"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



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segunda-feira, 18 de abril de 2022

T-55: O “BURRO DE CARGA” DOS CONFLITOS LOCAIS DO SÉCULO XX

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Se alguém pudesse sintetizar a imagem dos tanques soviéticos, é provável que fosse a de um T-55. O motivo é simples: esse veículo de combate foi utilizado por exércitos de 70 países e teve 24.000 unidades produzidas. Longe de ser ideal ou superior aos tanques da OTAN, ajudou a vencer qualquer inimigo na maioria dos conflitos da segunda metade do século XX.


Por Aleksandr Korolkov


Apesar da corrida armamentista entre os anteriores aliados antinazistas, que procuravam sair vitoriosos em cada classe de armamento, a União Soviética não conseguiu colocar em serviço no Exército o novo tanque T-54 antes do final dos anos 1940. Mas o país não poderia deixar de responder aos tanques inimigos M-48 Patton III, norte-americano, e o inglês Centurion, bem como o aparecimento em 1959 do tanque M-60.

Esses veículos de combate se tornaram um grande desafio para a escola soviética de construtores de tanques. Os trabalhos de criação de um veículo de combate blindado sobre a base do T-54 B foram iniciadas somente em 1957, com o codinome “Obiekt 155”, e envolveram todos os progressos alcançados durante a modernização do T-54.

Entre o final de 1957 e início de 1958, os tanques passaram por testes, até que, em 8 de maio daquele ano, o Obiekt 155 foi adotado pelo Estado-Maior do Exército soviético sob a sigla T-55. A principal melhoria frente ao T-54 foi a instalação de um sistema completo de defesa nuclear. O armamento principal era o mesmo, assim como a blindagem. Mas o tanque foi rebaixado quase um metro e a metralhadora coaxial, assim como o canhão, recebeu estabilizador em dois planos.


T-55 sírio 



Fiasco inicial

O T-55 encontrou em combate seu adversário inglês Centurion durante os conflitos árabe-israelenses. O tanque soviético se mostrou superior em desempenho dinâmico, mas era inferior em termos de eficácia de armas. O veículo inglês era equipado com um canhão L7 de 105 mm, de altas precisão balística, o que proporcionava aos israelenses tiros de maior precisão e penetração à longa distância – essencial em batalhas no deserto.

As guerras no Oriente Médio também revelaram outra característica dos tanques soviéticos: a deficiência de proteção adequada do chassi, tendo em vista que qualquer perfuração na blindagem ocasionava a explosão do veículo.

Foi durante a Guerra dos Seis Dias que ocorreu o primeiro grande embate entre o Centurion e os tanques soviéticos. O lado israelense saiu vitorioso: 20 Centurions israelenses destruíram 32 T-54 e T-55 egípcios na área de Bir Lahfan. No entanto, pouco tempo depois, os egípcios repeliram três ataques da 7ª Brigada Blindada israelense e destruíram 17 tanques na batalha de El Arish.

Coluna de T-55 da Alemanha Oriental durante manobras do Pacto de Varsóvia


Ao fim do conflito, Israel havia perdido 122 tanques de vários modelos. Já o Egito, de 935 tanques e outros blindados, perdera 820, entre destruídos e capturados como troféus. O lado positivo disso? Dos 115 que restaram, 82 eram T-55.


Habilidade x tecnologia

Os tanques soviéticos enfrentaram um desafio ainda maior na Guerra do Yom Kippur. Em outubro de 1973, 1.200 tanques egípcios entraram em atrito contra 750 Centurions e Pattons israelenses, formando a maior batalha de tanques desde a Segunda Guerra Mundial.

Durante as escaramuças, os egípcios perderam 264 tanques e destruíram apenas 25 veículos de Israel. O canhão L7 atingia os blindados egípcios a uma distância maior, e Israel possuía superioridade aérea sobre o Sinai.

Após o fim das hostilidades, as tripulações israelenses notaram que o L7 era superior não somente aos D-10T2S de 100 mm dos T-55, mas também aos modernos U5-TC de 115 mm dos T-62. Perceberam também que os Centurions apresentavam maior inclinação máxima dos ângulos de tiro. No entanto, a guerra mostrou que a chave do sucesso israelense não foi a superioridade técnica, mas o melhor planejamento militar e a organização das manobras militares, o que era justamente o ponto fraco das forças egípcias.

T-55 norte-vietnamita combatendo em Hanói, no final da Guerra do Vietnã


A União Soviética utilizou o T-55 durante combates no Afeganistão entre os anos de 1979 e 1989. Enquanto os tanques mais modernos eram alocados nas Divisões Ocidentais, as fronteiras ao sul eram guardadas pelos T-55 e T-62 mais antigos.

No Afeganistão, os T-55 foram usados em unidades menores com a função de proporcionar maior poder de fogo à infantaria mecanizada e às tropas paraquedistas, bem como na segurança de postos avançados e de comunicação. Para essas tarefas, o blindado serviu como elemento de fogo manobrável e de longo alcance. 

Fonte: Gazeta Russa (Transcrição)


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

IMAGEM DO DIA - 19/11/2018

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Batalhão de pára-quedistas 890 posando com Moshe Dayan e Ariel Sharon em 1955, após operação em Kuntila.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O ÚLTIMO SUSPIRO DO IMPÉRIO



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Para os britânicos, a crise do canal de Suez não significou apenas a perda de um importante ponto estratégico no Oriente Médio; representou uma humilhante derrota e o fim de sua hegemonia, em declínio desde a 2ª Guerra Mundial.

Por Dominic Sandbrook

Às cinco horas de uma manhã de outono, grupos de aeronaves britânicas sobrevoavam a costa do Egito.  Depois que os caças da Marinha abriram caminho, tropas de paraquedistas saltaram, despencando 300 metros até a cidade de Port Said.  Em poucas horas, consolidavam a invasão do local.

No dia seguinte, começava a segunda fase da operação.  Enormes nuvens de fumaça negra subiam do porto egípcio, à medida que helicópteros britânicos rumavam para a praça central, onde uma estátua de Ferdinand de Lesseps, o arquiteto do Canal de Suez, permanecia intacta. À noite, a resistência local já havia sido esmagada e a estrada sul em direção ao canal liberada.

Os soldados agora se encaminhavam para o objetivo principal embarcados em blindados, bebendo uísque para se aquecerem na noite fria.  De repente, a 32 km da costa, alguém acenou.  Para completa surpresa da tropa, o comandante avisou que não poderiam mais prosseguir – os americanos impediam o avanço.

 Helicópteros britânicos a caminho de Port Said

Zona ocupada

As origens da crise de Suez, talvez a maior humilhação britânica nos tempos modernos, remontam à história do relacionamento anglo-egípcio.  O Egito ficou sob o domínio da Grã-Bretanha desde o fim do século XIX e, até o começo dos anos 1950, o país europeu mantinha guarnições na Zona do Canal de Suez, uma estreita faixa de pistas de decolagem e instalações ao lado da grande hidrovia artificial construída entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho.

Mas, em 1952, um golpe de estado derrubou o rei Farouk e o substituiu por um governo militar, chefiado pelo carismático coronel Gamal Abdel Nasser, que havia decidido se tornar a grande expressão do nacionalismo na região.  A ruptura com a Grã-Bretanha era, portanto, inevitável, uma vez que a autoafirmação egípcia estava destinada a colidir com os interesses estratégicos britânicos.

Em 1955, Nasser se recusou a participar do pacto anticomunista de Bagdá e fechou um acordo com a comunista Tchecoslováquia.  Com a Guerra Fria no auge, Grã-Bretanha e EUA decidiram que o líder egípcio era uma ameaça e, em julho de 1956, os dois países desistiriam de financiar o projeto de desenvolvimento da represa de Assuã, no rio Nilo.



Apenas uma semana depois, Nasser se vingou. No aniversário do golpe que o levou ao poder, ele fez um discurso diante de uma enorme multidão em Alexandria e anunciou a imediata nacionalização do Canal de Suez.  Seus proprietários, os acionistas franceses e britânicos, seriam compensados, mas o símbolo supremo do colonialismo europeu, a hidrovia crucial que levava petróleo do Oriente Médio ao Ocidente, ficaria em mãos egípcias.

O anúncio chocou o mundo, afetando Londres de forma mais aguda.  A Grã-Bretanha era a força dominante no Oriente Médio havia muito tempo.  Agora, ela era desafiada, e muita gente – no governo, na imprensa e na sociedade em geral – insistia para que o líder egípcio fosse impedido.

Anarquia e caos

A decisão cabia ao primeiro-ministro inglês Anthony Eden, um conservador que havia sido lugar-tenente de Winston Churchill durante a 2ª Guerra Mundial e que esperara durante anos a chance de sucedê-lo.  Eden havia, finalmente, assumido o governo em 1955 e vencido uma eleição geral, mas sua popularidade estava em queda.  Enfraquecido por uma série de doenças e cirurgias, tinha uma aparência frágil que contrastava com seu irascível vice, Rab Butler.

Muitos consideram que a maneira como Eden conduziu o caso foi equivocada.  Para começar, ele encarou o desafio de Nasser de forma pessoal.  Eu o quero destruído, está entendendo?”, perguntou a um de seus oficiais.  Não quero uma alternativa, nem quero saber se o Egito está em meio à anarquia e ao caos.”

 O primeiro-ministro britânico Anthony Eden falando à BBC

Convencido que aquela era a oportunidade de reforçar a posição mundial da Grã-Bretanha, em declínio desde a guerra, Eden ordenou a mobilização das forças armadas quando as negociações para resolver a disputa ainda não tinham acabado.  Mas em Washington, o governo de Dwight Eisenhower não estava propenso a embarcar na empreitada de seus antigos aliados – o presidente norte-americano iria tentar a reeleição em novembro e temia aborrecer seus eleitores.  Sem o apoio dos EUA, Eden foi bater em outra porta.

Em 22 de outubro, Eden convidou seu ministro das Relações Exteriores, Selwyn Lloyd, para um encontro secreto em Paris com seus colegas da França e de Israel. Lá, fecharam um acordo extraordinário: Israel invadiria o Egito e, logo em seguida, Grã-Bretanha e França dariam um ultimato para que os dois lados batessem em retirada e aceitassem a intervenção na Zona do Canal.  Quando Nasser recuasse – o que eles sabiam que aconteceria -, os dois aliados europeus atacariam. Parecia infalível, embora fosse eticamente questionável.

A operação pode ter entrado para a história como um fracasso por conta de seus resultados, mas do ponto de vista militar foi um triunfo.  O ataque israelense ocorreu exatamente como planejado: Grã-Bretanha e França deram o prometido ultimato e, em 5 de novembro, começou a invasão aliada do Egito.  Então, o que deu errado?  A resposta, bastante simples, é que os norte-americanos intervieram.

 O motivo da discórdia: Canal de Suez

A poucos dias da eleição presidencial, Eisenhower ficou furioso ao saber que Eden o enganara.  Mas a oportunidade para uma represália não tardou a surgir, graças ao fator econômico.  Com a libra esterlina sob forte pressão no mercado de câmbio e o bloqueio do Canal de Suez interrompendo o acesso ao petróleo do Oriente Médio, a situação da Grã-Bretanha era desesperadora.  Quando representantes do ministério da Fazenda britânico procuraram ajuda financeira em Washington, receberam uma resposta gelada.

Encarando a humilhação

E assim, o fim logo veio.  Eden teve de se submeter a Eisenhower e fazer um discurso humilhante na Câmara dos Comuns: “Seu rosto era cinza, com exceção das bordas negras que cercavam as brasas apagadas de seus olhos.  A personalidade parecia completamente ausente”, registrou um observador.  Duas semanas depois, exausto e alquebrado, o primeiro-ministro foi se recuperar na Jamaica. Ao voltar, sua saúde continuava em frangalhos e, assim, no dia 9 de janeiro de 1957, Eden renunciou ao cargo com a carreira aparentemente destruída pelo maior fiasco diplomático da história britânica.

A humilhação pessoal de Eden era comparável à vergonha de seus generai e também à de seus colegas franceses e israelenses, que gradualmente retiraram suas tropas e deram espaço às forças de paz das Nações Unidas.  Enquanto isso, Suez permanecia em mãos egípcias e Nasser saiu como o grande vitorioso.  Poucos anos depois de chegar ao poder, ele assegurava sua reputação como o paladino que ousara puxar o tapete do Império Britânico.

 Posição britânica em Port Said: o Império desmorona

Qual foi o impacto da Crise de Suez na Grã-Bretanha?  A opinião pública estava dividida: manifestantes lotaram a Trafalgar Square para protestar contra a invasão, mas boa parte da imprensa apoiou Eden.  O historiador Robert Rhodes James registrou que jovens e idosos apoiavam fervorosamente o governo e “desprezavam os antipatrióticos socialistas” que se opunham à guerra.  De fato, os números mostram que Eden era mais popular após a derrocada do que antes, enfraquecendo o mito de que ele foi destroçado pela opinião pública.

Também é mito que Suez tenha causado o declínio do Império.  A verdade é que o poder bretão estava minguando de toda forma, graças à dispendiosa participação do país nas duas guerras mundiais.  A crise no Oriente simplesmente demonstrou isso, de forma incontestável, para o mundo inteiro.

Para piorar, quaisquer pretensões de superioridade moral foram demolidas pelas revelações de que Eden conspiravam com os franceses e israelenses para atacar o Egito.  Pierson Dixon, representante britânico na ONU, raciocinou que “com nossa ação, nos rebaixamos de uma potência de primeira para uma de terceira classe.  Revelamos nossa fraqueza ao pararmos e jogamos fora a posição moral da qual nossos status mundial largamente dependia.

Existe pouca dúvida de que o episódio deixou marcas profundas na nação.  O escritor Peter Vansittart não estava sozinho quando relembrou ter “sentido uma mudança nas ruas, bares e lares depois de Suez: uma redução das expectativas, a sensação de que os tempos bons haviam acabado.”  Acho que o fracasso no Egito teve um efeito arrasador sobre o moral do governo britânico.  O fedor da derrota era uma coisa assombrosa”, afirmou um ministro do Partido Conservador.  Mais de uma centena de parlamentares assinou uma moção parlamentar acusando os norte-americanos de “pôr em risco de forma muito grave a Aliança Atlântica”. E muitas pessoas comuns destilavam sua amargura contra o velho aliado.  “Não atendemos norte-americanos aqui”, dizia uma placa na entrada de uma revenda de automóveis em Hertfordshire.

O fim de uma era

Mais de cinco décadas depois, Suez ainda é um divisor de águas histórico.  Depois de 1956, a Grã-Bretanha nunca mais pôde usar sua força como antigamente.  E ninguém duvidava de que o verdadeiro poder estava em Washington, não em Londres.  Mas o que se costuma esquecer é que a crise no Egito também foi o início de uma nova era de riqueza e ambição.  Sem o fardo da grandeza imperial, os britânicos estavam livres para se divertir, esbanjando com carros, aparelhos de TV, máquinas de lavar e toda a parafernália da sociedade de consumo.

Três anos depois, o fisco no Egito havia sido esquecido em grande parte e os Conservadores, liderados por Harold Macmillan – chanceler que assumiu o governo após a renúncia de Eden - , rumava à reeleição.  Depois veio o escândalo Profumo, os Beatles e todo o florescimento cultural dos anos 1960.  Suez pode ter sido o último suspiro do esplendor imperial britânico, mas foi o tiro de largada para uma nova aventura cultural.

Fonte: Guerras e conflitos do século XX, BBC

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terça-feira, 10 de abril de 2018

ACORDO SYKES-PICOT NA ORIGEM DO CAOS NO ORIENTE MÉDIO

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Divisão entre franceses e britânicos de territórios do antigo Império Otomano firmada há cem anos, durante a Primeira Guerra Mundial, gerou tensões e conflitos que só se agravaram com a passagem das décadas.

Por Kersten Knipp


Há cem anos, em 16 de maio de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, a França e o Reino Unido partilharam entre si vastas áreas do Império Otomano, já antecipando a própria vitória e sem qualquer consulta aos habitantes da região. O tratado secreto dessa partilha ficou conhecido como Sykes-Picot, em alusão aos diplomatas que o negociaram, o inglês Mark Sykes e o francês François Georges-Picot.

Aos franceses caberia um território do sudeste da atual Turquia até o Líbano, passando pelo norte do Iraque e pela Síria. Os britânicos regeriam o sul e o centro do Iraque. As terras contidas entre esses dois territórios – englobando a atual Síria, a Jordânia, o Iraque ocidental e o nordeste da Península Árabe – seriam um reino árabe sob mandato anglo-francês.

Também a Alemanha desempenhou um papel pouco louvável nessa negociata. Aliada do Império Otomano, ela queria enfraquecer por meios militares os seus inimigos na Primeira Guerra. Juntamente com o califa de Istambul, autoridade religiosa suprema dos sunitas, os alemães conclamaram os árabes à jihad, a "guerra santa" contra os britânicos.

Mark Sykes, Georges-Picot e o mapa original que definiu o tratado


Estes, em contrapartida, selaram uma aliança com o xerife Hussein bin Ali, segunda maior autoridade religiosa depois do califa, na qualidade de guardião das cidades sagradas de Meca e Medina, na atual Arábia Saudita.


Domínio anglo-francês sob fachada árabe

Em outubro de 1915, Henry McMahon, alto comissário da Grã-Bretanha no Egito, fez uma oferta sedutora ao xarife Hussein: se os árabes apoiassem seu país, este os ajudaria a fundar seu próprio reino. "A Grã-Bretanha está pronta a reconhecer e apoiar a independência dos árabes dentro dos territórios nos limites e fronteiras propostos pelo xerife de Meca", declarava McMahon numa carta.

A aliança foi firmada. O líder dos árabes era o filho do xerife, Faissal bin Hussein. Apoiado pelo agente britânico Thomas Edward Lawrence – conhecido como "Lawrence da Arábia" – ele conseguiu forçar a retirada dos otomanos.

Após o fim da Primeira Guerra, a nova ordem geopolítica no Oriente Médio foi negociada na Conferência de Paz de Paris, em 1919. Engajado pela causa árabe, Faissal comentaria: "Estou confiante de que as grandes potências colocarão o bem-estar do povo árabe acima de seus próprios interesses materiais."

No entanto, ele se enganava. A França e a Grã-Bretanha se aferraram à divisão territorial já acordada: deveria haver Estados árabes, sim, mas sob influência anglo-francesa.  Como comentou o então ministro do Exterior britânico, George Curzon, a questão era ocultar os interesses econômicos de seu país atrás de uma "fachada árabe", "governada e administrada sob direção britânica, controlada por um maometano nato e, se possível, por uma equipe árabe".

Os domínios e as fronteiras no Oriente Médio definidos pelo Tratado Sykes-Picot



Novos Estados, futuros conflitos

A importância dos pactos firmados durante a Conferência de Paris foi abrangente e de longo alcance. Além de resultar na fundação da Síria e do Iraque, um mandato da Liga das Nações ratificado em 1923 confirmava a criação de um novo Estado, o Líbano.

Outro mandato previa "o estabelecimento de um Lar Nacional para o povo judaico na Palestina", base para o futuro Estado de Israel. Em Paris, Faiçal declarara: "Eu asseguro que nós, árabes, não guardamos qualquer ressentimento étnico ou religioso contra os judeus, como o que infelizmente predomina em outras partes do mundo." Contudo, essa boa vontade logo fracassaria diante de uma realidade cruel.

Também em 1923, a Grã-Bretanha separou a Transjordânia da Palestina, criando as bases para a atual Jordânia. Já em 1899 os ingleses haviam transformado o Kuwait em seu protetorado. Após o fim da Primeira Guerra, o declararam "emirado independente sob proteção britânica".


Reflexos atuais

O resultado final de tais reviravoltas geopolíticas na região foi a série de guerras e conflitos que perdura até hoje: a crescente tensão entre israelenses e palestinos, ocasionalmente explodindo em guerras; a guerra civil libanesa de 1975 a 1990; a Guerra do Golfo; os choques, igualmente com características bélicas, nos territórios curdos da Turquia e do Iraque, mais tarde também na Síria.

Tudo isso culminou na fatal invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. A má gestão que se seguiu endureceu os fronts de caráter religioso, redundando no nascimento da organização terrorista "Estado Islâmico" (EI). Além de ocupar territórios iraquianos, o EI se alastrou para a Síria, dilacerada pela guerra civil.

A rigor, nem todos esses desdobramentos remontam exclusivamente à divisão do Oriente Médio no início da década de 1920. No entanto, nessa época foi lançado o fundamento de uma nova ordem regional que se mostrou solo fértil para tensões geopolíticas, revoltas e guerras.


Fonte: DW

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sábado, 20 de maio de 2017

ISRAEL DESCLASSIFICA MILHARES DE DOCUMENTOS DA GUERRA DOS SEIS DIAS

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Israel desclassificou nesta quinta-feira milhares de documentos oficiais que datam da Guerra dos Seis Dias e que relatam as discussões das autoridades israelenses sobre o futuro da Cisjordânia, cuja ocupação há 50 anos é o centro do conflito entre israelenses e palestinos.


Os arquivos nacionais israelenses publicaram milhares de documentos, gravações e depoimentos da guerra de 5 a 10 de junho de 1967, bem como das semanas anteriores e seguintes.  No final do conflito, que opôs Israel ao Egito, Jordânia e Síria, o Estado judeu ocupou a Cisjordânia, Gaza, Jerusalém Oriental, as Colinas de Golã e a Península egípcia do Sinai.

A publicação das atas do “gabinete de segurança” israelense permite o acesso inédito a informações sobre esta guerra, que já é alvo de muitas pesquisas e trabalhos históricos.

Em 15 de junho de 1967, cinco dias após o fim da guerra, os ministros do gabinete de segurança discutiram as diversas opções para os territórios ocupados. O ministro das Relações Exteriores da época, Abba Eban, alertou para um potencial “barril de pólvora” e os riscos da ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, manifestando os termos de um debate que ainda divide a sociedade israelense.

Aqui temos a presença de duas populações, uma se beneficia de todos os direitos civis e a outra tem todos esses direitos negados”, declarou Eban em um trecho publicado pela imprensa israelense.

É um quadro com duas classes de cidadãos que é difícil de defender, mesmo no contexto da história judaica. O mundo tomará partido do movimento de libertação deste um milhão e meio de palestinos", acrescentou.

De acordo com os documentos liberados, o primeiro-ministro Levi Eshkol cogitou enviar a população árabe para o Brasil

A possibilidade de transferir os palestinos para outro país foi avaliada durante a reunião do gabinete de segurança. O primeiro-ministro Levi Eshkol disse: “se dependesse de nós, gostaríamos de enviar todos os árabes para o Brasil”.

Ao que o ministro da Justiça, Yaacov Shimshon Shapira, objetou: “Eles são os habitantes desta terra e agora vocês os controlam. Não há nenhuma razão para expulsar os árabes e transferi-los para o Iraque”.

E Lévi Eshkol respondeu: “Não seria um grande desastre (…) Nós não nos infiltramos aqui, o território de Israel é nosso por direito”.

Estes documentos permitem também acompanhar a evolução moral do governo durante a guerra, o medo por sua explosão, a euforia após a destruição da força aérea egípcia e as vitórias israelenses nas frentes jordaniana e síria.

Fonte: Isto é

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sexta-feira, 17 de junho de 2016

1973: SÍRIA E EGITO ATACAM ISRAEL

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No dia 6 de outubro de 1973, tropas egípcias e sírias atacaram Israel. Em pleno feriado do Yom Kippur, estourava o quarto conflito armado do Oriente Médio, que ficou conhecido como "Guerra de Outubro".


Por Peter Philipp



Em Israel, o maior feriado religioso judeu é o Yom Kippur, um dia de completa tranquilidade e de jejum: os transportes públicos param, o rádio e a televisão não fazem transmissões, e quem tem um mínimo de fé religiosa renuncia à comida e à bebida. As sinagogas ficam mais cheias que nunca: é o dia de pedir perdão a Deus pelos grandes e pequenos pecados do ano que se encerra.


Isso era o que se esperava também em 1973: na véspera do Yom Kippur, o país iniciou o tradicional retiro religioso, e os postos de fronteira com os territórios palestinos foram fechados. Porém, fatos fora do comum ocorreram no dia 6 de outubro. Começara o quarto conflito armado do Oriente Próximo, depois denominado Guerra do Yom Kippur, Guerra do Ramadã ou, simplesmente, Guerra de Outubro.



Ataques simultâneos


Israel fora inteiramente surpreendido: às 14 horas as forças armadas egípcias e sírias atacaram ao mesmo tempo: as primeiras, no Canal de Suez; as outras, nas colinas de Golã.

Cinco divisões egípcias, com 70 mil homens, cruzaram o Canal de Suez em diversos pontos e puderam vencer facilmente os cerca de 500 soldados israelenses que guardavam a chamada "Linha de Bar-Lev", na margem oriental do canal.


Até que chegasse o reforço do interior do país, os egípcios já tinham ampliado suas cabeças de ponte e reconquistado uma parte da Península de Sinai, que fora completamente perdida para Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Tropas egípcias celebram a travessia do Canal de Suez

Nas colinas de Golã, também ocupadas por Israel desde 1967, a guerra começou com um ataque maciço da força aérea e da artilharia sírias. Pouco depois, avançaram divisões blindadas com um total de 1.400 tanques de guerra, seguidas de duas outras divisões. Os israelenses foram surpreendidos também nas colinas de Golã, sofreram graves perdas e tiveram, principalmente, de evacuar os povoados construídos na região desde 1967.



Combates na Síria


Por pouco os israelenses não perderam o controle sobre as colinas de Golã. Somente no terceiro dia de guerra é que a contraofensiva começou a lograr êxito. As colinas foram reconquistadas em dois dias e, a partir do terceiro dia, o palco da guerra era o território sírio.

Os israelenses avançaram até Sasa, a aproximadamente 40 quilômetros de Damasco. Na frente egípcia, eles lograram cruzar o Canal de Suez e conquistar o território entre o canal e a estrada Suez-Cairo. Nesse avanço, o Terceiro Exército egípcio foi cercado e isolado do restante do país.


A guerra durou mais tempo do que as anteriores. Entre outras coisas, porque as superpotências abasteceram as partes beligerantes com grande quantidade de armas. E as Nações Unidas só puderam conclamar a uma trégua em 21 e 22 de outubro.

A conclamação foi acoplada à Resolução 338 do Conselho de Segurança, na qual se fala de uma solução justa para o conflito do Oriente Médio e da necessidade de devolução de territórios ocupados. Na Europa, sentiu-se pela primeira vez naqueles dias os efeitos da nova arma árabe, o boicote de petróleo.



Difíceis negociações


No dia 24 de outubro de 1973, os combates terminaram. O Egito teve um total de 15 mil vítimas; a Síria, 3 mil e Israel, 770. A situação territorial estava mais confusa que antes. No final de 1973, foi convocada uma conferência de paz da ONU em Genebra, cujos dois encontros em nada resultaram.


Em difíceis negociações no quilômetro 101 da estrada Suez-Cairo, foi feito então um acordo de desentrelaçamento das tropas. No início de 1974, Israel retirava-se da margem ocidental do Canal de Suez.


Também o Egito recuava para a posição anterior ao início da guerra. Com a Síria, as negociações foram feitas através da mediação dos Estados Unidos, representados pelo secretário de Estado Henry Kissinger. Também neste caso, chegou-se a um acordo de desentrelaçamento mútuo das tropas. No Sinai, foram novamente estacionadas tropas da ONU. Às colinas de Golã, foi enviada a tropa Undof, das Nações Unidas, com observadores para o cumprimento do acordo.



Busca dos responsáveis


Depois da guerra, começa em Israel uma busca sistemática dos responsáveis. Para tal, éi instituída uma comissão de inquérito, a Comissão Agranat. Constata-se logo que o serviço secreto militar e também os políticos fracassaram: os preparativos de guerra dos egípcios e dos sírios tinham sido observados desde 1972, mas sempre interpretados como manobras militares ou simulação.

Os serviços de inteligência israelenses não conseguiram identificar a ameaça dos sírios e egípcios



Israel estava seguro demais de sua própria força, tanto da superioridade das próprias tropas como das instalações de defesa no Canal de Suez.


O chefe do Estado Maior das Forças Armadas israelenses, David Elazar, quis mobilizar as tropas antes do início da guerra, mas os políticos vetaram. Eles não acreditavam numa guerra e não queriam, com a mobilização, aumentar a tensão reinante.


A primeira-ministra Golda Meir e o seu ministro da Defesa, Moshe Dayan, renunciaram. Também Elazar passou para a reserva. Eles jamais se recuperaram do fracasso durante a Guerra de Outubro.


Mas essa guerra abriu também as portas para os esforços políticos: ambos os lados viam-se como vencedores e assim em igualdade de direitos. Com isso, pelo menos o Egito e Israel finalmente se dispuseram a fazer um acordo de paz.

Fonte: DW