Faleceu hoje em Belo Horizonte, aos 105 anos de idade, uma heroína do Brasil, a enfermeira da FEB Carlota Mello.
Carlota Mello era natural de Salinas, Norte de Minas, e foi uma das 73 mulheres que serviram na Europa durante a Segunda Guerra Mundial integrando a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Como enfermeira, foi um exemplo para todos os profissionais de enfermagem. Única mulher entre oito filhos, Carlota desde cedo queria um destino diferente de suas primas. Segundo ela, “não desejava, de jeito nenhum, me casar e ter uma penca de filhos. Por isso, decidi vir para Belo Horizonte, morar com meu irmão mais velho e fazer o curso de normalista, uma das únicas funções que uma mulher poderia assumir naquela época”.
Quando se formou, não satisfeita com a vida de professora, resolveu fazer o curso de Enfermagem de Emergência, em 1942, na Cruz Vermelha. Inquieta, viu uma propaganda do Exército Brasileiro convocando interessados em fazer curso de socorrista para atuar na Europa. “Não pensei duas vezes e resolvi me inscrever. Confesso que fiquei apavorada com o módulo prático. Tínhamos que correr comum tronco nos ombros, rastejar na lama, fazer tudo que um soldado faz. Das 16 moças que foram para esse curso no Rio de Janeiro, apenas quatro foram aprovadas para ir à guerra”, disse.
Em 1944, Carlota Mello fez o curso de Enfermagem de Emergência do Exército, ministrado pela Diretoria de Saúde na 4ª Região Militar, sendo nomeada Enfermeira de 3ª Classe e, no mesmo ano, foi convocada para atuar no Teatro de Operações da Itália, incorporando-se à equipe brasileira no 45º Hospital Geral norte-americano, em Nápoles, na Itália. Diante das colegas norte-americanas, todas oficiais, acharam por bem dar o posto de 2ª tenente às Enfermeiras brasileiras.
A tenente Carlota na 2ª Guerra Mundial
Lá, a Enfermeira permaneceu por 11 meses, em condições bem diferentes das encontradas no Brasil. “Cheguei à Europa numa época em que a neve cobria os joelhos e o frio fazia doerem os ossos. Morei em uma barraca de lona, sem colchões, e comia apenas derivados de trigo e frutas. A carne era de cavalo. No início achei estranho, mas depois me acostumei”, contou em entrevista.
O hospital em que trabalhava era totalmente de barracas de tábuas e cobertura de lona no centro, uma verdadeira estufa, conforme lembrou Carlota Mello. "E tudo era norte-americano: nossos uniformes de trabalho, chefes, alimentação e nossa convivência. Eu trabalhava em uma enfermaria com doentes brasileiros que contavam com o atendimento de mais duas Enfermeiras norte-americanas, dois técnicos, além de doutores norte-americanos e brasileiros. Os 64 leitos lá instalados ficavam permanentemente ocupados", lembrou.
No 45º, o serviço era contínuo: cuidava-se de soldados sem perna, braço, olho e, muitas vezes, sem memória, segundo a enfermeira. Aplicava-se penicilina, fazia-se curativos, tirava-se gesso, dava-se comida na boca, aferia-se a pressão arterial, media-se temperatura, dava-se comprimido para dor, entre outros cuidados, que até superavam as atribuições específicas da Enfermagem. "Escrevíamos cartas para mães, esposas, namoradas e, assim, esquecíamos as apreensões de um possível bombardeio, de uma mina implantada em qualquer lugar - uma chegou a explodir bem próximo ao alojamento onde estava -, das saudades, angústias, tristezas e incertezas do amanhã."
Carlota Mello sendo homenageada em seu 105º aniversário
Em um dos constantes bombardeios que presenciou, Carlota Mello arriscou a própria vida para salvar a dos soldados hospitalizados. Quando todos saíram correndo para se proteger, ela correu para carregar um caixote contendo ampolas de penicilina, usadas nos 64 pacientes sob os cuidados das brasileiras. “Consegui chegar rápido, juntei todas as minhas forças e o levei até o local seguro. Ao chegar lá, para minha surpresa, fui aplaudida e os soldados me levantaram no ar. Me senti como se fosse um jogador de futebol em fim de campeonato”, brincou.
Com o fim da Segunda Guerra, em maio de 1945, a tenente Carlota demorou mais dois meses para retornar ao Brasil. “Algumas regiões da Europa foram rapidamente evacuadas,mas não foi o caso de Nápoles. A batalha tinha acabado no campo, mas os hospitais continuavam a receber feridos”, contou.
Mesmo com tantas batalhas, ao chegar ao Brasil, a sensação da enfermeira foi de dever cumprido. "Sinto-me gratificada pelos serviços que prestei ao meu país, pelos quais me foram outorgados o Diploma da Medalha de Campanha, o Diploma da Medalha de Guerra, o Diploma da Cruz Vermelha, o Diploma da Inconfidência e Diploma de Honra ao Mérito."
Que nossa heroína descanse em paz. A cobra continuará fumando.
Fonte: adaptado da Revista do COREN-MG
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