"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

HOLLYWOOD NA GUERRA QUENTE

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Antes da Segunda Guerra, Holywood namorou nazistas, comunistas e fascistas. O mercado alemão era forte e o time da propaganda liderado por Joseph Goebbels conseguia editar ou barrar produções antinazistas.


Por Lucas Mendes


Muitos editores e roteiristas não escondiam suas simpatias pelo comunismo russo, que parecia próspero e resistente à depressão que devastava a Europa e os Estados Unidos na década de 1930.

As relações entre Hollywood e os militares americanos eram frias e desconfiadas, mas mudaram da noite para o dia com o bombardeio de Pearl Harbour, em 1941.

O novo livro de Mark Harris chega às livrarias no começo de uma possível nova Guerra Fria, que coloca o capitalismo ocidental contra o putinismo russo, mas o foco do livro está nos diretores de Hollywood que se alistaram para documentar a Segunda Guerra. Five Who Came Back : A Story of Hollywood And The Second World War ("Cinco que Voltaram: Uma História de Hollywood e a Segunda Guerra Mundial") é o título, e os protagonistas são John Ford, George Stevens, John Huston, William Wyler e Frank Capra, cinco dos mais bem sucedidos diretores de Hollywood da época.

Soviéticos e nazistas sabiam usar filme para promover seus regimes. Os americanos achavam a fórmula agressiva e sem credibilidade. Quando a guerra começou, o Departamento do Tesouro americano apreendeu centenas de filmes de propaganda que eram exibidos nas comunidades alemãs de Nova York e outros Estados.

Conta Mark Harris: "Capra, convocado pelos militares, veio a Nova York assistir a um dos mais famosos destes filmes, Triumph of the Will (Triunfo da Vontade), da genial documentarista alemã Leni Riefenstahl, no Musem of Modern Art (o Moma)".

"Capra saiu estarrecido: 'Nós vamos perder esta guerra'". Ele nunca tinha visto propaganda política com aquela dimensão e eficiência.

O cineasta Frank Capra

A verba que os militares deram para Capra era curta. US$ 450 mil para fazer 50 filmes. Sem dinheiro, ele decidiu usar os filmes de propaganda nazista contra o nazismo. Com a série "Porque Lutamos", cujo primeiro filme, Prelúdio da Guerra, ganhou Oscar de melhor documentário em 1942, "Capra mostrou os perigos da ambição, poder e domínio de Hitler".

Harris conta que muita gente até hoje acha que Capra simpatizava com a esquerda, mas era um republicano da ala conservadora, que tinha orgulho de dizer que nunca votou em Roosevelt em nenhuma das quatro eleições e só não dirigiu um filme sobre a vida de Mussolini porque o chefe do estúdio da Columbia percebeu a idiotice do projeto. Capra e Mussolini se admiravam.

Sem receber nenhuma instrução de militares, a série que ele concebeu e dirigiu se tornou o instrumento de educação/propaganda de todos os soldados que entravam no Exército americano. Mas, diferente da propaganda nazista, foi Capra, e não o governo, quem explicou aos americanos porque era preciso lutar na guerra.

Do grupo dos cinco diretores, além de Capra, John Ford se alinhava com a direita; George Stevens, John Huston e William Wyler tinham visões esquerdistas.

Depois da guerra, os cinco não tiveram outros projetos juntos, mas se uniram e derrubaram o projeto do produtor Cecil B. DeMille quando este tentou exigir um juramento anticomunista dos membros dos sindicatos dos diretores.

William Wyler, imigrante judeu da Alsácia, concentrou o foco dele na Força Aérea. Seu extraordinário documentário sobre o avião "The Memphis Belle" mostrou pela primeira vez as imagens de uma tripulação bombardeando a Alemanha e sendo atacada pelos jatos alemães.

Em outro ataque, na Itália, Wyler quase ficou surdo. Quando desceu do avião, não ouvia nada. Foi imediatamente despachado de volta, certo de que a carreira militar e de diretor estavam terminadas. Recuperou parte da audição num ouvido, o suficiente para ouvir atores por alto falantes ao lado da cadeira.

Um dos seus maiores filmes, Os Melhores Anos das Nossa Vidas, é sobre a dificuldade de um veterano de se reajustar à rotina quando volta da guerra. Depois fez Ben-Hur, Chaga de Fogo, Rosa da Esperança, Garota Genial, dezenas de outros, mas continuou recebendo um cheque do governo pela surdez em combate.

Antes da guerra, George Stevens, fez Ritmo Louco com Fred Astaire e Ginger Rogers, e A Primeira Dama, com Katherine Hepburn, entre outros. Depois da guerra fez Assim Caminha a Humanidade, com James Dean, Um Lugar ao Sol, Shane, O Diário de Anne Frank.

Durante a guerra, fez as imagens do campo de concentração de Dachau. Ficou anos traumatizado sem, falar sobre o assunto. Seu filme ajudou a condenar nazistas nos julgamentos de Nuremberg.

John Ford já tinha feito No Tempo das Diligências, As Vinhas da Ira e Como era Verde meu Vale, antes de dirigir o primeiro filme americano que documentou um combate na Segunda Guerra. Estava no Havaí, filmando a reconstrução depois do ataque de Pearl Harbour, quando foi despachado para filmar a batalha de Midway. Sem o privilégio de comandar "Ação!", filmou os aviões japoneses passando por cima dele para bombardear uma ilha próxima, mas "uma bomba", conta Harris, "caiu tão perto que o filme saiu da câmera".

"Um defeito que seria cortado num filme normal, mas Ford deixou o preto na tela e transmitiu o realismo da batalha. A guerra ia mal para os americanos e a vitória de Midway, apesar das perdas, trouxe esperanças".

Harris: "John Huston contribuiu com a batalha de San Pietro. Ele chegou atrasado e o Exército reconstruiu a batalha seis semanas depois. O truque de Huston foi tremer as câmeras nos bombardeios. Cinema verité falso e bem sucedido".

Era imprevisível planejar como cobrir batalhas como a de Midway, mas a invasão da Normandia, o D-Day, dia decisivo, estava nos planos. George Stevens, com o Exército, e John Ford, com a marinha, tinham centenas de câmeras fixas e cinegrafistas nos barcos anfíbios. Ninguém morreu, mas grande parte dos filmes foi destruída e a maior parte era tão brutal, que nunca foi vista nos cinemas, como era a intenção do projeto. As imagens mais próximas do documentário estão nos 25 minutos iniciais de Saving Private Ryan, de Steven Spielberg.

Fonte: BBC


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