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Para
os britânicos, a crise do canal de Suez não significou apenas a perda de um
importante ponto estratégico no Oriente Médio; representou uma humilhante
derrota e o fim de sua hegemonia, em declínio desde a 2ª Guerra Mundial.
Por Dominic Sandbrook
Às cinco horas de uma manhã de outono, grupos
de aeronaves britânicas sobrevoavam a costa do Egito. Depois que os caças da Marinha abriram
caminho, tropas de paraquedistas saltaram, despencando 300 metros até a cidade
de Port Said. Em poucas horas, consolidavam
a invasão do local.
No dia seguinte, começava a segunda fase da operação. Enormes nuvens de fumaça negra subiam do porto egípcio, à medida que helicópteros britânicos rumavam para a praça central, onde uma estátua de Ferdinand de Lesseps, o arquiteto do Canal de Suez, permanecia intacta. À noite, a resistência local já havia sido esmagada e a estrada sul em direção ao canal liberada.
Os soldados agora se encaminhavam para o
objetivo principal embarcados em blindados, bebendo uísque para se aquecerem na
noite fria. De repente, a 32 km da
costa, alguém acenou. Para completa
surpresa da tropa, o comandante avisou que não poderiam mais prosseguir – os
americanos impediam o avanço.
Helicópteros britânicos a caminho de Port Said
Zona
ocupada
As origens da crise de Suez, talvez a maior
humilhação britânica nos tempos modernos, remontam à história do relacionamento
anglo-egípcio. O Egito ficou sob o
domínio da Grã-Bretanha desde o fim do século XIX e, até o começo dos anos
1950, o país europeu mantinha guarnições na Zona do Canal de Suez, uma estreita
faixa de pistas de decolagem e instalações ao lado da grande hidrovia
artificial construída entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho.
Mas, em 1952, um golpe de estado derrubou o
rei Farouk e o substituiu por um governo militar, chefiado pelo carismático coronel
Gamal Abdel Nasser, que havia decidido se tornar a grande expressão do
nacionalismo na região. A ruptura com a
Grã-Bretanha era, portanto, inevitável, uma vez que a autoafirmação egípcia
estava destinada a colidir com os interesses estratégicos britânicos.
Em 1955, Nasser se recusou a participar do
pacto anticomunista de Bagdá e fechou um acordo com a comunista
Tchecoslováquia. Com a Guerra Fria no
auge, Grã-Bretanha e EUA decidiram que o líder egípcio era uma ameaça e, em
julho de 1956, os dois países desistiriam de financiar o projeto de
desenvolvimento da represa de Assuã, no rio Nilo.
Apenas uma semana depois, Nasser se vingou.
No aniversário do golpe que o levou ao poder, ele fez um discurso diante de uma
enorme multidão em Alexandria e anunciou a imediata nacionalização do Canal de
Suez. Seus proprietários, os acionistas
franceses e britânicos, seriam compensados, mas o símbolo supremo do
colonialismo europeu, a hidrovia crucial que levava petróleo do Oriente Médio
ao Ocidente, ficaria em mãos egípcias.
O anúncio chocou o mundo, afetando Londres de
forma mais aguda. A Grã-Bretanha era a
força dominante no Oriente Médio havia muito tempo. Agora, ela era desafiada, e muita gente – no
governo, na imprensa e na sociedade em geral – insistia para que o líder
egípcio fosse impedido.
Anarquia
e caos
A decisão cabia ao primeiro-ministro inglês
Anthony Eden, um conservador que havia sido lugar-tenente de Winston Churchill
durante a 2ª Guerra Mundial e que esperara durante anos a chance de sucedê-lo. Eden havia, finalmente, assumido o governo em
1955 e vencido uma eleição geral, mas sua popularidade estava em queda. Enfraquecido por uma série de doenças e
cirurgias, tinha uma aparência frágil que contrastava com seu irascível vice,
Rab Butler.
Muitos consideram que a maneira como Eden
conduziu o caso foi equivocada. Para
começar, ele encarou o desafio de Nasser de forma pessoal. “Eu o
quero destruído, está entendendo?”, perguntou a um de seus oficiais. “Não
quero uma alternativa, nem quero saber se o Egito está em meio à anarquia e ao
caos.”
O primeiro-ministro britânico Anthony Eden falando à BBC
Convencido que aquela era a oportunidade de
reforçar a posição mundial da Grã-Bretanha, em declínio desde a guerra, Eden
ordenou a mobilização das forças armadas quando as negociações para resolver a
disputa ainda não tinham acabado. Mas em
Washington, o governo de Dwight Eisenhower não estava propenso a embarcar na
empreitada de seus antigos aliados – o presidente norte-americano iria tentar a
reeleição em novembro e temia aborrecer seus eleitores. Sem o apoio dos EUA, Eden foi bater em outra
porta.
Em 22 de outubro, Eden convidou seu ministro
das Relações Exteriores, Selwyn Lloyd, para um encontro secreto em Paris com
seus colegas da França e de Israel. Lá, fecharam um acordo extraordinário:
Israel invadiria o Egito e, logo em seguida, Grã-Bretanha e França dariam um
ultimato para que os dois lados batessem em retirada e aceitassem a intervenção
na Zona do Canal. Quando Nasser recuasse
– o que eles sabiam que aconteceria -, os dois aliados europeus atacariam. Parecia
infalível, embora fosse eticamente questionável.
A operação pode ter entrado para a história
como um fracasso por conta de seus resultados, mas do ponto de vista militar
foi um triunfo. O ataque israelense
ocorreu exatamente como planejado: Grã-Bretanha e França deram o prometido
ultimato e, em 5 de novembro, começou a invasão aliada do Egito. Então, o que deu errado? A resposta, bastante simples, é que os
norte-americanos intervieram.
O motivo da discórdia: Canal de Suez
A poucos dias da eleição presidencial,
Eisenhower ficou furioso ao saber que Eden o enganara. Mas a oportunidade para uma represália não
tardou a surgir, graças ao fator econômico.
Com a libra esterlina sob forte pressão no mercado de câmbio e o
bloqueio do Canal de Suez interrompendo o acesso ao petróleo do Oriente Médio,
a situação da Grã-Bretanha era desesperadora.
Quando representantes do ministério da Fazenda britânico procuraram
ajuda financeira em Washington, receberam uma resposta gelada.
Encarando
a humilhação
E assim, o fim logo veio. Eden teve de se submeter a Eisenhower e fazer
um discurso humilhante na Câmara dos Comuns: “Seu rosto era cinza, com exceção
das bordas negras que cercavam as brasas apagadas de seus olhos. A personalidade parecia completamente ausente”,
registrou um observador. Duas semanas
depois, exausto e alquebrado, o primeiro-ministro foi se recuperar na Jamaica.
Ao voltar, sua saúde continuava em frangalhos e, assim, no dia 9 de janeiro de
1957, Eden renunciou ao cargo com a carreira aparentemente destruída pelo maior
fiasco diplomático da história britânica.
A humilhação pessoal de Eden era comparável à
vergonha de seus generai e também à de seus colegas franceses e israelenses,
que gradualmente retiraram suas tropas e deram espaço às forças de paz das
Nações Unidas. Enquanto isso, Suez
permanecia em mãos egípcias e Nasser saiu como o grande vitorioso. Poucos anos depois de chegar ao poder, ele
assegurava sua reputação como o paladino que ousara puxar o tapete do Império
Britânico.
Posição britânica em Port Said: o Império desmorona
Qual foi o impacto da Crise de Suez na
Grã-Bretanha? A opinião pública estava
dividida: manifestantes lotaram a Trafalgar Square para protestar contra a
invasão, mas boa parte da imprensa apoiou Eden.
O historiador Robert Rhodes James registrou que jovens e idosos apoiavam
fervorosamente o governo e “desprezavam os antipatrióticos socialistas” que se
opunham à guerra. De fato, os números
mostram que Eden era mais popular após a derrocada do que antes, enfraquecendo
o mito de que ele foi destroçado pela opinião pública.
Também é mito que Suez tenha causado o
declínio do Império. A verdade é que o
poder bretão estava minguando de toda forma, graças à dispendiosa participação
do país nas duas guerras mundiais. A
crise no Oriente simplesmente demonstrou isso, de forma incontestável, para o
mundo inteiro.
Para piorar, quaisquer pretensões de
superioridade moral foram demolidas pelas revelações de que Eden conspiravam
com os franceses e israelenses para atacar o Egito. Pierson Dixon, representante britânico na
ONU, raciocinou que “com nossa ação, nos rebaixamos de uma potência de primeira
para uma de terceira classe. Revelamos
nossa fraqueza ao pararmos e jogamos fora a posição moral da qual nossos status
mundial largamente dependia.”
Existe pouca dúvida de que o episódio deixou
marcas profundas na nação. O escritor
Peter Vansittart não estava sozinho quando relembrou ter “sentido uma mudança
nas ruas, bares e lares depois de Suez: uma redução das expectativas, a
sensação de que os tempos bons haviam acabado.”
“Acho que o fracasso no Egito teve um efeito arrasador sobre o moral do
governo britânico. O fedor da derrota
era uma coisa assombrosa”, afirmou um ministro do Partido Conservador. Mais de uma centena de parlamentares assinou
uma moção parlamentar acusando os norte-americanos de “pôr em risco de forma
muito grave a Aliança Atlântica”. E muitas pessoas comuns destilavam sua
amargura contra o velho aliado. “Não
atendemos norte-americanos aqui”, dizia uma placa na entrada de uma revenda de
automóveis em Hertfordshire.
O
fim de uma era
Mais de cinco décadas depois, Suez ainda é um
divisor de águas histórico. Depois de
1956, a Grã-Bretanha nunca mais pôde usar sua força como antigamente. E ninguém duvidava de que o verdadeiro poder
estava em Washington, não em Londres.
Mas o que se costuma esquecer é que a crise no Egito também foi o início
de uma nova era de riqueza e ambição.
Sem o fardo da grandeza imperial, os britânicos estavam livres para se
divertir, esbanjando com carros, aparelhos de TV, máquinas de lavar e toda a
parafernália da sociedade de consumo.
Três anos depois, o fisco no Egito havia sido
esquecido em grande parte e os Conservadores, liderados por Harold Macmillan –
chanceler que assumiu o governo após a renúncia de Eden - , rumava à reeleição. Depois veio o escândalo Profumo, os Beatles e
todo o florescimento cultural dos anos 1960.
Suez pode ter sido o último suspiro do esplendor imperial britânico, mas
foi o tiro de largada para uma nova aventura cultural.
Fonte: Guerras e conflitos do século XX, BBC
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