"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



quarta-feira, 5 de maio de 2021

DA CÓRSEGA AO EGITO, BICENTENÁRIO DA MORTE DE NAPOLEÃO INSPIRA VIAGENS PELO MUNDO

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 Influência de imperador francês se nota em diversas partes da Europa e até mesmo no Rio de Janeiro

Por Eduardo Vessoni

Ele aterrorizou nações, conquistou meia Europa e tinha grande habilidade para comandar exércitos. Mas terminaria seus últimos anos isolado no meio do Oceano Atlântico, cuidando de jardins, ditando memórias a um criado e construindo uma gangorra na sala de bilhar.

Da Itália ao Egito, o império de Napoleão Bonaparte, cujo bicentenário de morte é no próximo dia 5, foi feito de conquistas e títulos. Já os extremos de sua vida foram marcados por isolamento em ilhas (no nascimento e na morte, na alegria e no exílio).

Na Córsega, onde a França insular quase toca a Itália na vizinha Sardenha, no Mar Mediterrâneo, fica a Maison Bonaparte, museu na casa de três andares onde nasceu o imperador. Foi ali na capital Ajaccio, em 1769, que ele passaria seus primeiros nove anos diante de praias de areias brancas e águas turquesas. Hoje, o lugar guarda parte do acervo da família instalada na ilha desde o final do século XV. Segundo Vincent Cronin, autor de “Napoleão: uma vida” (editora Manole), foi ali que o general, primeiro cônsul e imperador da França herdou alguns dos “valores corsos” da carreira: senso de justiça, vingança e “uma obsessão um tanto doentia com mortes violentas”.
 
 
Uma fortaleza natural
 
Quem visse aquele homem entediado e doente cuidando de jardins e hortas, no final da vida, nem poderia imaginar seu currículo controverso. Após a Batalha de Waterloo na atual Bélgica, a última da carreira, Napoleão foi levado a Santa Helena, uma das ilhas mais remotas do mundo, cujo pedaço de terra a mais perto fica a 1.125km, na Ilha de Ascensão, no Atlântico Sul. Destino turístico de trilhas exigentes em terreno vulcânico e mergulhos em águas com visibilidade de até 40 metros, a ilha tem Napoleão como uma das principais atrações.
 
Vista aérea da Ilha de Santa Helena, território britânico no Atlântico Sul, onde Napoleão Bonaparte passou seus últimos anos de vida
 
Foi ali que ele passou recluso os últimos cinco anos e meio de vida, sob olhares de dezenas de soldados britânicos, na Longwood House, sobre um platô desprotegido dos ventos violentos. Aliás, esta é uma das razões para o primeiro aeroporto da ilha só ter sido inaugurado em 2016 e a primeira operação comercial ser apenas no ano seguinte, quando um Embraer 190 provou dar conta daquela ventania toda. Este chamado Território Ultramarino Britânico foi escolhido por sua localização remota, numa espécie de fortaleza natural a cinco de dias de navegação da Cidade do Cabo, na África do Sul.

“Os britânicos esperavam que Napoleão fosse esquecido logo. Mas estavam enganados, pois conseguiu manter contato com a Europa”, diz o chefe da Fondation Napoléon, Pierre Branda, em vídeo promocional do “2021 Année Napoléon”, série de atividades criadas na França para marcar o bicentenário e que vem provocando controvérsia, opondo quem vê Napoleão como herói e quem o vê como vilão sanguinário que não merece receber homenagens. 
 
 
Urna no Palácio dos Inválidos, em Paris, onde os restos mortais de Napoleão Bonaparte

 
Até o início da pandemia, a casa e o túmulo eram as atrações turísticas mais procuradas em Santa Helena. No próximo dia 5, os jardins serão abertos com toques de cornetas e leitura de trechos do diário de confidências do general Henri Bertrand, um dos colegas que acompanharam Napoleão em seu último exílio. Vale dizer que, desde 1840, seus restos mortais estão guardados em um túmulo de quartzito vermelho na cripta do Palácio dos Inválidos, um marco em Paris.

Napoleão era chegado a armas, sobretudo canhões, mas tinha uma queda por artes e inovações. Em Paris, introduziu a iluminação a gás na cidade, fez o primeiro calçamento da capital francesa na Rue du Mont Blanc e ordenou a construção do Arco do Triunfo. Em Roma, cujo modelo imperial inspiraria seu planos de expansão, criou praça, jardim e restaurou o Panteão.
 
 
Pedra no caminho
 
No Egito, durante a campanha para ocupar o nordeste africano e a Índia, onde atacaria os britânicos, o capitão Bouchard, que liderava o exército de Napoleão, descobriu a Pedra de Rosetta, que ajudaria, anos mais tarde, a decifrar hieróglifos egípcios. Em exposição no Museu Britânico de Londres, a peça de 196 a.C. é considerada a pedra mais famosa do mundo.
 
Descoberta por uma missão científica ordenada por Napoleão no Egito, a Pedra de Rosetta hoje em dia pode ser vista no British Museum, em Londres
 
Na América Latina, seu legado indireto foi a Missão Artística Francesa, comitiva de escultores, pintores e arquitetos que chegou ao Brasil em 1816, talvez em busca de trabalho após a queda de Napoleão.

A mesma Corte portuguesa que fugira às pressas de Lisboa com medo de uma invasão das tropas napoleônicas contrataria os serviços de artistas bonapartistas como Jean-Baptiste Debret, autor do gigantesco quadro “A coroação de D. Pedro I”, hoje no Palácio do Itamaraty, em Brasília, e cerca de 800 aquarelas, atualmente no Museu da Chácara do Céu, em Santa Teresa, que retratam o cotidiano do Rio naquele começo de século.
 
 
Calendário de mostras para marcar bicentenário de morte de Napoleão
 
Há diversos eventos programados na França. Muitos museus estão fechados por conta da pandemia e se preparam para reabrir. Na internet, é possível ter um aperitivo das exposições. Confira alguns destaques.

Napoléon? Encore!’. Artistas contemporâneos como a sérvia Marina Abramovic expõem trabalhos inspirados no militar. De 7 maio a 30 de janeiro de 2022, no Museu das Armas, em Paris (musee-armee.fr)

La mémoire des Bonaparte em Corse’. Dedicada aos monumentos públicos erguidos em homenagem aos Bonaparte. De 18 de maio a 11 de julho, no Castelo de Malmaison, em Hauts-de-Seine (musees-nationaux-malmaison.fr)

Dessiner pour Napoléon’. Mais de 1.300 documentos, como mapas e plantas, foram restaurados para a exposição. Abriu em março e vai até 19 de julho, no Arquivo Nacional, em Paris (archives-nationales.culture.gouv.fr)

Napoléon n’est plus’. Mais de 200 objetos relacionados aos mistérios da morte de Napoleão. Até 19 de setembro, no Museu das Armas, em Paris (www.musee-armee.fr)

L’exposition Napoléon’ — Peças de diversos museus, como móveis e objetos de arte, ajudam a recontar a vida do militar francês. Até 19 de setembro, no centro cultural Grande Halle de la Villette, em Paris (expo-napoleon.fr)
 
 
Fonte: O Globo
 

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