"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

BATALHA DE CRÉCY (1346): FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A VITÓRIA INGLESA



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Durante a Idade Média a infantaria, menosprezada pelo espírito da cavalaria, tinha geralmente pouco emprego no combate. Colocada à retaguarda dos cavaleiros, aguardava o resultado dos duelos individuais para massacrar ou para pilhar, em caso de vitória, ou para fugir, no caso contrário.  Todavia, os ensinamentos da arte da guerra não ficaram totalmente perdidos na Idade Média. Há exemplos do emprego judicioso de certos conhecimentos que hoje conhecemos como princípios de guerra.

Na Batalha de Crecy (1346), durante a Guerra dos Cem Anos, o exército inglês foi quem fez melhor uso dos conhecimentos da arte da guerra e do armamento.  Conforme veremos a seguir, sua vitória deveu-se a fatores positivos de sua qualificação e a erros cometidos pelo exército francês.

Economicamente, a posse de território do outro lado da Mancha exercia sobre negociantes ingleses, particularmente os de lã, forte atração, pois eliminaria o isolamento insular em que viviam. A alegação de direitos sucessórios era de suma importância para caracterizar a “guerra justa”, base jurídica indispensável para invocar a ajuda feudal, a proteção de Deus e o direito à pilhagem e ao resgate de prisioneiros.

A Batalha de Crécy inicia com o exército inglês em marcha para o reduto britânico de Calais, um local estratégico, uma área de interesse sob ângulo da geopolítica, pois era o ponto mais perto da Inglaterra em território francês.




Fatores positivos dos ingleses

Alguns fatores levaram os ingleses ao sucesso na batalha. A seguir, alguns deles:

1) Calais como objetivo:  Imitando Carlos Magno, Eduardo III, como comandante de tropa em operação, selecionou o objetivo segundo critérios estratégicos e políticos, visando a expansão do seu Estado.

2) Eduardo III pretendia furtar-se a um choque em campo raso com o exército de Filipe VI, superior em número.  Percebendo que seria alcançado antes de atingir Calais, decidiu ocupar uma posição defensiva favorável, onde passou a noite.

3) Os ingleses aproveitaram os momentos de confusão para agir, enfrentando o adversário no momento em que ele estava vulnerável, atacando primeiro à distância com o uso de flechas, como no momento em que os cavaleiros ingleses desceram a encosta a pé e, antecedidos pelos arqueiros e apoiados pelos lanceiros galeses, trucidaram os nobres franceses, inermes sem suas armaduras ao serem derribados de seus cavalos, que patinavam na lama. O lado inglês utilizou nesta hora a concentração de forças para obter a decisão, - uma tática típica de Carlos Magno.


Falhas no exército francês

1) O exército francês, que buscava cortar a direção de marcha do inimigo antes que atingisse Calais, deu uma resposta atrasada, falhando na presteza da intervenção, o que é elemento importante na guerra. Seu sistema de comunicação falhou. A informação teria demorado a chegar ao centro de comando francês.

2) Indisciplina da tropa e a finalidade da luta. Os cavaleiros franceses escolhiam, enquanto marchavam, os inimigos mais rentáveis para capturar e pedir resgate. Observamos que os soldados estavam desfocados quanto ao objetivo, uma conduta imprópria na guerra. Diferentemente do exército de Carlos Magno, que desprezava objetivos de lucro imediato pela pilhagem, que era formalmente proibida e definia padrões de conduta para a sua tropa.

 Cavaleiros franceses avançando contra as tropas inglesas: a indisciplina tática foi uma das causas da derrota francesa

3) Filipe VI, não tendo podido alcançar os ingleses em fim de jornada, não obstante deslocar-se em marcha forçada, resolveu estacionar muito distante da posição ocupada pelos ingleses.  No dia seguinte teve de fazer uma longa marcha de aproximação para o combate. Duas falhas aconteceram: a distância a percorrer foi mal avaliada, e ao invés de conservar energia ela foi consumida na marcha de aproximação.

4) Os soldados de Filipe VI fizeram a marcha para o combate sob chuva, com armas molhadas.  E o contato com o inimigo somente ocorreu ao cair da tarde, com o sol declinante ofuscando a vista dos franceses.  As condições ambientais desfavoráveis, como a chuva, incidência do sol e duração da luz solar, não foram pesadas em seus graus de dificuldades na locomoção e sentido de ataque.

5) Filipe deu ordem para o ataque sem reconhecimento do campo de batalha e, recebendo sugestões, mandou retroceder. Sem esperar pelos tiros dos besteiros, os impetuosos cavaleiros, pesadamente encouraçados, galoparam morro acima, atropelando os besteiros que, a esta altura, tentavam obedecer à ordem de retroceder, em meio à densa chuva de setas inglesas, que aumentava a confusão. Além da falha quanto ao reconhecimento do campo e o elemento físico desfavorável da elevação, houve decisão precipitada e falta de coordenação. Foram atacados neste momento de vulnerabilidade.

6) Os cavaleiros franceses insistiram na investida sem coordenação. Do lado francês mais uma vez a falta de coordenação e ação em terreno com grau de dificuldade impróprio para o deslocamento a cavalo.

 Arqueiro inglês em ação. O arco longo galês (longbow) permitia o lançamento de 12 flechas por minuto a um alcance de 300 metros


Vitória inglesa

Os ingleses foram melhores no emprego do armamento. Utilizaram eficientemente o arco e flecha, dos tipos leves e pesados, como arma de efeito à distância, com oportunidade, precisão e cadência de tiro muito superior. O grande arco galês permitia o lançamento de de doze flechas por minuto a 300 metros de distância, em comparação aos besteiros do exército francês que lançavam apenas duas, e a distância menor.

Eles utilizaram nesta ocasião a pólvora pela primeira vez como arma em combate na Europa. Foi com a bombarda, que causava mais ruído do que estragos materiais, mas foi eficiente para assustar a cavalaria francesa.

A arma de fogo entrava na guerra, iniciando um largo e importante período da História Militar. 


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2 comentários:

  1. mesmo que seja o ponto de vista de quem escreve, a guerra fez parte de toda evolução ao longo dos tempos. não há historia sem guerra. parabéns pelo trabalho. peço-lhe autorização para divulgar em meu blog mantendo os créditos.

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  2. Excelente post.

    Interessante a questão do espólio do pós-batalha. Estudo por minha conta história antiga e sei que os romanos solucionaram esse problema, mas parece que houve um grande retrocesso na idade média nesse ponto.

    Quais foram as consequências geopolíticas da batalha?

    Cumprimentos.

    João Paulo

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