"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A BATALHA NAVAL DE ABROLHOS (1631)

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No dia 12 de setembro de 1631 duas poderosas esquadras, uma holandesa e outra luso-espanhola, confrontaram-se em águas brasileiras a 80 milhas do arquipélago dos Abrolhos.  Conheça a história desta batalha.


A notícia da vinda dos navios de Oquendo chegou à Pernambuco no dia 19 de agosto, quando um dos cinco iates holandeses, enviados para patrulhar a barra da Baía de Todos os Santos, aportou no Recife.  Após rápidos preparativos, o general Adriaen Pater zarpou com sua esquadra no último dia de agosto, com a intenção de forçar a armada luso-espanhola a se fazer ao mar e combater em uma batalha decisiva.  No entanto, cumprindo as determinações do conselho de guerra e sem saber da partida dos navios holandeses, a armada de D. Antônio de Oquendo deixou o porto de Salvador quase na mesma data, para cumprir a primeira etapa de sua missão e desembarcar as tropas em um local que proporcionasse segurança para a operação, provavelmente o Cabo de Santo Agostinho.

Uma hora antes do pôr do sol do dia 11 de setembro, os vigias holandeses avistaram a esquadra luso-espanhola na altura do arquipélago dos Abrolhos.  A esquadra de D. Antônio de Oquendo seguia bastante reforçada, com 17 galeões, 12 caravelas e 24 navios mercantes – que seguiam carregados de açúcar – totalizando 53 navios.  Embora sua armada possuísse apenas dezesseis navios de guerra, o almirante holandês Adriaen Pater não conseguiu, ao entardecer e à distância, avaliar corretamente o tamanho da frota luso-espanhola e julgou que se tratava de um poder naval equivalente ao seu.  Com efeito, ao cair da noite o comandante neerlandês convocou os capitães dos navios para um conselho de guerra a bordo do navio capitânia Prins Willelm, onde decidiu manter o contato com a esquadra inimiga e dar combate aos navios portugueses e espanhóis na manhã seguinte, atacando-os aos pares.  Johannes de Laet descreveu as providências tomadas por Pater com vistas à preparação do combate para o dia seguinte: 

“No dia 11, o general avistou a frota espanhola uma hora antes do pôr do sol, a sul-sueste e a sueste.  Então o general avisou seus barcos com as bandeiras e também despachou o iate Nieuw Nederlandt, que corria atrás da nau capitânia, para todos os demais navios com instruções para que se preparassem para a ação e para que se mantivessem juntos.  Navegaram de sueste a sul a noite inteira, em noite de lua clara. Assim, ao amanhecer, a frota espanhola estaria posicionada a este-sueste da esquadra.  Os espanhóis tinham a força de 53 navios, até onde se podia contar.  O general Pater, então a um quarto de milha do inimigo, convidou todos os capitães a bordo do seu navio e deu ordens para que acostassem todos os galeões espanhóis dois a dois contava com 16 vasos e iates e estava incorretamente informado sobre a força inimiga, acreditando na existência de apenas oito galeões na frota, e admoestou fortemente cada homem a agir valentemente, pois todo o bem-estar da Companhia e a honra da marinha dependiam disso.”

D. Antônio de Oquendo, comandante da esquadra luso-espanhola


Ao amanhecer do dia 12 de setembro de 1631, os holandeses se surpreenderam com o tamanho da armada luso-espanhola, mas, mesmo em inferioridade numérica, Pater ordenou o início do ataque. No entanto, diante da superioridade dos espanhóis, muitos capitães holandeses se omitiram e conservaram seus navios fora do alcance dos canhões inimigos e, até mesmo, recusaram o combate. O Prins Willelm, comandado pelo próprio almirante Pater e o Walcheren lançaram-se contra o galeão-capitânia de Oquendo, o Santiago de Oliste, enquanto o almirante Maerten Thyssen dirigiu seu ataque contra o San Antonio, navio do almirante D. Francisco de Vallencilla. Thyssen foi bem sucedido em sua investida e conseguiu afundar o San Antonio com grande perda de vidas entre os espanhóis – dos 400 tripulantes do galeão, cerca de 250 morreram –, inclusive o almirante Vallencilla. 

Pater, no entanto, não teve a mesma sorte e seu navio incendiou-se após ser atingido pelos canhonaços espanhóis. Apesar de permanecer queimando por várias horas antes de afundar, nenhum capitão holandês teve a coragem ou o desprendimento para socorrer o seu general, que terminou se afogando, com boa parte de sua tripulação. Jacob Janssen Hes, um tripulante do Prins Willelm que conseguiu sobreviver ao incêndio e ao naufrágio, descreveu o desespero dos homens e os últimos instantes de vida do general Adriaen Pater: 

“Abandonados a bordo do nosso navio em chamas, cercados de inimigos, lançamo-nos à mercê das ondas, sobre tábuas e paveses, cada qual como melhor pôde; assim também o senhor general Pater postou-se sobre o mastro do gurupês para se salvar; mas, estando este mastro ainda em parte ligado pela cordoalha, não era possível permanecer sentado nele por causa da agitação das vagas e o senhor general afogou-se, e com ele a maior parte da equipagem.” 

Típico navio holandês do século XVII
 

Posteriormente, após retornar ao Recife, o almirante Thyssen enviou relatório ao Conselho dos XIX dando ciência da batalha:

"Seguimos em direção ao inimigo e, chegando perto, o nobre Sr. Almirante-general [Pater] fez sinal para que se reunissem a bordo da capitânia todos os capitães, a fim de deliberarmos sobre a ordem a seguir no ataque. Ficou assentado que cada um dos navios grossos do inimigo seria atacado por dois nossos, que procurariam tomar ou destruir o adversário, conforme a ocasião. E isto assim assentado e por todos aprovado, dirigiu-se cada qual para seu navio e juntos seguimos contra o inimigo. Eram cerca de dez horas da manhã quando eu abordei o navio do Almirante Balezilla [Vallencilla], e o Sr Almirante-genaral Pater, a capitânia do General D. Antônio de Oquendo; e já eram passadas as quatro da tarde quando a almiranta espanhola foi a pique e tomamos um galeão chamado 'San Buenaventura', que viera em auxílio do dito Balezilla. A resolução de abordar, porém, que havia sido tomada pelo Sr. Almirante-general e por todos os capitães, foi observada apenas por poucos, isto é, somente por Jan Mast, capitão do 'Walcheren', que deveria secundar o Sr. Almirante-general, e pelo 'Provintie van Utrech', que se juntou comigo. Durante o combate, ateou-se fogo também no navio do Sr. Almirante-general Pater. O navio queimou-se, salvando apenas cinco homens." 

Com as últimas luzes do dia, as duas esquadras cessaram o combate e se afastaram, ambas contabilizando graves perdas. Os holandeses perderam os navios Prins Willelm e Provintie van Utrech, além de cerca de 500 homens, dentre os quais figurava o almirante-general Adriaen Pater. Os navios que se engajaram efetivamente no combate e escaparam de ser afundados apresentavam severas avarias, conforme observou Ambrósio Richshoffer no porto do Recife, imediatamente após sua chegada, em 22 de setembro: “[os navios] estavam por dentro e por fora tão salpicados de carne humana, miolos e sangue, que foi preciso raspá-los com vassouras; o que foi horrível de ver-se.” 

Depois de atingido, galeão espanhol afunda, enquanto a tripulação luta pela sobrevivência


Apesar das perdas, no entanto, os holandeses conseguiram capturar um grande galeão espanhol, o San Buenaventura, que, depois de ser recuperado, foi incorporado à marinha da Companhia das Índias Ocidentais. Os capitães dos navios Dortrecht, Groeningen, Memmlik e Amersfoort, que haviam se omitido durante a batalha, foram julgados e sentenciados a morte, por enforcamento. Para a WIC, eles haviam contribuído decisivamente para a morte do almirante-general, ao não acorrerem em seu socorro, pois o navio-capitânia incendiou-se durante muito tempo antes de afundar. A sentença foi cumprida no Recife. O almirante Maerten Thyssen, em reconhecimento às suas ações durante a batalha, recebeu um assento no Conselho Político da Companhia em Pernambuco.


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"A guerra do açúcar: as invasões holandesas no Brasil"


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