"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A UM PASSO DO CONFRONTO NUCLEAR





Crise dos mísseis em Cuba completa 50 anos.  EUA e URSS estiveram perto de se enfrentar, mas testemunhos apontam para blefes de ambos os lados


Por João Batista Natali


A crise começou em 14 de outubro de 1962, e o mundo chegou bem perto de um confronto nuclear. Naquele dia, um avião americano de espionagem U-2 registrou, em Cuba, a construção de uma base de lançamento de mísseis soviéticos.

O presidente John Kennedy, em pouco tempo, decretou uma quarentena aérea e naval da ilha governada por Fidel Castro. Para os americanos, a prioridade era impedir que chegassem bombas atômicas para os lançadores em instalação. Kennedy também exigiu que o líder soviético Nikita Khruschov interrompesse aquela "ameaça à segurança interna dos Estados Unidos".

A tensão durou 14 dias. Em 28 de outubro, o secretário-geral da ONU, o birmanês U Thant, anunciou um acordo pelo qual os russos repatriariam o armamento. Em troca, e em carta reservada a Khruschov, Kennedy prometeu retirar da Turquia mísseis nucleares Júpiter, apontados contra a União Soviética.

Imagens feitas por aviões espiões americanos mostrando a instalação de base de mísseis em Cuba



A crise dos mísseis não traz mais muitos segredos. Uma dezena de seminários reuniu, até os anos 90, acadêmicos e protagonistas já aposentados. O que eles relatam são dimensões factuais que se sobrepõem umas às outras naquele momento agudo da Guerra Fria. Havia, em primeiro lugar, as ameaças reais sofridas por Cuba. O regime local, instalado em janeiro de 1959, declarou-se comunista em 1961. Naquele mesmo ano, a CIA patrocinou a malograda operação na baía dos Porcos, invasão de exilados armados para reconquistar o país.

O problema estava em saber, em 1962, se uma nova investida militar americana estava a caminho. Robert McNamara, o secretário da Defesa, afirmou em dois encontros acadêmicos bem posteriores que não era o caso. Foi também o que disse, em 1989, o influente secretário de imprensa da Casa Branca, Pierre Salinger.  Mas tudo indica que Kennedy blefava para manter Moscou sob tensão. É a explicação que se dá às "diretrizes 314 e 316", nomes de código de uma nova invasão, que o almirante americano Robert Dennison disse ter recebido. O Kremlin acreditava que a ameaça era real e tentou alopradamente proteger seu pequeno aliado.

A ameaça: de Cuba, os mísseis soviéticos poderiam atingir, rapidamente, qualquer parte do território americano

      
As relações entre as superpotências estavam, àquela altura, bem azedas. Os americanos reagiam na defensiva depois da crise de Berlim, quando em 1961 os russos bloquearam o abastecimento da cidade e, em seguida, construíram o muro entre os setores oriental e ocidental.

Em princípio, seria por aquela região, na divisa entre os dois blocos, que deveria permanecer confinada a Guerra Fria. Os soviéticos seriam dissuadidos por resposta nuclear americana se invadissem território ocidental. E aconteceria o mesmo com os americanos caso invadissem a Alemanha Oriental ou a Polônia. Pequeno detalhe: um confronto nuclear acabaria com a humanidade.

Quanto ao regime cubano, os encontros acadêmicos demonstram de forma patética o papel de Fidel como coadjuvante, sem nenhum poder de interlocução. Se os mísseis fossem instalados, os cubanos não teriam acesso aos códigos de disparo, afirmou anos depois um dos filhos de Khruschov, engenheiro envolvido na operação.

Assim, não passou de pura bravata a afirmação de Ernesto Che Guevara ao "Daily Worker", jornal comunista britânico, de que seu regime, para evitar nova invasão, pretendia lançar pequenos artefatos nucleares em território americano. Simples assim: uma guerra atômica preventiva. Pura insensatez.

Destróier americano intercepta um cargueiro soviético que transporta mísseis durante o bloqueio marítimo a Cuba


Há, por fim, dois blefes soviéticos nessa história. Eles deixaram vazar para os EUA que instalariam em Cuba 42 bombas atômicas. Os americanos acreditaram que era uma parcela pequena do arsenal inimigo em potencial. Mas, com o fim da URSS, ficou patente que as 42 bombas eram quase tudo o que Moscou possuía.

Por fim, a CIA foi informada de que 10 mil soldados soviéticos estavam em Cuba, somando-se aos 270 mil das forças locais. Era mentira: os soviéticos eram em verdade 47 mil. Ou seja, uma suposta nova invasão envolveria diretamente bem mais gente do Exército Vermelho, com consequências inimagináveis.


Fonte: Folha de São Paulo

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