depois, os eventos nos obrigam a recordar esses debates e, sobretudo, a refletir sobre aqueles prognósticos pessimistas. Foi a capitulação soviética que encerrou a Guerra Fria, para pôr tudo em uma frase. Mas uma potência humilhada é sempre uma receita perigosa, os realistas lembraram na época, e boa parte disso está em jogo nesta crise de hoje. A ordem internacional da multipolaridade é consequentemente instável e altamente imprevisível.

Além do mais, coincide hoje com uma diminuição líquida do poder do Estado na Europa, mas também na outra margem do Atlântico. A crise e o desemprego na União Europeia falam por si mesmos. O apogeu russo é temporário, não esconde que sua economia não é maior do que a da Itália, e com um orçamento financiado quase exclusivamente pelo gás e o petróleo; seu poder não é estrutural, durará o que durar o boom energético. E os Estados Unidos continuam mergulhados no dilema de contar com o aparato militar mais formidável do planeta, mas sem os recursos fiscais suficientes para que seu uso não arraste o país a outra "Grande Recessão", como em 2008.

O ataque ao voo MH-17 da Malaysian Airlines por um ator não estatal revela a "apolaridade" existente na geopolítica atual


Assim, a multipolaridade dos 90 deu lugar hoje à "apolaridade". O sistema internacional não tem centro algum. É pura anarquia, seguindo a linguagem do realismo. É um sistema também baseado na exacerbação da xenofobia e um nacionalismo que propõe delinear novas fronteiras, e não unicamente na Rússia. Com menos ruído e sem balas, o separatismo ucraniano não deixa de ter paralelos na Catalunha e na Escócia, para citar exemplos. É que a apolaridade sistêmica e a crise econômica alimentam também a fragmentação interna do estado, uma liquefação do poder que habilita e dá protagonismo a atores subestatais, paraestatais e não estatais.

Essa é a perversidade adicional do ataque terrorista ao MH-017. Perpetrado por um ator não estatal, provavelmente um subcontratado do Estado russo, permite a este – ou ao menos permite que este tente – blindar-se de sua responsabilidade perante a comunidade internacional. Novamente, outro sinal da liquefação do poder, por meio da qual atores privados têm acesso a um sofisticado armamento, seja por se apoderarem de porções desse aparato estatal ou porque o Estado lhes concede deliberada e voluntariamente.

E enquanto vemos os Estados perderem poder, quase nos esquecemos de um particular Estado que entendeu essa dinâmica melhor do que ninguém, e que a usa precisamente para aumentar o próprio poder. Aí vai Xi Jinping pela América Latina, de fato, assinando acordos de investimento, assegurando-se do acesso às matérias-primas e, segundo alguns, tentando reformular a própria estrutura de comércio e o crédito internacionais. Tão deslumbrados estão todos com os recursos – e as promessas! – chinesas, que ninguém parece levar em consideração que em 4 de junho o massacre da praça Tiananmen completou 25 anos.

O mundo do pós-Guerra Fria oferecia uma promessa: liberdade, democracia e direitos humanos, promessa que não foi cumprida nesta anarquia do século XXI, nesta paz quente. Pelo menos no século anterior sabíamos bem quem eram os violadores de direitos humanos e não nos calávamos diante desses crimes. Aí talvez haja outro motivo para sentir nostalgia da Guerra Fria.

Fonte: El País

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