"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

BATALHA NAVAL DE SETTEPOZZI (1263)

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Travada no Golfo de Argos entre a marinha veneziana e uma coalizão genovesa/bizantina, representou uma vitória decisiva da República de Veneza, e teve, como consequência, o fim da aliança entre Gênova e Bizâncio.


A Batalha de Settepozzi foi travada em algum momento entre maio e junho de 1263 na costa de Settepozzi, o nome italiano de Spetses, entre uma frota bizantino-genovesa e uma veneziana, menor. A vitória dos venezianos teve importantes consequências políticas, pois afastou os bizantinos dos genoveses e restaurou a relação do império com os venezianos.

No início de julho de 1261, o imperador niceno Miguel VIII Paleólogo (c.1259–1261) se aliou com os genoveses através do Tratado de Ninfeu. Esta aliança, cujos termos eram muito vantajosos para os genoveses, era fundamental para os nicenos e para seu plano de recuperar Constantinopla, a capital do moribundo Império Latino. Os imperadores latinos tinham o reforço do poderio naval veneziano, contra quem os genoveses já estavam em guerra), e, sem uma marinha própria para enfrentá-lo, Constantinopla não cairia, como já havia sido provado nos cercos anteriores de 1235 e 1260.

Localização da Ilha de Stepses, no Golfo de Argus, local da batalha

Porém, a cidade acabou sendo reconquistada por Aleixo Estrategópulo menos de quinze dias depois da assinatura do tratado sem nenhuma ajuda genovesa. Durante todo o ano seguinte, Veneza e Gênova nada fizeram. A primeira hesitava confrontar a frota genovesa enviada para o Egeu, muito maior, e esperava o desenrolar dos eventos no ocidente. A segunda enfrentava problemas internos, com a deposição do autocrático "capitão do povo" Marino Boccanegra e a ascensão da liderança nobre colegiada na cidade.

No verão de 1262, os venezianos ordenaram que uma frota de 37 galés se deslocasse para o Egeu, onde encontraram uma outra, genovesa, com 60 galés em Tessalônica, mas estes se recusaram a dar-lhes combate. Uma expedição pirata, porém, liderada pelos nobres de Negroponte, aliados de Veneza, invadiu o Mar de Mármara, onde foi confrontada e derrotada por um esquadrão bizantino-genovês.

Galé genovesa do século XIII



O combate naval

Enquanto isso, uma guerra irrompeu na Moreia, para onde Miguel VIII enviou uma força expedicionária (final de 1262 ou início de 1263) contra o Principado da Acaia. Apesar dos sucessos iniciais, as tentativas bizantinas de conquistar todos os domínios do Principado fracassaram depois das batalhas de Batalha de Prinitza e Macriplagi.

Imperador niceno Miguel VIII Paleólogo


Entre maio e junho de 1263, uma frota bizantino-genovesa de 38 ou 39 galés e 10 saettie leves (veleiros de um só mastro) seguindo para a fortaleza e base naval bizantina de Monenvásia, no sudoeste da Moreia, encontrou uma frota bizantina de 32 galés seguindo para o norte em direção a Negroponte.

Os detalhes do confronto são obscuros. Os "Annales Ianuenses" genoveses alegam que, quando o sinal de ataque foi dado, apenas quatorze navios genoveses avançaram, enquanto o resto permaneceu imóvel e depois fugiu. O cronista veneziano Canale, porém, relata que os navios venezianos atacaram primeiro, enquanto os genoveses tentavam encurralá-lo. A batalha terminou com uma clara vitória veneziana: a frota genovesa, metade da qual nem sequer entrou em combate, perdeu muitos homens, incluindo um almirante e duas naus capitânias, antes de desengajar e fugir. Canale afirma que houve mil baixas genovesas e apenas 420 venezianas.

Galé veneziana em ação

Seja como for, o resultado foi claramente positivo, tanto pela ação de comando dividindo da frota genovesa, como pela relutância, consistentemente demonstrada em confrontos anteriores e posteriores, dos almirantes genoveses em arriscarem seus navios, que eram fornecidos por investidores privados - geralmente ricos mercantes que dominavam a cidade. Preciosos para seus proprietários, os almirantes eram responsáveis pelos danos incorridos a eles em batalhas. 


Resultado

Embora a maior parte da frota genovesa tenha sobrevivido à batalha, a derrota teve grandes ramificações políticas, pois Miguel VIII começou a duvidar de sua aliança com Gênova, cara e pouco lucrativa, principalmente pela falta de audácia dos almirantes genoveses. Como sinal de sua insatisfação, logo depois da batalha, Miguel dispensou sessenta navios genoveses que estavam sob seu comando.

 A insatisfação mútua aumentou em 1264, quando o podestà genovês em Constantinopla foi implicado numa conspiração que visava entregar a cidade a Manfredo da Sicília e que resultou na expulsão dos genoveses da cidade. 

Miguel assinou um tratado com os venezianos em 18 de junho de 1265, mas ele não foi ratificado pelo doge. Obrigado a enfrentar a ameaça de Carlos de Anjou depois de 1266, Miguel teve que renovar sua aliança com Gênova, mas manteve simultaneamente a paz com Veneza assinando um tratado de não-agressão de cinco anos em junho de 1268.

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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

MENOS BRILHO PARA BRILHAR MAIS

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Uniformes soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial traduziram a realidade da época.

Por Alexandr Verchínin


Às vésperas da Segunda Guerra Guerra Mundial, a União Soviética tinha o maior exército da Europa, com quase 2 milhões de soldados. Mas o país não tinha a possibilidade de mudar constantemente o uniforme de milhões de soldados.

Durante o conflito, o soldado soviético recebia uma roupa desenvolvida pelos generais imperiais ainda no início do século XX. Este uniforme não tinha o luxo daquele usado pelo Exército no século XIX, mas era conveniente e prático nas condições de combate.

De um modo geral, o uniforme russo durante a Primeira Guerra Mundial e o modelo usado por soldados soviéticos na Segunda Guerra Mundial não eram muito diferentes. Ambos eram compostos pela mesma túnica de algodão, calça e sapatos com polainas, devido à escassez de couro. No inverno, usavam também um sobretudo baseado no modelo de 1935, que, por sua vez, reproduzia o corte de casaco de 1912.

Em vez do chapéu de palha, dispunham do popular bibico, que substituiu até mesmo o famoso “budenovka”. Quando esfriava, a cabeça era protegida por um chapéu que cobria até a orelha.

Os soldados do Exército Vermelho recebiam um conjunto completo de equipamento: cinto (de couro, mas muitas vezes de lona), bolsa de cartuchos, principal e de emergência, saco para granadas, rações, pás, cantis e equipamento para fuzis. Além disso, o soldado possuía um capacete de aço. Mas a guerra trouxe suas mudanças.

O equipamento volumoso, embalado em várias sacolas, sobrecarregava os soldados, que tinham de caminhar entre 30 e 40 km por dia. Em vez de várias bolsas foi então introduzida uma única mochila de tecido impermeável.

Equipamento padrão da infantaria soviética em 1941


O sobretudo que os soldados tinham que usar também não facilitava a mobilidade. Assim, em agosto de 1941, foi introduzido um novo “estilo” de inverno: jaquetas acolchoadas, que podiam ser usadas sob o casaco e eram uma peça independente do uniforme.

Em regiões com invernos rigorosos, as jaquetas foram substituídas por casacos de pele e, em vez de sapatos e botas, foram introduzidas botas de lã.


Vestido para a batalha

Junto com milhões de homens no Exército surgiram também milhares de mulheres. O antigo Exército russo nunca tinha visto uma presença maciça de mulheres, portanto, não havia um uniforme especial para elas. Os dirigentes soviéticos tiveram de resolver esse problema muito rapidamente.

Em agosto de 1941, foi lançado um uniforme especial para as mulheres. Em vez do bibico, elas tinham que usar um quepe, e a túnica de soldado foi substituída por um vestido, inicialmente de algodão e depois de lã. 

O uniforme feminino pode ser visto em detalhes nesta fotografia da atiradora de elite Roza Shanina, tomada em 1944



Reforma da cabeça aos pés

As primeiras batalhas mostraram que o uniforme dos oficiais e generais soviéticos os tornavam um alvo fácil para os inimigos. Os emblemas de costura bonita e distintivos na ponta de quepe, introduzidos pouco antes da guerra, chamavam muita atenção.

Foi assim que, em agosto de 1941, abandonou-se o uso de emblemas e as listras brilhantes nas calças, e os emblemas dourados nas lapelas tiveram que ser substituídos por similares de cor cáqui.

O uniforme soviético dos primeiros anos da guerra se distinguia pelas cores, mas foi produzido em grandes quantidades em fábricas que não funcionavam muito bem. Em 1943, decidiu-se então fazer uma grande reforma no guarda-roupa militar.

A principal inovação foi a introdução de insígnias de ombro. Este elemento, que havia sido erradicado do Exército Vermelho, voltou. Havia dois tipos de insígnias dos oficiais do Exército: de combate e do dia-a-dia. Os primeiras eram cáqui, os segundos, eram dourados.

As insígnias de ombro foram introduzidas durante a guerra


A patente passou a ser determinada não por losangos e quadrados nas lapelas, mas pelo número de estrelas nas divisas. Os oficiais do Exército de alta categoria e os marechais tinham um símbolo especial nas divisas – o emblema dourado da URSS.

A reforma não afetou muito as patentes mais baixas, e os soldados tiveram apenas que trocar as camisas. Na nova versão, em vez da gola aberta apareceu a gola fechada com botões, e quase desapareceram os sapatos com polainas.

O Exército usava então as botas de “quirza”, um tipo de couro artificial com pano de muitas camadas tratado com um líquido especial, que o tornava resistente à água. Em comparação com os sapatos pesados, as botas de couro artificial ​​eram muito confortáveis para o exército.

As botas quirza de couro artificial eram extremamente confortáveis


Os uniformes também foram divididos entre modelos para eventos especiais, para combate e para o dia a dia. Oficiais receberam novamente a jaqueta militar (“Kittel”), roupa que era usada pelo Exército imperial. Voltaram também outros elementos do uniforme antigo do Exército, como punhos com costura de ouro e prata.

O uniforme do soldado para cerimônias oficiais tinha linhas vermelhas na gola, nos punhos e nos bolsos. Os soldados soviéticos vestiram esse uniforme de cerimônias oficiais pela primeira vez no dia 24 de junho de 1945, durante o desfile da vitória em Moscou.

Fonte: Gazeta Russa


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

UNESP LANÇA O LIVRO "A HISTÓRIA DO BRASIL NAS DUAS GUERRAS MUNDIAIS"

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O Brasil foi a única nação da América do Sul a enviar contingentes para as duas grandes guerras. O presente livro permite ao leitor ultrapassar as linhas gerais em que são descritas as participações brasileiras nos dois grandes conflitos mundiais e observar de posição privilegiada o que ocorria na trincheira, no navio, na caserna. A obra vem preencher lacuna ainda sentida na bibliografia relativa à temática, contemplando ângulos raramente explorados do envolvimento brasileiro nas duas guerras, como a geopolítica, a economia, a espionagem, o desenvolvimento de instituições militares e o próprio cotidiano dos soldados no calor da batalha.


Ficha Técnica

Assunto: História do Brasil
Ano: 2019
Acabamento: Brochura
Páginas: 262
Edição: 1
ISBN: 9788539308200
Peso: 465g
Formato: 16 X 23


Os autores

Mary Del Priore (Org.)
Mary Del Priore é doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP). Publicou, pela Editora Unesp, Ao sul do corpo (2009), História do esporte no Brasil (2009), História do corpo no Brasil (2011), História dos crimes e da violência no Brasil (2017) e História das mulheres no Brasil (1997), sendo vencedor dos prêmios Jabuti e Casa Grande & Senzala no mesmo ano.

Carlos Daróz (Org.)
Carlos Daróz é historiador militar, pesquisador e escritor. Doutorando em História Social (UFF), mestre em Operações Militares e em História. Autor de Um céu cinzento (2013), A Guerra do Açúcar (2015), O Brasil na Primeira Guerra Mundial (2016) e Bruxas da Noite (2018)

Adquira seu exemplar clicando AQUI


NAVIO ALEMÃO DA 1ª GUERRA É LOCALIZADO NO MAR DAS FALKLANDS 105 ANOS DEPOIS DE AFUNDADO

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O naufrágio de um cruzador alemão da 1ª Guerra Mundial foi identificado nas Ilhas Malvinas, onde fora afundado pela Marinha britânica há 105 anos.


O SMS Scharnhorst foi o principal ativo da esquadra alemã na Ásia Oriental, comandada pelo vice-almirante Maximilian Graf von Spee. O navio foi afundado em 8 de dezembro de 1914 com mais de 800 homens a bordo, incluindo o próprio vice-almirante.

O líder da busca pelos destroços, Mensun Bound, disse que o momento da descoberta foi "extraordinário". "Muitas vezes, perseguimos sombras no fundo do mar, mas quando o Scharnhorst apareceu pela primeira vez no fluxo de dados, não havia dúvida de que era um navio alemão", disse Bound.

"De repente, ele saiu da escuridão com grandes armas apontando para todas as direções. Como ilhéu das Malvinas e arqueólogo marinho, uma descoberta com esse significado é um momento inesquecível e comovente na minha vida."


Buscas levaram cinco anos

As buscas pelo SMS Scharnhorst começaram há cinco anos, no 100º aniversário da Batalha das Ilhas Malvinas, mas não obtiveram sucesso de início.

As equipes de busca retomaram suas atividades neste ano usando uma embarcação submarina, o Seabed Constructor, e quatro veículos subaquáticos autônomos. O SMS Scharnhorst foi encontrado no terceiro dia, a uma profundidade de 1.610m.

Os destroços não foram afetados pela operação, e o Falkland Maritime Heritage Trust, instituição sem fins lucrativos voltada para a promoção do valor histórico e social do patrimônio marítimo das Ilhas Malvinas, está tentando manter o local formalmente protegido por lei.  O SMS Scharnhorst fazia parte do esquadrão da Ásia Oriental da Marinha Imperial alemã, que operava principalmente no oceano Pacífico até o início da 1ª Guerra Mundial, em 1914.


Da vitória à derrota em cinco semanas

O cruzador blindado desempenhou um papel fundamental na Batalha de Coronel, travada entre a Marinha Real britânica e a Marinha Imperial alemã, na costa do Chile. Foi a primeira derrota naval britânica na 1ª Guerra Mundial, com resultados devastadores. Os alemães afundaram dois dos quatro navios britânicos, com a perda de mais de 1,6 mil vidas. Nenhum marinheiro alemão morreu.

O Scharnhorst afunda durante a Batalha das Falklands

Os efeitos desta derrota foram sentidos em todo o império britânico e além. Mas sua resposta não demorou a chegar. A Marinha Real despachou navios do Mar do Norte para o Atlântico Sul e confrontou os alemães nas Ilhas Malvinas cinco semanas depois.

O esquadrão britânico perseguiu a esquadra alemã. O HMS Invincible e o HMS Inflexible causaram danos substanciais ao SMS Scharnhorst, fazendo com que ele afundasse com todas as 860 pessoas a bordo. A Marinha Real, em seguida, foi atrás dos navios alemães restantes.


Descoberta 'agridoce'

Os dois filhos do vice-almirante von Spee também morreram nesse confronto. No total, 2,2 mil marinheiros alemães morreram neste segundo embate. Para a família von Spee, a descoberta dos destroços foi "agridoce". "É reconfortante saber qual foi o local de descanso final de tantas pessoas, que agora pode ser preservado, além de lembrar do enorme desperdício de vidas", disse Wilhelm Graf von Spee.

Destroços do Schanhorst localizados no fundo do oceano

"Enquanto família, perdemos um pai e seus dois filhos em um dia. Como as milhares de outras famílias que sofreram perdas inimagináveis ​​durante a 1ª Guerra Mundial, nós nos lembramos deles e devemos garantir que seu sacrifício não foi em vão." O vice-almirante von Spee foi aclamado como um herói na Alemanha por não se render, e, em 1934, um novo cruzador recebeu seu nome.

A Batalha das Ilhas Malvinas teve um efeito duradouro na 1ª Guerra Mundial, porque, como resultado, a esquadra da Ásia Oriental, a única formação naval permanente da Alemanha, deixou de existir.

Fonte: BBC

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

LANÇADO O EDITAL PARA O MESTRADO HUMANIDADES EM CIÊNCIAS MILITARES DO CENTRO DE ESTUDOS DE PESSOAL DO EXÉRCITO

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Quer fazer um mestrado em Ciências Militares com ênfase nas Ciências Humanas?


Foi lançado o edital do processo seletivo para o mestrado interdisciplinar de Humanidades em Ciências Militares do Centro de Estudos de Pessoal/Forte Duque de Caxias.

O Programa de Pós-Graduação Humanidades em Ciências Militares busca fomentar pesquisas nas áreas de Educação, Ciências Sociais, Psicologia, História e Serviço Social, entre outras vertentes do Colégio de Humanidades, em trabalhos de pesquisa e desenvolvimento aplicados aos problemas das Forças Militares.

Saiba como se inscrever acessando

http://www.cep.eb.mil.br/ultimas-noticias/337-cep-fdc-seleciona-candidatos-para-o-mestrado?fbclid=IwAR2G-oRkt5awWYJ1lhb5XUbs2rhmGPDbzUDr8Bgf1ZUnuu1dHk1uTnhZVgc



sexta-feira, 22 de novembro de 2019

ACADEMIA DA FORÇA AÉREA REALIZA A VI OLIMPÍADA DE HISTÓRIA MILITAR E AERONÁUTICA

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Academia da Força Aérea promove a VI Olimpíada de História Militar e Aeronáutica
 
A Academia da Força Aérea, instituição de educação superior da Força Aérea Brasileira, onde são formados os oficiais combatentes das especialidades Aviadores, Intendentes e Infantes, promoveu, nos dias 20 e 21 de novembro, a 6ª edição da Olimpíada de História Militar e Aeronáutica. Idealizada e organizada pelo coronel Cláudio Passos Calaza, professor de História Militar da Academia, a competição tem como objetivo estimular os cadetes ao estudo e pesquisa no campo, de forma lúdica e motivacional. 

Inicialmente realizada apenas no âmbito da AFA, com o passar dos anos e com o sucesso da competição, aos poucos a Olimpíada foi agregando equipes de outras instituições que enriqueceram ainda mais os propósitos do desafio. Escola Naval, Escola Preparatória de Cadetes do Exército e Instituto Tecnológico de Aeronáutica foram alguma das escolas que se incorporaram à Olimpíada. Neste ano de 2019, foi a vez da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, da PMESP, fazer sua estreia, integrando-se ao desafio do conhecimento.

A equipe Tobias de Aguiar, da APMBB, fez sua estreia em grande estilo na Olimpíada.

A competição é realizada em duas jornadas, e engloba formas de avaliação diversificadas, como prova escrita, quiz, aula expositiva após sorteio de tema, questões do tipo “passa e repassa” e questões com respostas abertas, que são avaliadas por uma banca composta por professores expoentes da pesquisa em história militar no Brasil.

No corrente ano, na 6ª edição da Olimpíada, foram inscritas uma equipe do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, duas da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), uma da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) e sete da Academia da Força Aérea (AFA).

A disputa é acirrada, ponto a ponto. A banca, atenta, avalia o desempenho das equipes.

Após a realização das fases iniciais realizadas no primeiro dia, classificaram-se para as finais uma equipe da AFA, outra da APMBB e uma terceira da AMAN. Foi realizado o sorteio do tema único da aula a ser ministrada pelos competidores no começo da segunda jornada, que resultou no tema Guerra Assimétrica e Guerra Irregular.  Cabe ressaltar que esse sorteio foi realizado por volta das 21 horas, tendo as aulas que serem ministradas a partir das 13 horas do dia seguinte, ou seja, os competidores tiveram 17 horas, inclusive a madrugada, para pesquisarem e prepararem suas aulas.

Equipe da AMAN ministrando aula sobre guerra assimétrica. Cadete Zata, do 1º ano da AMAN, ministrando sua aula.

 No segundo dia, as equipes ministraram suas aulas com extrema qualidade de conteúdo e elevado nível de apresentação, ainda que com propostas metodológicas distintas, e foram avaliadas pela banca da Olimpíada. Em seguida, o sistema de Quiz, “passa e repassa” e questões com respostas abertas foi aplicado pela banca, culminado com o seguinte resultado final:

- 1º lugar: Equipe Shogun Tokugawa (AFA)
- 2º lugar: Equipe Brigadeiro Tobias de Aguiar (APMBB)
- 3º lugar: Equipe Ten Cel Villagran Cabrita (AMAN)

A equipe Shogun Tokugawa, da AFA, campeã da competição, foi composta pelos cadetes Quedinho, Pinheiro, Richard e Juann:

A equipe Shogun Tokigawa, da AFA, campeã da 6ª edição da Olimpíada
 
 

Alguns destaques da Olimpíada

- A AFA, anfitriã da Olimpíada voltou a vencer a competição depois de quatro anos, liderando-a de ponta a ponta.

- A APMBB estreou na olimpíada com um fantástico 2º lugar, acertando diversas questões de aeronáutica e de guerra, muitas delas não ministradas em seus currículos.

A estreante Academia de Polícia Militar do Barro Branco obteve a difícil segunda colocação geral na prova de conhecimento.

- A AMAN, que já venceu uma das edições da Olimpíada, e, contando com veteranos da competição, conquistou o 3º lugar, mas registrou um fato inédito na sequência da competição.  A jovem cadete Zata, do 1º ano da AMAN, foi primeira mulher a se classificar para as finais e a ser premiada, e tornou-se a primeira medalhista da Olimpíada de História Militar e Aeronáutica.  Parabéns para ela e para a cadete Amanda, da AFA, que também participou da competição.

O editor do Blog Carlos Daróz-História Militar e membro da banca avaliadora com a cadete Zata, do 1º ano da AMAN: a primeira mulher a chegar às finais e a ser premiada na Olimpíada de História Militar e Aeronáutica da AFA.
 
Por fim, o Brigadeiro-do-Ar David, comandante da AFA, encerrou a competição e conduziu a premiação das equipes vencedores.

O comandante da AFA, Brigadeiro-do-Ar David, entrega a medalha e cumprimenta o cadete Pinheiro, integrante da equipe campeã das Olimpíadas.

Também foi feita uma homenagem especial à tenente historiadora Carolina Fuzaro, uma das que mais trabalhou para a implantação da Olimpíada e que se despede da AFA no próximo mês. 

Junto à tenente Carolina Fuzaro, que se despede do corpo docente da AFA, e do suboficial Sérgio Ramos. Ambos idealizadores e verdadeiros esteios da Olimpiada.


O editor do Blog Carlos Daróz-História Militar teve a honra de compor, pela 5ª vez consecutiva, a banca avaliadora da competição.

Um registro especial: nada disso seria possível sem a criatividade, imaginação e perseverança do coronel Calaza, professor da Academia. 

Algumas imagens da competição:

Palestra de abertura das Olimpíadas.  Dr. Hugo Studart.


Equipes tentando solucionar uma questão desafiadora.


A plateia de Cadetes do Ar muito atenta à competição.


Intervenção de Carlos Daróz, explicando uma das questões da Olimpíada.


O supremo prêmio: as medalhas ofertadas pelo Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.

Parabéns à Força Aérea Brasileira e à AFA – o Ninho das Águias – pela iniciativa e pelo sucesso da competição. E que venha a 7ª edição da Olimpíada em 2020.

Terminamos aqui com o significativo lema da AFA



"MACTE ANIMO! GENEROSE PUER, SIC ITUR AD ASTRA"
(Ânimo! Jovem, por este caminho se chega às estrelas)


MAX HASTINGS: AS GUERRAS DE 1914 E DE 1939 NÃO SÃO MORALMENTE DIFERENTES

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Em Catástrofe 1914, o historiador, um dos grandes especialistas na Segunda Guerra Mundial, visita pela primeira vez as trincheiras e a frente de combate da Grande Guerra


O historiador Max Hastings (Londres, 1945), um dos grandes especialistas na Segunda Guerra Mundial, visita pela primeira vez as trincheiras e a frente de batalha da Grande Guerra em seu livro Catastrophe 1914: Europe Goes to War.

Trata-se de uma obra muito mais militar e com menos sutilezas do que o livro de Margaret MacMillan, mas com a habitual carga de malícia, inteligência, senso de humor e conhecimento do meio bélico que caracteriza o autor. Ao contrário do que faz sua colega, no ensaio de Hastings as balas logo começam a zunir, e muito.

Cabe destacar o inovador relato da brutal invasão da Sérvia pelo exército austro-húngaro – Hastings salienta que os sérvios foram proporcionalmente os que mais baixas sofreram na luta – e a descrição das tremendas falhas e limitações dos generais de ambos os lados (sobre John French, comandante da Força Expedicionária Britânica, o autor diz sem rodeios que era “estúpido a não mais poder”).

Soldados alemães utilizando máscaras contra gases preparam suas granadas em uma trincheira, durante a 1ª Guerra Mundial


Também chama a atenção a afirmação de que o célebre plano Schlieffen, que supostamente daria uma rápida vitória à Alemanha, era “fantasioso” e não poderia funcionar de maneira nenhuma em um mundo no qual havia ocorrido uma revolução no poder destrutivo das armas, mas onde as tecnologias de transporte e comunicação ainda estavam muito atrasadas. De fato, esse paradoxo, salienta o autor, é o que transformou a I Guerra Mundial em um inferno estático de barro e trincheiras.

Como é habitual em seu trabalho, Max Hastings se mostra genial na descrição da experiência do combate e na seleção de testemunhos e relatos. Uma das características essenciais (e surpreendentes) da sua visão sobre a Grande Guerra é que ele não acredita que o conflito pertença a uma ordem moral diferente da Segunda Guerra Mundial.

Ou seja, para ele não houve uma “guerra má” e uma “guerra boa”, uma guerra que foi apenas um massacre inútil, e outra que era necessária (para acabar com os nazistas). Ele considera que em ambos os casos era preciso travá-las para deter os alemães, cujas intenções ele julga tão malévolas em uma luta quanto na outra. “Basta ver a lista de compras do Kaiserreich [império alemão] em agosto de 1914, tudo o que eles pensavam em adquirir”, justifica. “Anexariam grandes pedaços da Rússia e da França, Luxemburgo, transformariam a Holanda e a Bélgica em Estados vassalos… uma lista terrível”. 

Hastings prossegue: “É difícil hoje convencer as pessoas de que deter os alemães na Grande Guerra foi uma causa que valeu a pena, prepondera a ideia dos poetas – Owen, Sasoon – de que foi uma carnificina absurda, mas basta pensar em como teria sido a Europa se as potências centrais vencessem.  Muitos criticam a Paz de Versalhes porque, dizem, foi cruel com os alemães, mas não imaginam o tipo de paz que a Alemanha teria imposto. A liberdade, a justiça e a democracia europeias teriam saído muito prejudicadas”.

Para o historiador, além disso, a culpa da guerra recai especialmente sobre a Alemanha. “Pode-se discutir se foi ela a responsável pelo estopim, mas não o fato de que se havia uma potência que podia ter detido o mecanismo que levou à guerra era a Alemanha. A grande ironia é que, se ela não tivesse ido à guerra então, seu domínio sobre a Europa teria ficado assegurado em vinte anos, por razões industriais”.

O historiador militar britânico Max Hastings, especialista na Segunda Guerra Mundial, realiza uma "incursão" na Grande Guerra.


Pergunto se ele acredita que o kaiser – cuja estátua de cera, no começo do conflito, foi transferida da Galeria Real do Museu Madame Tussaud, em Londres, para a ala denominada Câmara dos Horrores (é ele quem conta) – e Hitler são comparáveis. “A comparação é possível. Recentemente, gravando um programa com MacMillan em Versalhes, ela me disse: ‘Não é paradoxal que ninguém nunca tenha perdoado Hitler por ser louco, mas que o kaiser seja, sim, desculpado pelo mesmo motivo?’. O kaiser comandou coisas terríveis, como os massacres na África e o assassinato sistemático de civis na Bélgica em 1914. E depois da batalha de Tannenberg ele queria enviar os prisioneiros russos para a península da Curlândia [na atual Letônia] para lá deixá-los morrer de fome. Nós nos empenhamos em ver o kaiser como uma figura ridícula, mais do que malvada. Tinha aspectos ridículos, mas Hitler também tinha”.

Para Hastings, o elemento bélico que melhor define a Primeira Guerra Mundial não é a metralhadora, o aeroplano ou o gás, e sim ... o arame farpado! “A descoberta de que ele poderia ser usado na guerra como com os animais, para bloquear a passagem dos soldados, foi extremamente relevante na luta.” 

Eu lhe pergunto quem considera ser o personagem mais representativo da Primeira Guerra Mundial. Joffre? O Barão Vermelho? O almirante Fisher? Lawrence da Arábia? “Lawrence? Não era representativo exceto de si mesmo! Não, possivelmente esse veterano que cito no livro, Henry Mellersh, que escreveu: ‘Eu e meu companheiro entramos na guerra esperando uma aventura heroica e com uma firme confiança na retidão de nossa causa; acabamos terrivelmente desiludidos quanto à natureza da aventura, mas convencidos ainda de que nossa causa era correta e de que não tínhamos lutado em vão”.

Fonte: El País

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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

VI OLIMPÍADA DE HISTÓRIA MILITAR E AERONÁUTICA DA AFA

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Vem aí a 6ª edição da Olimpíada de História Militar e Aeronáutica da Academia da Força Aérea (AFA).

No já tradicional desafio do conhecimento, participam equipes da própria AFA, da Academia Militar das Agulhas Negras, da Escola Naval, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica e da Escola Preparatória de Cadetes do Exército.

Mais uma vez, o editor do Blog Carlos Daróz-História Militar participará como membro da banca avaliadora e da organização do evento.









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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A REVOLUÇÃO ACREANA (1902-1903)

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Como um militar gaúcho no comando de um bando de seringueiros destreinados redefiniu o mapa do Brasil e conquistou a região oeste da Amazônia


Por Altino Machado

Era madrugada de 6 de agosto de 1902. A guarnição boliviana ainda dormia na cidade de Xapuri, que muitas décadas depois, já como cidade brasileira, se tornaria famosa por causa do sindicalista Chico Mendes. Um pequeno grupo de 33 seringueiros brasileiros, armados com rifles, desembarcou de suas canoas. Eles subiram o barranco íngreme do Rio Acre e tomaram posição em pontos estratégicos, divididos em três grupos. Os bolivianos estavam exaustos. Haviam comemorado na véspera a data nacional de seu país, com muito, muito álcool. O militar brasileiro Plácido de Castro, que comandava os seringueiros, seguiu em silêncio até a grande casa de madeira onde funcionava a Intendência do país vizinho. Dios Fuentes, o intendente e maior autoridade do local, despertou de um salto e, pensando tratar-se de um compatriota, ainda com sono, foi avisando:
- Es temprano para la fiesta.
Castro retrucou:
- Não é festa, senhor intendente. É revolução.


Terra sem lei

Tão logo o intendente boliviano se rendeu, os brasileiros recolheram as armas e aprisionaram toda a guarnição. Era o começo da Revolução Acreana. Com a população de Xapuri em festa "muitos confundiram o movimento com o Dia da Independência da Bolívia -, Plácido de Castro anunciou o sucesso da revolta e justificou a ação com o argumento de que em troca de favores financeiros, La Paz pretendia entregar a região ao capital norte-americano e britânico na forma do chamado Bolivian Syndicate. A ideia da empresa era ocupar com soldados e explorar o local por pelo menos 30 anos. O Acre era parte da Bolívia, mas a cada ano, entre o final do século 19 e o início do século 20, aumentava o número de brasileiros em suas terras, especialmente nordestinos, que corriam para lá em busca da riqueza da floresta.

Plácido de Castro (sentado ao centro) com integrantes de seu estado-maior

A Bolívia estava disposta a recuperar o território por causa dos lucros que poderia aferir com a borracha, uma das commodities mais desejadas em um mundo que começava a ser desbravado pelo automóvel e pelo uso industrial do látex. O governo brasileiro não pleiteava a região. Portugueses e espanhóis haviam definido que o Acre era boliviano desde 1750, com o Tratado de Madri. Em 1898, o Brasil reconheceu que o território pertencia mesmo à Bolívia. Mas, como era distante, de difícil acesso e em plena Floresta Amazônica, os bolivianos não se dispuseram a colonizar a região. Até aparecer o interesse internacional pela borracha.

O gaúcho Plácido de Castro chegou à Amazônia em 1899, aos 26 anos, depois de viver no Rio de Janeiro e em São Paulo. Três anos depois, seringalistas (os compradores e distribuidores do látex) viram no militar, que havia lutado na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, a oportunidade para ampliar seu território e seus ganhos. Ofereceram a Castro armas, munição e dinheiro para enfrentar os bolivianos. Ele, imaginando que poderia ficar rico demarcando os latifúndios da seringa (era formado em agrimensura), topou treinar e comandar 2 mil seringueiros, a maioria armada com facões.


Estado soberano

A Revolução Acreana, que começou em 6 de agosto, durou pouco. Terminou em 24 de janeiro de 1903, e as ações mais agudas, decididas rapidamente, facilitaram o desfecho favorável aos brasileiros. De acordo com o especialista em história do Acre Marcos Neves, o principal fator do sucesso da empreitada foi o fato de pela primeira vez se formar um exército organizado na região. "Era composto de seringueiros sem experiência, mas foi suficiente para direcionar corretamente os esforços militares necessários", afirma Neves. "E nesse aspecto a experiência de Castro foi fundamental." As tropas bolivianas eram minúsculas.



Depois da vitória militar, coube a Castro organizar a vida política e administrativa do novíssimo Estado Independente do Acre. Seu decreto número 1, de 26 de janeiro de 1903, mandava aplicar a lei brasileira à justiça civil, criminal e comercial, até que se promulgasse a Constituição do Estado soberano. Considerou válidos todos os títulos de propriedade, definitivos ou provisórios, expedidos pela Bolívia e pelo estado do Amazonas. Definiu o português como língua oficial e adotou o padrão monetário do Brasil. Mas encontrou inimigos em seus antigos aliados. "Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto, os principais articuladores da Revolução Acreana com o governo do Amazonas, tornaram-se seus adversários", afirma o professor Eduardo Carneiro, da Universidade Federal do Acre. "Os dois acusavam Plácido de Castro, entre outros, de ter acumulado riquezas com a revolução." Em carta ao Barão do Rio Branco, Rodrigo de Carvalho, ministro da Fazenda, Justiça e Guerra do Estado Independente, não poupou acusações ao "libertador do Acre" em correspondência ao ministro do Exterior brasileiro. "Plácido de Castro não é honesto; é feroz e sanguinário ", registrou.

Nos meses que seguiram à vitória de Plácido na Revolução Acreana, a diplomacia brasileira agiu rápido. O Barão do Rio Branco convenceu os bolivianos a evitar um conflito armado de consequências imprevisíveis na região.


Primeiro território

No dia 17 de novembro de 1903, o Acre foi finalmente incorporado ao Brasil com a assinatura do Tratado de Petrópolis. O país pagou à Bolívia 2 milhões de libras esterlinas (o equivalente hoje a 640 milhões de reais) e indenizou o poderoso Bolivian Syndicate com 110 mil libras (cerca de 35 milhões de reais) por causa da rescisão de contrato de arrendamento que havia sido firmada com o governo boliviano. Também cedeu terras em Mato Grosso e se comprometeu a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para escoar a produção boliviana pelo Rio Amazonas.

Tropas de Plácido de castro em marcha no Acre


No princípio de 1904, o Acre se tornou o primeiro Território Federal da história brasileira. Exemplo de um novo sistema político-administrativo, não previsto na Constituição, pelo qual seria gerido diretamente pela Presidência da República, a quem caberia nomear seus governantes e arrecadar os impostos. Transformado em herói pelos moradores locais, Plácido de Castro tornou-se uma ameaça para as novas autoridades brasileiras que passaram a governar o território. O presidente da República, de seu gabinete no Rio de Janeiro, a mais de 4 mil km de distância dos problemas acreanos, nomeava sucessivamente militares, magistrados ou políticos derrotados em eleições para governar o primeiro Território Federal.

Afastado do poder, mas ainda com muito cacife político, Castro virou latifundiário e gerenciava um seringal, até que resolveu voltar à política defendendo a criação de um Estado independente. Em agosto de 1908, a situação era de conflito entre ele e o prefeito de Alto Acre, o coronel Gabino Besouro, que o acusou de planejar uma revolta armada. Nesse cenário, depois de comemorar o quinto aniversário da Revolução Acreana, o militar gaúcho deixou Rio Branco em direção ao seu seringal, o Capatará, com seu irmão, Genesco, dois amigos e um funcionário. No dia 9, o grupo cruzou o Igarapé Distração preocupado com o alerta de Castro, conhecedor da região: "Este é o lugar das emboscadas". Mal atravessaram, foram recebidos por 14 homens armados. O militar levou dois tiros à queima-roupa: um no braço, outro que perfurou seu pulmão esquerdo. Ainda assim, conseguiu esporear o cavalo e fugir. Foi socorrido pelo seringalista João Rola, que apareceu com 20 homens e o levou para sua casa, no seringal Benfica. O local foi atacado à noite e no dia seguinte pelo mesmo grupo da emboscada. Antes de morrer, às 16h do dia 11 de agosto, aos 35 anos, pediu ao irmão que levasse seus ossos do Acre. Segundo Genesco, estas foram suas últimas palavras:

- Direi como aquele general africano: "Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei é indigna de possuí-los". Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e sangue as páginas da história do Acre...

Soldado acreano

O nome de Plácido de Castro está inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília, desde 2002, ao lado, entre outros, de dom Pedro I, Duque de Caxias, Santos Dumont e Chico Mendes que, nascido em Xapuri, não fosse pelo militar gaúcho, seria um famoso boliviano.


Meu reino por dois cavalos

Na Bolívia, a culpa pela perda do Acre para o Brasil é creditada até hoje ao presidente Mariano Melgarejo (1820-1871). Ele negociou com o Brasil o Tratado de Ayacucho, de 1867, sobre os limites entre os dois países ainda durante a Guerra do Paraguai. O governo brasileiro, temeroso de criar uma fronteira hostil no norte, topou renegociar o Tratado de Madri, de 1750. O cônsul brasileiro na Bolívia, Regino Correa, conhecia a paixão de Melgarejo por equinos e o presenteou, antes de começar as negociações com um casal de cavalos brancos. Conta-se que o boliviano ficou tão feliz com o presente que deu de presente ao Brasil "dois dedos " de terra marcados no mapa de seu gabinete, pois se tratava de uma área despovoada. O historiador Marcos Neves afirma que a história é "estranha " e muito pouco conhecida no Brasil. Mas reconhece que, à época, era importante para o país neutralizar qualquer possível aliança entre Bolívia e Paraguai.


"A posteridade o julgará" - A furiosa carta da mãe de Plácido de Castro

Em 1929, o senador J. Pires Ferreira apresentou um projeto de lei que promovia postumamente Plácido de Castro a general. A honraria não convenceu a mãe do militar, Zeferina, de 92 anos, que enviou uma carta ao político. A seguir, os principais trechos.

"Chegando ao meu conhecimento que transita pelo Senado Federal um projeto de lei de autoria de Vossa Excelência dando honras de general ao meu pranteado filho, J. Plácido de Castro, e de coronel a dois dos principais cúmplices no seu assassinato - Gentil Tristão Norberto e Antônio Antunes de Alencar -, venho pedir-lhe o grande favor de retirar o nome do meu filho do mesmo projeto.

Em vida, ele nada pediu à sua pátria e nada recebeu além da perseguição, da injúria, da calúnia e da morte por mão das principais autoridades federais; é justo que depois de morto, quando de nada precisa, também nada receba. Os governos já tripudiaram muito sobre o seu nome e sobre a sua memória...

É preciso que a pátria seja coerente: com honrarias póstumas ela não ressuscita a vítima nem lava as máculas do passado. Continue ela a proteger, amparar e distinguir os assassinos, procurando apagar os vestígios da covarde tragédia de 9 de agosto de 1908 e a transformar os criminosos em heróis. Isso é justo: mas que aos 92 anos eu veja o nome do meu filho servir de escada para a ascensão dos seus matadores, isso é demais...

A posteridade julgará meu filho, e é o bastante."


A sequência dos conflitos

Tomada de Xapuri (6 de agosto de 1902)
Início da última e mais sangrenta fase da Revolução Acreana. Xapuri foi tomada pelo exército revolucionário acreano, sem o disparo de nenhum tiro.

1º Combate da Volta da Empresa (18 de setembro)
Tropas de Plácido de Castro são emboscadas e derrotadas na Volta da Empresa (atual Rio Branco) por um pelotão boliviano comandado pelo general Rozendo Rojas.

Combates do Telheiro e do Bom Destino (23 e 24 de setembro)
De Puerto Alonso (atual Porto Acre) partem ataques bolivianos contra os seringais Telheiro e Bom Destino, derrotados pelos revolucionários brasileiros.

2º Combate da Volta da Empresa (5 a 15 de outubro)
Plácido de Castro ataca de novo a Volta da Empresa, que tinha posição estratégica para o domínio do médio Rio Acre. Depois de dez dias de luta toma o povoado.

Combate do Bahia (11 de outubro)
De Xapuri, uma coluna revolucionária parte para o barracão do Igarapé Bahia, mas são atacados e derrotados pelos seringueiros e camponeses bolivianos que formavam a Coluna Porvenir.

Combates de Santa Rosa e Costa Rica (Novembro e dezembro)
Para consolidar o domínio do médio e do alto Acre, Plácido de Castro ataca povoados bolivianos às margens dos rios Abunã e Tahuamano, destruindo-os e vingando o massacre de brasileiros no igarapé Bahia.

Combate de Porto Acre (15 a 24 de janeiro de 1903)
Depois de seis meses de guerra, Plácido de Castro e seus seringueiros vencem o exército regular da Bolívia e tomam o quartel-general em Puerto Alonso. Foi a vitória definitiva da Revolução que tornou o Acre brasileiro.

Fonte: Aventuras na História