"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



sábado, 11 de maio de 2024

PERSONAGENS DA HISTÓRIA MILITAR - IVAN TURTCHANINOV, O OFICIAL CSARISTA QUE SE TORNOU GENERAL DO EXÉRCITO DOS EUA

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Herói na Guerra Civil Americana, Ivan Turtchaninov (John Basil Turchin) deixou a Rússia Imperial em busca de liberdade. Nos EUA, fez amizade com Abraham Lincoln e foi o único russo a ascender ao posto de general. Apesar dessas conquistas, seu o final de sua vida foi desastroso.

Por Oleg Egorov


Em 1862, durante a Guerra Civil Americana, o enviado russo a Washington, Eduard de Stoeckl, expressou descontentamento com o fato de o oficial russo Ivan Turtchaninov estar servindo no Exército da União: "As fileiras deste exército consistem de revolucionários e aventureiros de todos os cantos da Terra", escreveu Stoeckl a São Petersburgo.

Apesar de o Império Russo apoiar o Norte, Stoeckl acreditava que lutar em batalhas internas dos Estados Unidos era uma vergonha para um oficial que havia servido ao Imperador. Mas Turtchaninov não se importava com o que pensavam oficiais russos que não o apoiavam, pois havia deixado a terra natal para sempre.


Coronel teimoso

Nascido em 1822 na região do rio Don, no sul da Rússia, Turtchaninov seguiu os passos de seu pai, um cossaco. Em 1841, ele se formou na Escola Militar Imperial de São Petersburgo e, em 1848, participou da repressão à Revolução Húngara, lutando mais tarde na Guerra da Crimeia (1853-1856).

Turtchaninov  (John Basil Turchin) fotografado no posto de Brigadeiro-General


"No final da guerra [da Crimeia], Turtchaninov era coronel e tinha uma perspectiva de ter uma vida rica e uma carreira de destaque à frente. Mas ele não quis isto", escreveu o articulista David Zaslavski.

Em 1856, Turtchaninov e sua mulher, Nadejda, deixaram a Rússia e atravessaram o Atlântico, fugindo para os EUA. O motivo era ideológico: o coronel era um republicano ardente, ansiando por viver em um país livre onde uma pessoa pudesse decidir seu destino por si própria.

Na década de 1850, os EUA eram o único Estado proeminente a terem um governo republicano (todos as potências europeias eram monárquicas). Assim, após cruzar o oceano, o casal Turtchaninov comprou uma pequena fazenda próxima à cidade de Nova York.


Sentimentos contraditórios sobre os EUA

No novo continente, o russo adotou o nome John Basil Turchin. Mas o casal enfrentou muitas dificuldades. "Os Estados Unidos me ajudaram a me desfazer de meus preconceitos aristocráticos e me reduziram ao nível de um mero mortal. Eu renasci. Não temo nenhum trabalho; nenhum setor de negócios me espanta e nenhuma posição social me rebaixa”, escreveu Turtchaninov a Aleksandr Herzen, famoso dissidente político russo que morava em Londres.

E Turtchaninov teve mesmo que mudar de carreira muitas vezes: foi agricultor, operário e engenheiro. Sua fazenda em Nova York não deu tão certo, então os Turchins se restabeleceram em Chicago, onde o coronel trabalhou como engenheiro e teria conhecido até mesmo o futuro presidente norte-americano, Abraham Lincoln. Mais tarde, isso o ajudaria.

Turchin, porém, não estava completamente apaixonado pela vida nos EUA. Na mesma carta a Herzen, reclamava: "Estou totalmente desapontado; não vejo nem uma fração de liberdades de verdade aqui... Isto é um paraíso para os ricos, onde podem se safar de crimes perversos com dinheiro". O oficial idealista teve que enfrentar a dura realidade de todos os vícios do capitalismo norte-americano.


Batalhas e escândalos

Turchin criticou demais a América, mas quando a Guerra Civil estourou, em 1861, não hesitou em se juntar às fileiras do Exército da União. Graças a seu passado militar, ele recebeu o posto de coronel, e o 19º Regimento de Infantaria de Voluntários de Illinois ficou sob seu comando, lutando contra a Confederação no Tennessee e no Alabama.

Oficial ativo, Turchin confrontava frequentemente seu comandante, o general Don Carlos Buell, e, às vezes, agia até mesmo sem sua permissão. Turchin e seus homens ajudaram, por exemplo, a cercar Huntsville, no Alabama, cortando as linhas ferroviárias da Confederação. Este foi um grande sucesso tático que rendeu o respeito dos soldados. Mas novamente, ele entrou em confusão.


O saque de Atenas

Em 2 de maio de 1862, o 19º Regimento tomou a cidade de Atenas, no Alabama. Na ocasião, o exército estava frustrado com a situação em que se encontrava na guerra, já que os guerrilheiros dos Confederados frequentemente derrotavam os soldados da União com a ajuda dos residentes locais sulistas. Assim, o coronel russo decidiu ensinar aos rebeldes uma lição.

Em um episódio conhecido como “O saque de Atenas”, o coronel teria levado seus soldados da União à cidade, deixando-os saquear tudo o que podiam – quase 55 mil dólares, uma fortuna na época.

Turchin caiu em desgraça após o saque de Atenas, mas foi reabilitado por Abraham Lincoln

Após o incidente ganhar popularidade, Turchin foi demitido e levado à corte marcial. Mas muitos o apoiaram, e o jornal Chicago Tribune o classificou como uma "vítima da malícia pró-escravidão". Em seu discurso na corte, Turchin ressaltou que a União estava lutando contra os escravizadores com os quais “não se deveria lidar com luvas de pelica, mas um pouco mais duramente”.

Enquanto isto, a mulher de Turchin foi a Washington para levar o caso do marido diretamente a Lincoln, que não apenas liberou Turchin, mas também o promoveu a general de brigada. Afinal, a União precisava de oficiais ativos e inteligentes.


Esquecimento pós glória

Turchin continuou a servir ao Exército, lutando na Batalha de Chickamauga e na campanha de Chattanooga, onde deu seu melhor. Em 1864 ele teve que deixar o exército após sofrer um derrame. Depois da guerra, ele levou teve uma vida cheia de problemas, mudando de profissão o tempo todo. 

Turchin morreu em 1901, aos 79 anos e muito pobre.

Fonte: Russia Beyond

quarta-feira, 1 de maio de 2024

EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO DO KOSOVO (UÇK)

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Por Alexandre Del Valle


Fundado em 1996, o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) foi uma guerrilha composta por albaneses étnicos que pretendia a independência da província do Kosovo em relação à Iugoslávia (Sérvia). Os princípios da guerrilha albano-kosovar eram uma confusa mistura de marxismo-leninismo, islamismo e nacionalismo. Sua maior fonte de financiamento provinha do tráfico de drogas e armas das famosas máfias albanesas, além da ajuda dos imigrantes instalados na Alemanha e outros países da Europa.

O UÇK era considerado um grupo terrorista pelo regime de Slobodan Milosevic (1941-2006), não sem razão: várias centenas de policiais e civis sérvios haviam sido assassinados pela guerrilha antes que as tropas iugoslavas intervissem no Kosovo, o que gerou posteriormente a intromissão da OTAN no conflito (a Sérvia foi duramente bombardeada por 78 dias e teve sua infraestrutura destruída no período). A Guerra do Kosovo foi um dos casos curiosos de uma aliança entre o ocidente e uma obscura guerrilha "narcoislamita" dos Bálcãs, região assolada pela guerra e limpezas étnicas na década de 1990.



Este é um ponto interessante. A OTAN interviu em Kosovo por “razões humanitárias”: Clinton, Blair e outros líderes alardeavam a intenção de evitar um massacre semelhante ao ocorrido na Bósnia. Os sérvios foram demonizados unilateralmente. A limpeza étnica ocorreu dos dois lados: os sérvios embruteceram no combate aos albaneses depois dos ataques da OTAN, e o UÇK procedeu de forma tão brutal quanto após a rendição de Milosevic – milhares de sérvios fugiram do Kosovo ou foram assassinados. 

A máquina de propaganda ocidental ocultou os feitos dos albaneses e inflou os massacres – condenáveis, certamente – cometidos pelos sérvios, exagerando sua proporção. O UÇK procedeu com severidade com todos os não-albaneses do Kosovo: sérvios, gorancis (sérvios islamizados), ciganos, albaneses moderados, turcos, judeus. O Kosovo obteve a independência em 2008, ainda não reconhecida por alguns países.

Fonte: Guerras contra a Europa