"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

PERSONAGENS DA HISTÓRIA MILITAR - GENERAL PAUL VON LETTOW-VORBECK

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* 20/3/1870 - Saarlouis, Prússia

+ 9/3/1964 - Hamburgo, Alemanha



Paul Emil von Lettow-Vorbeck, conhecido como "O leão da África", foi um general alemão, comandante da campanha da África Oriental Alemã na Primeira Guerra Mundial, a única campanha colonial dessa guerra onde a Alemanha não foi derrotada. Também foi o único comandante a invadir solo britânico na Primeira Guerra Mundial.

A sua primeira missão de relevo aconteceu em 1900 quando, ainda tenente, foi encarregue de comandar um destacamento alemão que colaborou com forças militares de outras potências europeias na contenção da Rebelião Boxer, na China.

Em 1904 partiu para o Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) como ajudante-de-campo do general Martin Chales de Beaulieu, comandante das forças enviadas para apoiar as Schutztruppe (as “tropas de proteção”) da colônia na denominada Guerra dos Hotentotes, a insurreição dos povos nama e herero que ocorreu entre 1904 e 1908 e que conduziu ao genocídio dos hereros e namas, a primeira grande catástrofe humanitária do século XX. Nessa campanha foi ferido no olho esquerdo e forçado a retirar-se para a África do Sul, onde, durante essa estadia forçada, conviveu com o general Jan Smuts, de quem se tornaria amigo para toda a vida, apesar de depois ter de o enfrentar durante a Primeira Guerra Mundial.

No princípio de 1914, von Lettow-Vorbeck foi escolhido para comandante da pequena guarnição alemã de 300 soldados e doze companhias de askari que guarneciam a África Oriental Alemã, atual Tanzânia. Com o início da guerra na Europa, em agosto daquele ano, sabendo da vantagem do poder iniciativa num contexto periférico ao palco do conflito principal, como era no caso a África Oriental, ignorou as ordens recebidas do governo de Berlim e do governador da colônia, o Dr. Heinrich Schnee, que insistiam na necessidade de manter a neutralidade da África Oriental Alemã.

Oficiais alemães instruindo tropas askari na África Oriental


Von Lettow-Vorbeck de imediato ignorou as ordens do governador, nominalmente seu superior, e preparou-se para a guerra, a qual se iniciou por um ataque anfíbio à cidade de Tanga, que teve lugar entre 2 e 5 de novembro de 1914, repelindo os britânicos e os seus aliadas na ação que ficou conhecida pela Batalha de Tanga, uma das mais violentas de toda a campanha.

Reuniu então os escassos homens e suprimentos disponíveis e preparou-se para ganhar a iniciativa e atacar as ferrovias britânicas na África Oriental. No processo conseguiu uma segunda vitória sobre os britânicos, vencendo a Batalha de Jassin, travada a 18 de janeiro de 1915.

As vitórias que foi conseguindo permitiram-lhe capturar armamento moderno e outros abastecimentos urgentemente necessários, dado o isolamento das forças alemães em relação à metrópole, consequência do bloqueio naval aliado ao Império Alemão.

Para além das vantagens logísticas, as vitórias deram grande impulso ao moral de seus homens, embora von Lettow-Vorbeck também nelas perdesse muitos dos seus soldados mais experientes, entre eles o "esplêndido” capitão Tom von Prince, que não poderiam facilmente ser substituídos no isolamento em que se encontrava.

O plano de von Lettow-Vorbeck para era simples: sabendo que no contexto da guerra a África Oriental não passaria de um palco periférico, decidiu capturar o máximo de tropas britânicas possível e manter o máximo de pressão sobre as forças remanescentes, pois as removeria da Frente Ocidental, contribuindo dessa forma para a vitória alemã na Europa.

Von Lettow-Vorbeck sabia que podia contar com os seus oficiais, altamente motivados e competentes (sua taxa de vítimas era certamente prova disso). Como consequência das perdas custosas de pessoal, passou a evitar confrontos diretos com soldados britânicos, em vez disso levou seus homens a engajar invasões de guerrilha nas províncias britânicas do Quênia e da Rodésia, atacando os fortes britânicos, ferrovias e comunicações - tudo com o objetivo de forçar a Entente a desviar o efetivo do teatro de guerra na Europa. 

Von Lettow-Vorbeck utilizou os canhões do cruzador Königsberg (afundado em 1915) como artilharia de campanha para apoiar suas tropas africanas


Convocou 12.000 soldados, a maioria deles askari, mas todos bem treinados e bem disciplinados. Os askari ganharam uma especial reputação pela sua capacidade de luta e lealdade. Von Lettow-Vorbeck também servia como comandante-modelo, ganhando pelo exemplo o respeito e lealdade dos seus homens. Percebeu as necessidades críticas da guerra de guerrilha em que ele usou tudo o que lhe era disponível se tratando de suprimento, inclusive o grupo e artilharia do cruzador alemão SMS Königsberg (afundado no delta do Rio Rufiji em 1915), que possuía uma tropa capacitada sob o comando de Max Looff, bem como suas numerosas armas, que foram convertidas em peças de artilharia para a luta em terra, representando o mais alto padrão de peças de artilharia de terra usadas na guerra.

Em março de 1916, os britânicos, sob o comando do seu amigo general Jan Smuts, lançaram uma formidável ofensiva com 45.000 homens. Von Lettow-Vorbeck pacientemente usou o clima e o terreno como seus aliados enquanto suas tropas lutavam contra os britânicos em condições vantajosas. Os britânicos, entretanto, continuaram enviando mais tropas forçando von Lettow-Vorbeck a ceder território. Não obstante, ele conseguiu impor por diversas vezes pesadas derrotas aos britânicos, incluindo uma em Mahiwa, em outubro de 1917, onde perdeu 100 homens enquanto os britânicos perderam 1.600 homens.

Companhia de soldados askari com seus oficiais e sargentos alemães na África Oriental


Apesar dos seus esforços, os britânicos mantinham uma decisiva vantagem em efetivo, e não tinha ilusões de que qualquer território que ele capturasse poderia ser guarnecido por muito tempo. Decidiu então fazer uma incursão na direção sul, penetrando na então colônia portuguesa de Moçambique, onde ganhou homens e abastecimentos ao atacar guarnições portuguesas. Reingressou no território da África Oriental Alemã em agosto de 1918, apenas para rumar para oeste e atacar a Rodésia do Norte, evitando a armadilha que os britânicos lhe haviam preparado na África Oriental Alemã.

A 13 de novembro de 1918, dois dias após a assinatura do Armistício de Compiègne, tomou a cidade de Kasama, que os britânicos haviam evacuado, naquela que foi a última vitória alemã no conflito. Daí continuou rumando para sudoeste, internando-se no coração de África em direção ao Katanga. Quando alcançou o rio Chambeshi, na manhã de 14 de novembro, o magistrado britânico Hector Croad apareceu sob uma bandeira branca e entregou uma mensagem do tenente-general Sir Jacob van Deventer, informando-o do armistício. Von Lettow-Vorbeck imediatamente concordou com um cessar-fogo. O local onde o encontro ocorreu, hoje território da Zâmbia, está assinalado pelo Memorial von Lettow-Vorbeck.

Aceitou então as instruções dos britânicos para se dirigir com as suas forças para norte, até Abercorn (atual Mbala) para aí formalmente render o seu exército invicto, o que ocorreu a 23 de novembro. As suas forças consistiam então de 30 oficiais alemães, 125 sargentos e outros postos graduados e 1.168 askaris.

Rendição das tropas de Von Lettow-Vorbeck em Abercon, na visão de um desenhista africano


Em 1964, ano em que von Lettow-Vorbeck faleceu e meio século após sua chegada a Dar es Salaam, o Bundestag da Alemanha Ocidental votou uma dotação destinada a financiar o pagamento dos salários devidos aos askari ainda vivos. Foi instalada uma pagadoria temporária em Mwanza, nas margens do Lago Vitória, à qual os interessados se deveriam dirigir. Contudo, dos cerca de 350 sobreviventes, apenas um grupo limitado dispunha dos certificados que von Lettow-Vorbeck lhes havia entregue em 1918. Outros apresentaram como prova pedaços de seus velhos uniformes, mas muitos não dispunham de qualquer meio de prova da sua condição de veterano. O funcionário alemão encarregado do pagamento teve então a seguinte ideia: a cada requerente que se apresentasse sem documentos seria dado uma vassoura e ordenado, em alemão, que simulasse um manejo de arma. Nenhum dos homens que se apresentaram falhou no teste.


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