"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



Mostrando postagens com marcador História Militar da Amazônia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador História Militar da Amazônia. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A REVOLUÇÃO ACREANA (1902-1903)

.

Como um militar gaúcho no comando de um bando de seringueiros destreinados redefiniu o mapa do Brasil e conquistou a região oeste da Amazônia


Por Altino Machado

Era madrugada de 6 de agosto de 1902. A guarnição boliviana ainda dormia na cidade de Xapuri, que muitas décadas depois, já como cidade brasileira, se tornaria famosa por causa do sindicalista Chico Mendes. Um pequeno grupo de 33 seringueiros brasileiros, armados com rifles, desembarcou de suas canoas. Eles subiram o barranco íngreme do Rio Acre e tomaram posição em pontos estratégicos, divididos em três grupos. Os bolivianos estavam exaustos. Haviam comemorado na véspera a data nacional de seu país, com muito, muito álcool. O militar brasileiro Plácido de Castro, que comandava os seringueiros, seguiu em silêncio até a grande casa de madeira onde funcionava a Intendência do país vizinho. Dios Fuentes, o intendente e maior autoridade do local, despertou de um salto e, pensando tratar-se de um compatriota, ainda com sono, foi avisando:
- Es temprano para la fiesta.
Castro retrucou:
- Não é festa, senhor intendente. É revolução.


Terra sem lei

Tão logo o intendente boliviano se rendeu, os brasileiros recolheram as armas e aprisionaram toda a guarnição. Era o começo da Revolução Acreana. Com a população de Xapuri em festa "muitos confundiram o movimento com o Dia da Independência da Bolívia -, Plácido de Castro anunciou o sucesso da revolta e justificou a ação com o argumento de que em troca de favores financeiros, La Paz pretendia entregar a região ao capital norte-americano e britânico na forma do chamado Bolivian Syndicate. A ideia da empresa era ocupar com soldados e explorar o local por pelo menos 30 anos. O Acre era parte da Bolívia, mas a cada ano, entre o final do século 19 e o início do século 20, aumentava o número de brasileiros em suas terras, especialmente nordestinos, que corriam para lá em busca da riqueza da floresta.

Plácido de Castro (sentado ao centro) com integrantes de seu estado-maior

A Bolívia estava disposta a recuperar o território por causa dos lucros que poderia aferir com a borracha, uma das commodities mais desejadas em um mundo que começava a ser desbravado pelo automóvel e pelo uso industrial do látex. O governo brasileiro não pleiteava a região. Portugueses e espanhóis haviam definido que o Acre era boliviano desde 1750, com o Tratado de Madri. Em 1898, o Brasil reconheceu que o território pertencia mesmo à Bolívia. Mas, como era distante, de difícil acesso e em plena Floresta Amazônica, os bolivianos não se dispuseram a colonizar a região. Até aparecer o interesse internacional pela borracha.

O gaúcho Plácido de Castro chegou à Amazônia em 1899, aos 26 anos, depois de viver no Rio de Janeiro e em São Paulo. Três anos depois, seringalistas (os compradores e distribuidores do látex) viram no militar, que havia lutado na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, a oportunidade para ampliar seu território e seus ganhos. Ofereceram a Castro armas, munição e dinheiro para enfrentar os bolivianos. Ele, imaginando que poderia ficar rico demarcando os latifúndios da seringa (era formado em agrimensura), topou treinar e comandar 2 mil seringueiros, a maioria armada com facões.


Estado soberano

A Revolução Acreana, que começou em 6 de agosto, durou pouco. Terminou em 24 de janeiro de 1903, e as ações mais agudas, decididas rapidamente, facilitaram o desfecho favorável aos brasileiros. De acordo com o especialista em história do Acre Marcos Neves, o principal fator do sucesso da empreitada foi o fato de pela primeira vez se formar um exército organizado na região. "Era composto de seringueiros sem experiência, mas foi suficiente para direcionar corretamente os esforços militares necessários", afirma Neves. "E nesse aspecto a experiência de Castro foi fundamental." As tropas bolivianas eram minúsculas.



Depois da vitória militar, coube a Castro organizar a vida política e administrativa do novíssimo Estado Independente do Acre. Seu decreto número 1, de 26 de janeiro de 1903, mandava aplicar a lei brasileira à justiça civil, criminal e comercial, até que se promulgasse a Constituição do Estado soberano. Considerou válidos todos os títulos de propriedade, definitivos ou provisórios, expedidos pela Bolívia e pelo estado do Amazonas. Definiu o português como língua oficial e adotou o padrão monetário do Brasil. Mas encontrou inimigos em seus antigos aliados. "Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto, os principais articuladores da Revolução Acreana com o governo do Amazonas, tornaram-se seus adversários", afirma o professor Eduardo Carneiro, da Universidade Federal do Acre. "Os dois acusavam Plácido de Castro, entre outros, de ter acumulado riquezas com a revolução." Em carta ao Barão do Rio Branco, Rodrigo de Carvalho, ministro da Fazenda, Justiça e Guerra do Estado Independente, não poupou acusações ao "libertador do Acre" em correspondência ao ministro do Exterior brasileiro. "Plácido de Castro não é honesto; é feroz e sanguinário ", registrou.

Nos meses que seguiram à vitória de Plácido na Revolução Acreana, a diplomacia brasileira agiu rápido. O Barão do Rio Branco convenceu os bolivianos a evitar um conflito armado de consequências imprevisíveis na região.


Primeiro território

No dia 17 de novembro de 1903, o Acre foi finalmente incorporado ao Brasil com a assinatura do Tratado de Petrópolis. O país pagou à Bolívia 2 milhões de libras esterlinas (o equivalente hoje a 640 milhões de reais) e indenizou o poderoso Bolivian Syndicate com 110 mil libras (cerca de 35 milhões de reais) por causa da rescisão de contrato de arrendamento que havia sido firmada com o governo boliviano. Também cedeu terras em Mato Grosso e se comprometeu a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para escoar a produção boliviana pelo Rio Amazonas.

Tropas de Plácido de castro em marcha no Acre


No princípio de 1904, o Acre se tornou o primeiro Território Federal da história brasileira. Exemplo de um novo sistema político-administrativo, não previsto na Constituição, pelo qual seria gerido diretamente pela Presidência da República, a quem caberia nomear seus governantes e arrecadar os impostos. Transformado em herói pelos moradores locais, Plácido de Castro tornou-se uma ameaça para as novas autoridades brasileiras que passaram a governar o território. O presidente da República, de seu gabinete no Rio de Janeiro, a mais de 4 mil km de distância dos problemas acreanos, nomeava sucessivamente militares, magistrados ou políticos derrotados em eleições para governar o primeiro Território Federal.

Afastado do poder, mas ainda com muito cacife político, Castro virou latifundiário e gerenciava um seringal, até que resolveu voltar à política defendendo a criação de um Estado independente. Em agosto de 1908, a situação era de conflito entre ele e o prefeito de Alto Acre, o coronel Gabino Besouro, que o acusou de planejar uma revolta armada. Nesse cenário, depois de comemorar o quinto aniversário da Revolução Acreana, o militar gaúcho deixou Rio Branco em direção ao seu seringal, o Capatará, com seu irmão, Genesco, dois amigos e um funcionário. No dia 9, o grupo cruzou o Igarapé Distração preocupado com o alerta de Castro, conhecedor da região: "Este é o lugar das emboscadas". Mal atravessaram, foram recebidos por 14 homens armados. O militar levou dois tiros à queima-roupa: um no braço, outro que perfurou seu pulmão esquerdo. Ainda assim, conseguiu esporear o cavalo e fugir. Foi socorrido pelo seringalista João Rola, que apareceu com 20 homens e o levou para sua casa, no seringal Benfica. O local foi atacado à noite e no dia seguinte pelo mesmo grupo da emboscada. Antes de morrer, às 16h do dia 11 de agosto, aos 35 anos, pediu ao irmão que levasse seus ossos do Acre. Segundo Genesco, estas foram suas últimas palavras:

- Direi como aquele general africano: "Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei é indigna de possuí-los". Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e sangue as páginas da história do Acre...

Soldado acreano

O nome de Plácido de Castro está inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília, desde 2002, ao lado, entre outros, de dom Pedro I, Duque de Caxias, Santos Dumont e Chico Mendes que, nascido em Xapuri, não fosse pelo militar gaúcho, seria um famoso boliviano.


Meu reino por dois cavalos

Na Bolívia, a culpa pela perda do Acre para o Brasil é creditada até hoje ao presidente Mariano Melgarejo (1820-1871). Ele negociou com o Brasil o Tratado de Ayacucho, de 1867, sobre os limites entre os dois países ainda durante a Guerra do Paraguai. O governo brasileiro, temeroso de criar uma fronteira hostil no norte, topou renegociar o Tratado de Madri, de 1750. O cônsul brasileiro na Bolívia, Regino Correa, conhecia a paixão de Melgarejo por equinos e o presenteou, antes de começar as negociações com um casal de cavalos brancos. Conta-se que o boliviano ficou tão feliz com o presente que deu de presente ao Brasil "dois dedos " de terra marcados no mapa de seu gabinete, pois se tratava de uma área despovoada. O historiador Marcos Neves afirma que a história é "estranha " e muito pouco conhecida no Brasil. Mas reconhece que, à época, era importante para o país neutralizar qualquer possível aliança entre Bolívia e Paraguai.


"A posteridade o julgará" - A furiosa carta da mãe de Plácido de Castro

Em 1929, o senador J. Pires Ferreira apresentou um projeto de lei que promovia postumamente Plácido de Castro a general. A honraria não convenceu a mãe do militar, Zeferina, de 92 anos, que enviou uma carta ao político. A seguir, os principais trechos.

"Chegando ao meu conhecimento que transita pelo Senado Federal um projeto de lei de autoria de Vossa Excelência dando honras de general ao meu pranteado filho, J. Plácido de Castro, e de coronel a dois dos principais cúmplices no seu assassinato - Gentil Tristão Norberto e Antônio Antunes de Alencar -, venho pedir-lhe o grande favor de retirar o nome do meu filho do mesmo projeto.

Em vida, ele nada pediu à sua pátria e nada recebeu além da perseguição, da injúria, da calúnia e da morte por mão das principais autoridades federais; é justo que depois de morto, quando de nada precisa, também nada receba. Os governos já tripudiaram muito sobre o seu nome e sobre a sua memória...

É preciso que a pátria seja coerente: com honrarias póstumas ela não ressuscita a vítima nem lava as máculas do passado. Continue ela a proteger, amparar e distinguir os assassinos, procurando apagar os vestígios da covarde tragédia de 9 de agosto de 1908 e a transformar os criminosos em heróis. Isso é justo: mas que aos 92 anos eu veja o nome do meu filho servir de escada para a ascensão dos seus matadores, isso é demais...

A posteridade julgará meu filho, e é o bastante."


A sequência dos conflitos

Tomada de Xapuri (6 de agosto de 1902)
Início da última e mais sangrenta fase da Revolução Acreana. Xapuri foi tomada pelo exército revolucionário acreano, sem o disparo de nenhum tiro.

1º Combate da Volta da Empresa (18 de setembro)
Tropas de Plácido de Castro são emboscadas e derrotadas na Volta da Empresa (atual Rio Branco) por um pelotão boliviano comandado pelo general Rozendo Rojas.

Combates do Telheiro e do Bom Destino (23 e 24 de setembro)
De Puerto Alonso (atual Porto Acre) partem ataques bolivianos contra os seringais Telheiro e Bom Destino, derrotados pelos revolucionários brasileiros.

2º Combate da Volta da Empresa (5 a 15 de outubro)
Plácido de Castro ataca de novo a Volta da Empresa, que tinha posição estratégica para o domínio do médio Rio Acre. Depois de dez dias de luta toma o povoado.

Combate do Bahia (11 de outubro)
De Xapuri, uma coluna revolucionária parte para o barracão do Igarapé Bahia, mas são atacados e derrotados pelos seringueiros e camponeses bolivianos que formavam a Coluna Porvenir.

Combates de Santa Rosa e Costa Rica (Novembro e dezembro)
Para consolidar o domínio do médio e do alto Acre, Plácido de Castro ataca povoados bolivianos às margens dos rios Abunã e Tahuamano, destruindo-os e vingando o massacre de brasileiros no igarapé Bahia.

Combate de Porto Acre (15 a 24 de janeiro de 1903)
Depois de seis meses de guerra, Plácido de Castro e seus seringueiros vencem o exército regular da Bolívia e tomam o quartel-general em Puerto Alonso. Foi a vitória definitiva da Revolução que tornou o Acre brasileiro.

Fonte: Aventuras na História


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

III CICLO DE HISTÓRIA MILITAR DA AMAZÔNIA

.

Alô amigos da Região Norte do Brasil,

A Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército, por meio do seu Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar, promove, em 3 de outubro próximo, a segunda fase do III Ciclo de Estudos de História Militar da Amazônia, com o tema "Amazônia Brasileira: ameaças e desafios".

Esta fase será realizada no auditório do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no endereço e nas condições discriminadas em cartaz anexo.

O Ciclo de Estudos, que ocorre em todo o Brasil, contribui para ações que potencializam o estudo e a difusão da História Militar no país.

Os participantes podem inscrever-se no local e receberão certificado de participação com a carga horária total de 08 horas.



.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

UNIVERSO E UFPA REALIZAM O I WORKSHOP INTERLABORATORIAL DE HISTÓRIA MILITAR

.

No dia 30 de agosto realizou-se, no campus da Universidade Salgado de Oliveira em Niterói-RJ, o I Workshop Interlaboratorial, com a participação de pesquisadores do Laboratório de História Militar e Fronteiras da UNIVERSO e do Laboratório Militares, Poder e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Pará.

Na oportunidade, o editor do Blog Carlos Daróz-História Militar apresentou a pesquisa Trincheiras de papel: a guerra civil de 1932 nas páginas dos jornais.

O editor do Blog apresentando sua pesquisa na Mesa 1 - Forças armadas e fronteiras

O evento foi uma oportunidade ímpar para interação e compartilhamento de conhecimentos com os colegas pesquisadores do Norte do país.

O Blog parabeniza os Prof. Dr. Fernando Rodrigues (UNIVERSO) e William Gaia Farias (UFPA) e todos os integrantes dos laboratórios pelo sucesso do evento.

Integrantes dos dois laboratórios: pesquisas acadêmicas no campo da história militar




.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

UFPA E UNIVERSO REALIZAM WORKSHOP INTERLABORATORIAL DE HISTÓRIA MILITAR

.

No próximo dia 30 de agosto será realizado, em Niterói-RJ, o I Workshop Interlaboratorial de História Militar, promovido pelo Laboratório de História Militar e Fronteiras da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e pelo Laboratório Militares, Poder e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

O evento acadêmico tem por objetivo divulgar as pesquisar mais recentes acerca da temática e estabelecer redes de pesquisa entre as instituições.

A coordenação é dos Prof. Dr. William Gaia de Farias (UFPA) e Fernando Silva Rodrigues (UNIVERSO).



.

domingo, 4 de janeiro de 2015

FORTE DE ÓBIDOS

.


O Forte de Santo Antônio dos Pauxis de Óbidos localiza-se à margem esquerda do rio Amazonas, dominando o estreito de Óbidos, no estado do Pará.

A importância da posição estratégica de Óbidos, trecho onde o rio Amazonas possui sua menor largura foi determinado desde a expedição do Capitão-mor Pedro Teixeira (1637-1639), visto que, uma vez dominada, poderia impedir a entrada de navios inimigos no rio:

"O maior estreito, onde este rio recolhe [as] suas águas, é de pouco mais de um quarto de légua, na altura de 2º 40', lugar que, sem dúvida, destinou a Divina Providência, estreitando ali este dilatado mar doce, para que ali se construísse uma fortaleza para impedir a passagem a qualquer armada inimiga, por maiores forças que traga, entrando pela principal boca deste grande rio, porquanto, entrando pelo rio Negro, ali deveria ser posta a defesa."[i]


O estreito de Óbidos, trecho de menor largura do rio Amazonas. Pedro Teixeira já identificara sua importância estratégica

 

O Forte dos Pauxis


Erguido por determinação do Governador e Capitão-general do Estado do Maranhão, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, foi um dos quatro fortes (os outros foram o Forte do Paru de Almeirim, o Forte de São José da Barra do Rio Negro, e o Forte dos Tapajós de Santarém) erguidos pelo maranhense Capitão Francisco da Mota Falcão, às próprias custas, nos locais que lhe fossem indicados, em troca de receber o governo vitalício de uma delas.  Por motivo de falecimento deste empreiteiro, as obras foram concluídas por seu filho Manoel da Mota Sequeira em 1698, em taipa de pilão, artilhado com quatro peças de pequeno calibre e guarnecido por um destacamento. Foi denominado como Presídio dos Pauxis, nome da tribo indígena que habitava a área, descida pelos frades franciscanos da Piedade juntamente com indígenas do rio Trombetas para a sua construção, e para esse fim ali agora aldeados.

Recebeu a denominação de Forte de Óbidos quando a aldeia dos Pauxis foi elevada à categoria de vila com o nome de Óbidos, em 25 de março de 1758. Além de defesa estratégica, essa estrutura funcinou como um Registro, atendendo à fiscalização para cobrança dos dízimos da Coroa Real, das embarcações que percorriam o grande rio, de ou para a Capitania de Mato Grosso e Capitania de São José do Rio Negro.
Já em 1749, sob o comando do Capitão Balthazar Luiz Carneiro, necessitava de reparos mais sérios:

"(...) suposto tenha só a cortina da parte do mar arruinada e que só desta reedificação careça, e de emboço e reboco; contudo esta Fortaleza se acha edificada sobre uma alta ribanceira, a qual o tempo tem demolido, de sorte que dificilmente pode passar qualquer homem entre a beirada da dita ribanceira e a Fortaleza, e achando-se assim esta no princípio de cair nas primeiras invernadas, parece que seria mais acerto fazer-se a dita Fortaleza de novo, por se não pôr no perigo de perder-se o dispêndio, recuando-a para dentro, o que fosse necessário."[ii]

Na falta de recursos do Governo, o Capitão Ricardo Antônio da Silva Leitão, comandante da praça, procedeu-lhe reparos, louvados pelo governador e Capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1751-1759) àquele oficial por Ofício de 9 de março de 1753. Naquele momento, o forte contava apenas com três canhões, sete balas de artilharia, 2 arrobas e 18 libras de pólvora, 20 libras de chumbo, 46 libras de balas de mosquetaria, cinco baionetas, reduzindo-se o efetivo ao capitão comandante, um tenente, um sargento ajudante e seis praças.

Canhões do Forte de Óbidos apontados para o rio Amazonas

Em 1758, a aldeia dos Pauxis foi elevada à categoria de vila com o nome de Óbidos. A fortificação encontrava-se em mau estado de conservação, por notícias anteriores do Mestre de Campo José Miguel Aires, e posteriores, de Henrique José de Vasconcelos.

Anos mais tarde, o efetivo estava reduzido a um soldado e a um sargento, sendo que, à falta de soldados, a esposa deste já havia dado guarda mais de uma vez.[iii]

Em 1784 a fortificação constituía-se em um pequeno quadrado de muralhas, os ângulos reentrantes e dois meio-baluartes.


O forte imperial


Apesar de recomendações para a sua reconstrução durante o período colonial (1749-1784), desabada a cortina pelo lado do rio, apenas no Segundo Império é que a praça foi recuperada, com a elevação da vila a cidade, em 2 de outubro de 1854. Nesse ano, o governo imperial iniciou a reconstrução, sob a orientação do Major de Engenharia Marcos Pereira de Salles, na forma de um reduto semicircular com parapeitos à barbeta, artilhado com dez peças de diferentes calibres, entre as quais quatro canhões Armstrong.

No Relatório do Ministério da Guerra de 1858, o Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho informava terem se despendido nas obras, até à data, 72 000$000 réis, sendo necessário gastar ainda mais:
·                     12:000$000 réis em obras de arremate;
·                     68:000$000 réis para erguer uma bateria complementar, ao lume d'água;
·                     21:000$000 réis para novas baterias, no sopé da serra da Escama, a cavaleiro, e de uma Capela;
·                     88:000$000 para a fortificação da margem oposta do estreito de Óbidos

Em 1860, a fortificação foi visitada em passagem pelo Tenente-Coronel Hilário Maximiniano Antunes Gurjão, herói da batalha de Itororó, que acompanhava o então presidente da Província.

Canhões coloniais com seus projéteis preservados diante do Forte de Óbidos

O incidente com os navios a vapor peruanos "Morona" e "Pastazza" (1862), que desobedecendo ordens de Belém, forçaram a sua passagem em frente a Óbidos, recebendo o primeiro apenas um tiro inofensivo no costado, demonstrou a fragilidade da fortificação, bem como a necessidade dessas obras complementares de defesa, para as quais o Ministro da Guerra, Ângelo Moniz da Silva Ferraz, chamava a atenção em 1866.  O padre Francisco Bernardino de Souza, referindo-se ao discurso de um deputado amazonense, cita:


"Construiu-se há pouco tempo um fortim na raiz da serra; esse fortim parece mais um brinquedo de criança do que um complemento de fortificação; monta três peças sem ter o necessário espaço para o seu recuo, nem para conter as respectivas guarnições."[iv]


Em 1868, sendo titular da pasta da Guerra João Lustosa da Cunha Paranaguá, foram procedidas obras como: a construção de uma plataforma corrida em cantaria de Lisboa, arrecadação (armazém) de armamento e quartel, ficando fechada por duas cortinas, uma a Leste e outra a Oeste, e protegida pela margem do rio. Montaram esses reparos a 13:000$000 réis. Pequenos reparos foram procedidos em 1875, e em 1889, quando se encontrava classificada como fortificação de 2ª Ordem.[v]


O forte na República


O forte sofreu novas intervenções de reparos em 1909 e 1911. No auge da Questão do Acre (1902-1903) foi guarnecido com um contingente de ocupação. De 1902 a 1911 uma nova estrutura foi levantada, na serra da Escama, para complemento da sua defesa (Forte Gurjão). À época da 1ª Guerra Mundial, este conjunto defensivo estava guarnecido pelo 4º Batalhão de Artilharia (1915), tendo caído nas mãos dos revolucionários tenentistas de 1924, no Amazonas. A partir de 1930, ambos os fortes foram desarmados, permanecendo o quartel guarnecido por um destacamento da 8ª Região Militar.

Canhão Vickers-Armstrong de 152,4mm rodeado pela floresta no Forte Gurjão

Durante a 2ª Guerra Mundial, foi ocupado sucessivamente por uma bateria de Artilharia e por uma Companhia de Infantaria. Com o fim do conflito, o forte ficou guarnecido por um pequeno contingente militar, tendo ali funcionado uma estação de rádio do Exército Brasileiro, de grande utilidade para a população. Em 1967 tudo foi retirado, tendo a Prefeitura de Óbidos se esforçado para manter o acervo material que restou.[vi]

A partir de 2012, o Forte de Óbidos teve iniciadas obras de restauração, no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas, patrocinado pelo Ministério da Cultura.  As obras ainda estão em andamento. Atualmente o Forte de Óbidos está aberto ao público no centro histórico da cidade, bem como as ruínas do Forte Gurjão. 

Fonte: adaptado da Wikipedia







[i] ACUÑA, Cristóvão d'. Novo descobrimento do grande rio das Amazonas. 1641. RIHGB. Rio de Janeiro: Tomo XXVIII, Vol. XXX, Parte I, 2º Trim/1865. p. 187.
[ii] Relatório do Capitão de Ordenanças José Miguel Ayres acerca do estado das fortificações mantidas ao longo do Amazonas datado de 4 de janeiro de 1749
[iii] D. frei João de São José. Viagem e Visita do Sertão em o Bispado do Grão Pará em 1762 e 1763.
[iv] SOUZA, Pe. Francisco Bernardino de (Relator). Comissão do Madeira (3ª parte). 1874. apud: op. cit., p. 66
[v] GARRIDO, Carlos Miguez. Fortificações do Brasil. Separata do Vol. III dos Subsídios para a História Marítima do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1940, p.19-20.
[vi] OLIVEIRA, José Lopes de (Cel.). "Fortificações da Amazônia". in: ROCQUE, Carlos (org.). Grande Enciclopédia da Amazônia (6 v.). Belém do Pará, Amazônia Editora Ltda, 1968, p.745.

sábado, 15 de agosto de 2009

PERSONAGENS DA HISTÓRIA MILITAR - CAPITÃO-MOR PEDRO TEIXEIRA


* ??/??/1585 - Cantanhede - Portugal

+ 04/07/1641 - Belém 


"Tomo posse destas terras, se houver entre os presentes alguém que a contradiga ou a embargue, que o escrivão da expedição o registre."

Pedro Teixeira nasceu na Vila de Cantanhede, situada a cerca de 20 km ao Nordeste de Coimbra – Portugal, em 1585. Pouco se conhece sobre sua família e primeiros anos de vida. Sabe-se que, desde criança, foi muito forte, adquirindo na fase adulta uma compleição invejável que o tornou talhado para a vida agreste.

Após a expulsão dos franceses do Maranhão em fins de 1615, o governo português determina o envio de uma expedição à foz do rio Amazonas, com vistas a consolidar sua posse sobre a região. A força expedicionária lusa foi constituída por três companhias. Como subalterno de uma delas, seguia o então alferes Pedro Teixeira.

A 12 de janeiro de 1616, a tropa entrou na Baía de Guajará. Desembarcou numa ponta de terra firme, onde desde logo foram iniciadas as obras de instalação e defesa. Em local bem selecionado, foi erguido o Forte que tomou o nome de Presépio, origem da atual cidade de Belém.

O destemido desbravador prossegue prestando inestimáveis serviços à coroa portuguesa. Combate holandeses e ingleses em muitas refregas, bem como realiza várias entradas de exploração dos sertões amazônicos. Em princípios de 1622 foi encarregado de abrir uma estrada que ligasse as capitanias do Pará e do Maranhão. Tal empreendimento não foi concluído por terem surgido grandes dificuldades, especialmente pela grande profusão de rios a atravessar.
.
Continuavam os holandeses a importunar a fixação dos portugueses na região. Foi incumbido Pedro Teixeira da destruição dos fortes holandeses «Nassau» e «Orange», incumbência que cumpre do melhor modo. Em 2 de Maio de 1625 foi entregue ao Capitão Pedro Teixeira a chefia duma expedição para destruir o forte holandês Mandiutuba, situado na margem direita do rio Xingu. A frente de cinquenta soldados e setecentos índios guerreiros, atacou simultaneamente o forte por terra e pelo rio. Apesar da valente resistência do capitão Nicoláo Ondaen e da sua bem organizada tropa, ao cair da noite o forte estava em poder das tropas portuguesas.


A maior de todas as suas façanhas teria início em outubro de 1639. À frente de 2.500 pessoas, entre militares, índios e familiares, empreende viagem de exploração da calha do rio Amazonas, partindo de Belém. Empregando cerca de cinquenta grandes canoas, atinge Quito, no Equador, e regressa a Belém depois de haver percorrido mais de 10.000 km de rios e trilhas. Com esse feito – um dos maiores da História do Brasil – contribuiria para assegurar a posse de vasta porção da bacia amazônica por parte de Portugal.

Como reconhecimento pelos seus 25 anos de profícuos serviços ao Rei de Portugal, Pedro Teixeira foi nomeado para o cargo de Capitão-Mor do Grão-Pará. Tomou posse em fevereiro de 1640. Infelizmente, sua gestão foi curta, durando até maio de 1641. A 4 de julho desse ano faleceu na mesma Belém que auxiliou a fundar e consolidar.

Mais de três séculos após sua morte, os empreendimentos de Pedro Teixeira ainda causam admiração. As lutas travadas contra os invasores estrangeiros e a exploração da bacia amazônica fizeram-no um dos maiores heróis da então Colônia no século XVII.

Por isso, sua figura representa o símbolo da luta pela preservação da soberania brasileira sobre a Amazônia.

.