"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



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terça-feira, 16 de junho de 2020

BATALHA DO GELO (1242): ALEXANDER NEVSKY CONTRA OS CAVALEIROS TEUTÔNICOS

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Em 1242, com uma brilhante armadilha, Alexander Nevsky levou ao fundo os Cavaleiros Teutônicos


Por Sergio Cauti

Santo para a Igreja Ortodoxa, herói para o povo, mito para a Rússia. Protagonista central de eventos que realinharam o equilíbrio religioso e político no Leste Europeu, na Idade Média, e grande líder militar e político. O príncipe Alexander Nevsky foi tudo isso. O feito que lhe garantiu lugar na História e no imaginário mundial foi a vitória em uma batalha decisiva para a nação russa, travada sobre um lago congelado. A Batalha do Gelo foi um confronto modesto diante de épicos que mudaram a História, como Waterloo e Stalingrado. Mas mudaria para sempre o destino da Rússia.


Ataques de vikings

Os antecedentes do confronto tem lugar décadas antes. Na primeira metade do século XIII, a Rússia Kieviana – primeiro grande Estado eslavo da História – era uma mistura de etnias e culturas e vivia um período de prosperidade. Isso até os vikings dominarem a região. Mas Kiev entraria definitivamente em colapso em 1240, quando o mongol Batu Khan, descendente de Gêngis Khan, tomaria definitivamente a capital da Rússia. Os príncipes russos sobreviventes e as cidades-estado que não foram destruídas submeteram-se ao Khan, que fundou na região o Canato da Horda Dourada, anexando-o ao Império Mongol.

Novgorod estava entre as poucas que escaparam. Unindo habilidade política ao pagamento de pesados tributos aos mongóis, conseguiu manter sua independência. Mas na Idade Média, bonança atraía violência. Se Novgorod escapara da ameaça dos mongóis vindos do leste, estava prestes a enfrentar um perigo maior: os europeus, que pressionavam do oeste. Os suecos foram os primeiros.

Queriam controlar as ricas rotas fluviais entre o Báltico e o Mar Negro. Com uma forma de governo rara para a época, Novgorod escolhia, entre a aristocracia, o Kniaz, um príncipe com o mandato temporário de comandante político e militar. O cargo era revogável pela assembleia do povo, a Vetche. O Kniaz de então era Alexander Jaruslavic, de 19 anos.

Jaruslavic e sua pequena armada atacaram o Exército sueco às margens do Rio Neva, destruindo-o completamente. Foi tão definitiva a derrota, que a vontade dos suecos em conquistar o território russo desmoronou. A vitória mudaria o sobrenome de Jaruslavic para Nevsky (em russo, do Neva). Mas faria surgir forte inveja na aristocracia, os chamados boiardos, o que obrigaria o Kniaz a se exilar. Logo, uma ameaça bem pior do que os suecos faria a aristocracia mudar de ideia. Uma ordem de monges guerreiros de origem alemã, os Cavaleiros Teutônicos, invadira a vizinha Livônia, atual Letônia, que havia se tornado o epicentro das Cruzadas do Norte.

Alexander Nevsky, comandante militar e santo na Igreja Ortodoxa
 
O que os movia era o impulso de levar o cristianismo, pela espada, aos povos pagãos da Europa do Leste. Novgorod professava o cristianismo ortodoxo. Mas, se algum cavaleiro teutônico foi tomado por alguma dúvida moral sobre uma possível luta de cristãos contra cristãos, o papa Gregório IX, não. Abençoou a expansão como forma de glorificação do catolicismo.

Os cruzados avançavam em direção de Novgorod e os boiardos chamaram o príncipe de volta. A ofensiva teutônica começou no inverno de 1240. Os cruzados chegaram com sua pesada cavalaria. Devastaram e saquearam o que encontraram pela frente e conquistaram Pskov, parceira comercial de Novgorod. O jovem príncipe juntou à sua guarda pessoal, formada por cavaleiros de elite, uma milícia com gente de Novgorod e dos clãs tribais. Atacou de surpresa e reconquistou Pskov. Os prisioneiros foram libertados, mas não houve piedade aos boiardos que colaboraram com o invasor. Foram enforcados.


A armadilha

Os teutônicos eram soldados profissionais. Passada a surpresa, reorganizaram-se e passaram ao contra-ataque. Perto de Tartu exterminaram parte do Exército de Nevsky em missão de observação. O revés fez o príncipe mudar sua estratégia. Era hora de recuar para enfrentar os teutônicos em terras conhecidas. Como local do confronto, Nevsky escolheu o Lago Peipus.

O lago era profundo, estava congelado e era cercado por pântanos que davam passagem somente em três pontos, que Nevsky conhecia bem. O príncipe também sabia que naquele começo de abril a superfície gelada do lago era fina. E não aguentaria o peso da cavalaria teutônica. Era possível montar uma armadilha para os cruzados, percebeu. Posicionou suas tropas para obrigar o inimigo a cavalgar bem em cima do gelo e aguardou. Os alemães caíram no engodo. Mesmo em inferioridade numérica, 800 cavaleiros contra 5 mil russos, estavam seguros de sua superioridade bélica, com seus poderosos cavalos e pesadas armaduras.

O Lago Peipus nos dias atuais: cenário da batalha
 
Assim, subestimaram o inimigo, considerando-os um bando de camponeses mal-armados e sem treinamento militar. Não deixavam de ter razão. “Os homens de Nevsky não eram soldados. Eram camponeses tirados à força de seus trabalhos rurais, não treinados e mal-armados”, diz Mikhail Krom, professor de Estudos Históricos Comparados na Universidade Europeia de São Petersburgo.

Os cruzados repetiram a clássica e bem-sucedida tática utilizada em todos os confrontos precedentes: cavalgar compactos para o centro do Exército inimigo, usando a força de impacto da cavalaria pesada para dividi-lo em duas partes e enfrentá-las separadamente. Nevsky estava preparado.

Quando o inimigo estava próximo, deu a ordem de abrir a frente em duas partes, que atacaram os invasores pelos flancos. Isso obrigou os teutônicos a permanecerem no centro do lago. O príncipe escondia mais um trunfo: arqueiros mercenários mongóis a cavalo. Foram decisivos. Esse detalhe tático entrou na tradição eslava como o mito de que anjos chegaram dos céus salvando o príncipe.


Sob a água e o gelo

Cercados e ofuscados pelo sol refletido no gelo, os cruzados foram fustigados pelas flechas e atacados pela infantaria. O confronto foi rápido, mas sangrento. Os cruzados tentaram se retirar da superfície do lago, mas o gelo quebrava por debaixo deles. Cavalos e cavaleiros desapareciam nas águas geladas. O ponto de força da cavalaria teutônica, as armaduras pesadas, se revelou sua maldição. Somente 300 cruzados se salvaram do massacre.

A batalha sobre o gelo do Lago Peipus: vitória de Nevsky
 
Mais uma vez, Nevsky voltou triunfante como gênio militar. A estratégia de amizade com os dominadores asiáticos lhe assegurou, em 1252, a nomeação como Grão-Príncipe. Alexander começou uma política de acomodação com os mongóis. Não lutou contra eles e perseguiu os rebeldes que não queriam pagar os tributos ao Canato da Horda Dourada.

Mas, segundo uma versão aceita pelos historiadores, os mongóis mostraram-se ingratos e o teriam envenenado, aos 43 anos, durante uma visita oficial. “Provavelmente, ele tinha se tornado independente demais”, especula Mari Isoaho, professora de História da Universidade de Helsinque e autora do livro The Image of Aleksandr Nevskiy in Medieval Russia. Três séculos mais tarde, a Igreja Ortodoxa proclamou Alexander Nevsky santo, dedicando-lhe igrejas e monastérios em toda a Rússia.

Fonte: Aventura na História

terça-feira, 31 de março de 2009

INVASÃO MONGOL DA RÚSSIA (1223-1240)

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A invasão mongol da Rússia foi uma invasão empreendida por um vasto exército de nômades mongóis, iniciada em 1223, contra o estado da Rússia Kieviana, a essa altura dividida em vários principados. Tal invasão precipitou a fragmentação da Rússia Kieviana e influenciou o desenvolvimento da História Russa e possibilitou a ascensão do principado de Moscou.


Ataque de 1223 e a Batalha do rio Kalka

Ao mesmo tempo em que se fragmentava, a Rússia Kieviana sofreu a inesperada invasão estrangeira vinda de regiões misteriosas do Extremo Oriente. Depois das campanhas contra o Império de Khwarezm, em 1221, um exército mongol liderado pelos generais Jebe Noyon e Subedei, em uma campanha de reconhecimento para futuras conquistas, passou pelo norte do Irã e atravessou os montes Cáucaso, derrotando exércitos georgianos, polovtsianos, khazares e cumanos. No final de 1222 os dois generais mongóis partiram juntos em direção ao oeste, através das estepes até o Dniester.

Para conter a invasão dos mongóis, Mstislav o Audaz e Mstislav Romanovich o Velho formaram uma liga, da qual também aderiram príncipes de outras províncias russas tais como Kursk,Kiev, Chernigov, Volínia, Rostov e Suzdal.

No dia 31 de maio de 1223, um exército mongol com 25 mil homens, derrotou os exércitos dos vários principados russos na grande batalha do rio Kalka (1223), a qual permanece até hoje na memória do povo russo. A partir dessa derrota, o país encontrava-se à mercê dos invasores, porém, os mongóis se retiraram e somente voltariam treze anos depois.


Arqueiros mongóis em ação na Batalha do Rio Kalka (1223)


Invasão de Batu Khan (1236-1240)

A grande horda mongol de aproximadamente 150 mil arqueiros montados, comandada por Batu Khan e Subedei, cruzou o Rio Volga e invadiu a Bulgária no outono de 1236. Depois de um ano de luta, os mongóis venceram a resistência dos búlgaros do Volga, dos Kypchaks e dos Alanos.

Em novembro de 1237, Batu Khan enviou seus embaixadores para a corte de Yuri II de Vladimir exigindo sua submissão. No mês seguinte Ryazan foi cercada. Após seis dias de sangrenta batalha, a capital foi totalmente aniquilada, para nunca mais ser restaurada. Alarmado pelas notícias, Yuri II enviou seus filhos para deter os invasores, porém eles logo foram derrotados. Kolomna e Moscou foram incendiadas e, no dia 4 de fevereiro de 1238, Vladimir foi cercada. Três dias depois a capital de Vladimir-Suzdal foi tomada e queimada. A família real pereceu no incêndio, enquanto que o grão-príncipe se retirou para o norte. Cruzando o Volga, ele reuniu um novo exército, que foi totalmente exterminado na batalha do rio Sit em 4 de março.

Em seguida Batu Khan dividiu seu exército em colunas menores, as quais arrasaram quatorze cidades russas: Rostov, Uglich, Yaroslavl, Kostroma, Kashin, Ksnyatin, Gorodets, Galich, Pereslavl-Zalessky, Yuriev-Polsky, Dmitrov, Volokolamsk, Tver e Torzhok. A mais difícil de ser capturada foi a pequena cidade de Kozelsk, cujo príncipe-menino Titus e seus habitantes resistiram aos ataques mongóis por sete semanas. A historiografia russa registra que, ao saber da aproximação mongol, toda a cidade de Kitezh com todos os seus habitantes submergiu em um lago, que existe até os dias atuais. As únicas grandes cidades que escaparam da destruição foram Novgorod e Pskov. Os russos que migraram da região sul do país para escapar dos invasores se deslocaram em sua maioria para o nordeste, para as regiões de floresta com solos pobres entre a área norte dos rios Volga e Oka.




No verão de 1238, Batu Khan e Subedei devastaram a península da Criméia e pacificaram Moldávia. No verão do ano seguinte, Chernigov e Pereyaslav foram saqueadas. Após muitos dias de cerco, a horda atacou Kiev em dezembro de 1239. Apesar da forte resistência de Danilo da Galícia, Batu Khan tomou duas de suas principais cidades: Halych e Volodymyr-Volynskyi.

Após anexarem a Rússia a seus domínios, os mongóis então resolveram "alcançar o último mar" e invadiram, em 1241, a Polônia, a Romênia e Hungria. Depois disso, Subedei considerou planos para atacar o norte da Itália, Áustria e os estados germânicos, porém teve de recuar devido à morte de Ogadei Khan.


O período do jugo tártaro-mongol

Nesse período os invasores vieram para ficar, e construíram para si uma capital chamada Sarai, no baixo Volga, próximo ao Mar Cáspio. Aí estava o comandante supremo da Horda de Ouro, como era chamada a porção noroeste do Império Mongol, fixando seus quartel-general dourado e representando a majestosidade de seu soberano, o grande Khan, que viveu com a Grande Horda no vale do Orkhon do Amur. De lá subjugaram a Rússia durante séculos.

O termo o qual esta sujeição é comumente chamada, o jugo tártaro ou mongol, sugere idéias de uma terrível opressão, porém, na realidade, estes nômades invasores vindos da Mongólia não eram tão cruéis e opressivos. Em primeiro lugar, nunca colonizaram os principados russos, e não tinham muito contato com os habitantes. Diferente da dominação mongol sobre a China e o Irã, o domínio mongol sobre os principados russos era indireto, com os príncipes russos pagando tributos anuais à Sarai.

Em termos de religião os mongóis eram extremamente tolerantes. Quando surgiram pela primeira vez na Europa, eram xamânicos e, naturalmente, não nutriam fanatismo religioso; Mesmo quando adotaram o Islamismo continuaram tolerantes como antes, e o Khan da Horda de Ouro, Berke, o primeiro a se tornar muçulmano, incentivou os russos a fundarem um bispado cristão em sua própria capital. Nogai Khan, meio século depois, se casou com a filha do imperador bizantino e deu sua própria filha em casamento a um príncipe russo, Teodoro o Negro.

Alguns historiadores modernos russos acreditam que não houve uma invasão geral. De acordo com essa visão, os príncipes russos fizeram uma aliança defensiva com a Horda objetivando repelir os ataques dos aguerridos Cavaleiros Teutônicos, que se mostraram um perigo muito maior à religião e cultura russa.


Cidadela fortificada de Mstislav

O domínio tártaro teve também seu lado negativo. Como a grande horda de nômades estava acampada na fronteira, o país encontrava-se a mercê de invasões por uma força esmagadora de cruéis saqueadores. Tais invasões não eram frequentes porém, quando ocorriam, causavam uma incalculável devastação e grande sofrimento. Nestes intervalos as pessoas tinham de pagar um tributo estabelecido. A partir de 1259 os impostos passaram a ser regulados por um censo de população e, finalmente, a coleta dos tributos passou a ser encargo do príncipe local.


Influências

A influência da invasão mongol nos territórios da Rússia Kieviana foi sem precedentes. Centros tradicionais como Kiev nunca se recuperaram da destruição do ataque inicial. A República de Novgorod continuou a prosperar. Novos centros prosperaram sob o jugo mongol, tais como Moscou e Tver.


Armamento russo do século XIII


Historiadores debateram a influência a longo prazo do domínio mongol na sociedade russa. Os mongóis foram culpados pela destruição da Rússia Kieviana, a fragmentação da antiga nacionalidade russa em três componentes e a introdução do conceito de "despotismo oriental" na Rússia. Porém alguns historiadores concordam que a Rússia Kieviana não era uma entidade homogênea, seja no nível político, étnico ou cultural, e que os mongóis apenas aceleraram o processo de fragmentação que começou antes da invasão. Outros acreditam que o jugo mongol teve um papel importante no desenvolvimento da Rússia como um Estado. Sob domínio mongol Moscóvia, por exemplo, desenvolveu sua rede postal, censo, sistema fiscal e organização militar.

Argumenta-se, ainda, que Moscou, e subsequentemente a Rússia, não teriam se desenvolvido sem a destruição mongol da Rússia Kieviana. Ademais, o jugo mongol sobre os restos de Kiev e os principados sobreviventes como o de Novgorod, forçaram tais entidades a olhar para o Ocidente em busca de aliados e tecnologia. Igualmente, rotas comerciais vindas do Leste como desdobramentos das "Rotas da Seda" chegaram aos povos russos, constituindo um centro de comércio de ambos os mundos.

Em suma, a influência mongol, de um lado destrutiva ao extremo para seus inimigos, teve um papel significativo a longo prazo no surgimento da Rússia moderna.

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