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Significativo e instigante capítulo da historiografia aeronáutica e pouco conhecido dos historiadores brasileiros foi a ação desenvolvida por ex-pilotos de caça da Força Aérea Brasileira a serviço da República Dominicana, no final da década de 1940. O presente artigo revisita a história dos aviadores a serviço da Nação caribenha.
Por Manuel Cambeses Júnior
Em julho de 1947, as forças revolucionárias já estavam com-postas por milhares de homens e inúmeros aviões de transporte e combate, entre eles o avião de caça P-38, além de navios de desembarque adquiridos por dominicanos residentes nos Estados Unidos (EUA) simpatizantes à causa.
Entretanto, preocupado com a imagem de Cuba e pressões externas, principalmente vindas dos EUA, devido ao apoio explícito à causa, o presidente cubano deu um ultimato para que fosse desmantelada a base dos revolucionários, determinou a posse das armas, principalmente dos aviões de combate, obrigando-os a dispersar o movimento.
Em realidade, em 1947, Raael Trujillo teria poucas chances de repelir um ataque dessa magnitude. Porém, iniciou uma ofensiva diplomática - envolvendo suborno, pressões e favores – e conseguiu que Cuba retirasse o apoio aos rebeldes, em setembro de 1947. Para o governo norte-americano, tradicional árbitro em questões caribenhas, não interessava perder Trujillo, que, ladinamente, aderiu ao anticomunismo, bastante exaltado à época.
Para Rafael Trujillo o ato de desmantelar os revolucionários pelo governo de Cuba fez com que se preocupasse mais com a Venezuela. Este país tinha como presidente Romulo Ernesto Bettancourt Bello, que, apesar de ter galgado o poder através de um golpe militar, tinha um viés socialista em sua gestão.
A Venezuela, por ser um país grande produtor de petróleo, era cortejada pelos EUA. O mandatário dominicano não se conformava com o fato de não conseguir adquirir aviões de combate do governo norte-americano, enquanto os venezuelanos não encontravam restrições para a importação de aeronaves, recebendo seis caças P-47 Thunderbolt e três bombardeiros B-25 Mitchell.
Aviadores brasileiros diante de uma aeronave dominicana
Rafael Trujillo acusava Romulo Bettencourt de ter doado US$ 3 milhões aos revolucionários da Ilha Cayo Confites e, como era impossível uma intervenção militar contra a Venezuela, urdiu um plano para derrubá-lo do poder através de um golpe militar.
Um documento reservado da Inteligência norte-americana, enviado em 19 de julho de 1947 ao embaixador americano na República Dominicana, revela a presença em Ciudad Trujillo do ex-presidente venezuelano General Eleazar Lopez Contreras, que tinha sido expulso do seu país pelo governo Bettancourt.
Objetivando facilitar a coe-são dos militares venezuelanos para o desejado golpe, Trujillo planejou o início do movimento simulando uma rebelião de militares da Aeronáutica, fazendo um bombardeio sobre os quartéis e prédios governamentais por aviões dominicanos portando as cores das aeronaves da Fuerza Aerea Venezulana.
Para que o plano fosse bem realizado seria necessário adqui-rir aviões de combate semelhantes aos utilizados na Venezuela, o que não seria impossível devido a grande quantidade de aviões militares disponíveis para venda no comércio internacional com o término da 2ª Guerra Mundial. Porém, onde encontrar pilotos devidamente habilitados para pilotá-los?
A Força Aérea da República Dominicana, na época denominada Compañia de Aviación, possuía pouquíssimos homens com capacidade para pilotar aviões de combate e, para executar a missão, havia a necessidade de contratar aviadores estrangeiros.
Ao contrário de seus vizinhos do Caribe, dinheiro para aquisição de armas não era problema, pois, de 1945 a 1947, a receita de exportação de produtos agrícolas dominicanos tinha mais do que duplicado, passando de US$ 29,5 para US$ 74,3 milhões.
No que concerne à Aviação Militar, face à carência de aviadores experientes e bem treinados, a solução encontrada foi contratar pilotos no exterior, especificamente no Brasil.
Quando o Brasil declarou guerra às forças do Eixo, milhares de jovens brasileiros, atendendo ao chamamento da Pátria, se alistaram dispostos a defender o país. Dentre estes figuravam jovens que tinham escolaridade suficiente para ingressar nos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). Alguns deles optaram pelo CPOR da recém-criada Aeronáutica.
A Força Aérea Brasileira ha-via participado ativamente da 2ª Guerra Mundial e mandado pilo-tos, da ativa e da reserva, para serem formados e treinados nos EUA. Terminado o conflito mundial, não havia como absorver todos os aviadores nos quadros da Aeronáutica. Os que estavam na reserva foram os primeiros a serem dispensados. Muitos conseguiram emprego nas companhias de aviação; entretanto, nem todos tiveram a mesma sorte, pois a FAB liberou, no pós-guerra, cerca de 400 pilotos. Ou seja, naquele momento, passou a existir um seleto grupo de pilotos militares, altamente treinados para o combate, que vivenciou o incômodo dissabor do desemprego.
O De Havilland Mosquito, um dos ícones da 2ª Guerra Mundial, foi uma das aeronaves voadas pelos brasileiros na República Dominicana
Quando surgiu a ideia de contratar pilotos brasileiros para prestar serviço ao governo dominicano, entrou em cena o comandante Mário Joppert Carneiro da Cunha, piloto da Aerovias Brasil, bem-relacionado com as autoridades dominicanas por estar casado com a filha do Coronel Rafael Arturo Espaillat, oficial da alta cúpula do governo, chefe do Servicio de Inteligência Militar (SIM), a temida polícia secreta do ditador Rafael Trujillo.
Joppert saiu em campo no sentido de contatar com pilotos brasileiros adestrados em aviões de caça com o objetivo de realizar escolta de bombardeiros B-25 que cumpririam missão de bombardear pontos específicos da Venezuela.
Para explicar aos brasileiros a missão que seria realizada, veio ao Brasil o sogro de Joppert, o Coronel Espaillat, informando que o planejamento previa uma esquadrilha composta de sete aeronaves de caça, que sairia de Porto Rico para encontrar com os B-25 sobre o oceano e escoltá-los, defendendo de eventuais inimigos até o final da operação de bombardeio. Aproveitando o ensejo, informou aos pilotos brasileiros que cada um receberia US$ 1.000,00 para o cumprimento da missão.
Finalmente, após algumas semanas de muita expectativa, os brasileiros embarcaram pela Pan American com destino a Porto Rico, local de onde deveria partir para a missão de bombardeio ao território venezuelano.
Coronel Rafael Arturo Espaillat, chefe do Servicio de Inteligência Militar (SIM), a temida polícia secreta do ditador Rafael Trujillo
Chegando à capital do país San Juan, foram recebidos por subalternos do coronel Espaillat, que providenciaram os primeiros contatos para o acolhimento do grupo, instalando-os no Hotel Normandie e mantendo-os informados de todas as informações pertinentes à missão.
Após angustiante espera de duas semanas, eis que apareceu no hotel onde estavam hospeda-dos o Comandante Mário Joppert e transmitiu aos conterrâneos brasileiros que a missão tinha sido abortada pelo governo dominicano. Entretanto, caso tivessem interesse, havia uma nova proposta do Coronel Espaillat, para que prestassem serviços na aviação militar da República Dominicana, treinando pilotos para a formação de um esquadrão de caça.
Como não tinham emprego garantido no Brasil, e realmente não tinham o que perder, viaja-ram até a República Dominicana, onde foram recebidos por dois oficiais dominicanos e levados para um hotel localizado na Calle El Conde, uma das principais vias da Ciudad Trujillo.
Logo, o Coronel Espaillat veio até o hotel onde estavam hospedados e negociou com os pilotos brasileiros os termos do novo contrato que estabelecia o pagamento de US$ 1.000,00 por mês para treinar os pilotos e, no caso da ocorrência de uma invasão ao território dominicano, cada um receberia a quantia de US$ 10.000,00. Entretanto, se a República Dominicana resolves-se invadir algum país receberiam a polpuda quantia de US$ 20.000,00.
Ao que tudo indica, o verdadeiro motivo da desistência da missão por parte do ditador Rafael Trujillo teria sido a saída do poder na Venezuela do presidente Romulo Bettancourt, seu grande desafeto.
Romulo Gallegos, sucessor de Bettancourt, foi eleito presidente da Venezuela, ficando poucos meses no poder, pois foi deposto por um golpe militar liderado por oficiais simpáticos ao ditador dominicano Rafael Trujillo e, segundo consta, financiados por ele.
No segundo semestre de 1950 foi renovado o contrato com os pilotos brasileiros por mais um ano. Muito embora estes acertos fossem verbais, e renovados a cada ano, os aviadores não tinham do que reclamar, pois os dominicanos sempre mantiveram a palavra, cumprimento cabalmente tudo que foi tratado.
O pagamento, por exemplo, foi religiosamente feito em espécie por intermédio de um auxiliar direto do comandante da Base Aérea General Andrews, o Coronel Hernandez.
Em termos de comparação, enquanto os pilotos ganhavam US$ 1.000,00 mensalmente, um oficial do posto de major na For-ça Aérea Brasileira recebia de soldo apenas US$ 70,00.
É de se ressaltar que, da difícil situação de reservistas desempregados, estavam agora em situação financeira bem mais confortável, pois tinham guarda-do uma boa quantia e formado um bom pé-de-meia.
Com a permanência dos aviadores de caça brasileiros no país, Rafael Trujillo conseguiu montar uma força aérea competente e bem treinada. Quando houve uma nova tentativa de invasão ao país, em 1959, a Força Aérea Dominicana estava pronta. O instrumento forjado pelo ditador com o inexcedível apoio de nossos patrícios foi fundamental para rechaçar novas tentativas de exilados, em abril e junho de 1959.
Entretanto, a pouca integração com os dominicanos, o limitado círculo de amizades dos brasileiros e, sobretudo, a saudade do torrão natal influenciaram decisivamente no desejo de re-tornar ao Brasil.
De volta ao Brasil, os jovens aviadores continuaram suas vidas em várias atividades, notadamente na aviação comercial. Alguns reingressaram na Força Aérea Brasileira, apesar de, na situação de reservistas, terem de se sujeitar a recomeçar quase do zero, ou seja, atrás do último colocado aspirante aviador da ativa.
Para esses intrépidos aventureiros patrícios, em plena louçania da juventude, a enriquecedora passagem pela República Dominicana ficou indelevelmente gravada em suas retentivas como um período repleto de emoções, expectativas, arrojo, determinação, companheirismo e, acima de tudo, o desejo incontido de realizar o ardente sonho de todo guerreiro alado: “Voar, Combater, Vencer!”.
A esse pugilo de bravos combatentes, a nossa admiração!
- Nilton Miguel Ajuz;
- Carlos Alberto de Freitas Guimarães;
- Itamar Pereira de Oliveira;
- Rivaldo José Barbosa;
- João Carlos Menna Barreto Monclaro;
- Wilson Bittencourt Braga;
- José Rafael Martins e
- Gilberto Syllos Clark.
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