Rocio Ortega esteve em Campo Grande para evento sobre os 150 anos da
Guerra do Paraguai
Representando a Secretaria Nacional de Cultura do Paraguai, Rocio
Ortega, é assessora da comissão do senado que criou a lei 5.529/2015, que
instaurou a Comissão Nacional para a Comemoração do Sesquicentenário da Epopeia
Nacional, que tem o objetivo de estabelecer ações que expressam uma política
nacional de comemoração em lembrança aos 150 anos desde a Guerra do Paraguai, e
contribuir para a reafirmação de uma nação heroica, livre e independente.
A comissão foca no desenvolvimento de uma agenda de trabalho que
inclui, entre outras coisas, a análise da abordagem educacional da Tríplice
Aliança em diferentes países, a reedição de materiais de biblioteca alusiva ao
tema, a valorização dos sítios e ações históricas, além de outras ações que
envolvam a população para resgatar o sentido das comemorações, respeitando a
memória coletiva do povo.
Em Campo Grande, Rocio Ortega apresentou o livro ‘Más Allá de la
Guerra’, em português, ‘Mais Além da Guerra’, durante o III Encontro do Grupo
de Pesquisa Historiografia e Ensino de História, realizado na Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), relembrando esse momento importante na
história do Brasil e Paraguai. Leia a entrevista, na íntegra:
Do que se trata o projeto e como ele surgiu?
Para recordar 150 anos desta guerra e iniciativa da secretaria
nacional da cultura para consagrar as políticas públicas paraguaias e pensamos
no projeto além da guerra, que começou a tomar forma em 2014, que se instalou
como um projeto do Mercosul cultural e que foi acertada durante uma reunião de
ministros da cultura do Mercosul. E aí no ano passado saiu essa lei 5.529. Isso
para incentivar uma série de ações, com vigência até 2020, que se cumprem 150
anos, cobrindo os cinco anos que correspondem as recordações.
Esse trabalho é mostrar além da guerra, como o próprio título explica.
Além de uma data precisa, além de uma estratégia militar, além da quantidade de
mortos, isso é a história da guerra, que pretende ir a uma memória maior. Por
exemplo, qual foi o impacto social ao povo paraguaio e o que isso influi na sua
relação com outros países.
Porque consideramos que a guerra resulta em uma memória que se
fragmenta e se traduz em muito sentimento, que o Paraguai principalmente ainda
sente muito, não terminou de compreender e, portanto, não terminou de perdoar
seus agressores. Então é muito facilmente observado quando estamos em um
momento político complicado, em que o Paraguai tem uma reação complicada.
Precisamos perdoar o agressor, nos integrar mais no mercado do
Mercosul. Essa ferida não é curada se essa memória não for compreendida. Consideramos que a guerra foi a última estratégia de fragmentação da
colônia, porque havia muito medo que ficássemos todos juntos, porque juntos
éramos uma força muito grande e, na época, muito perigosa. Então a guerra foi
parte de uma estratégia para deixar fragmentada a América do Sul, e isso
resultou em muita dor para o Paraguai.
No Brasil é mais esquecida a memória da guerra?
Acho que sim, porque o brasileiro recorda apenas que foi um fato na
região de fronteira. Além de outras regiões que não são da fronteira, há alguma
memória material em São Paulo ou Rio de Janeiro, mas não muito além. Na maior
parte das outras regiões do país ninguém sabe o que aconteceu, não é difundido.
E como é revivida essa lembrança no cotidiano paraguaio? As escolas
dão forte ênfase nesse capítulo do país? No Paraguai, esse é um dos principais elementos presentes nas aulas de
história nas escolas, o discurso da nacionalidade é muito mais presente. Você
não é paraguaio se não sabe da guerra da trípice aliança. Você não é paraguaio
se não se relaciona com as histórias de quem o feriu, é sempre lembrado que o
brasileiro nos ficou cerceando após a guerra, a todo tempo é incentivada essa
lembrança para que se fique, de certa forma, bravo com seus vizinhos. É um
sentimento muito, muito forte. Para o paraguaio médio, por exemplo, ir a uma
partida de futebol contra o Brasil é quase como ir à guerra novamente.
Existe certo preconceito, talvez, um bairrismo de brasileiros com
paraguaios. Você vê isso como reflexo daquela época também?
Não, acho que não precisamente da guerra, pois o Brasil tem uma
extensão quase continental, é natural que ele se sinta maior, superior a países
menores. Nem mesmo comercialmente, é mais uma questão cultural e relacionada
mais com o funcionalismo paraguaio, que deve partir de nós. Porque senão o
paraguaio vai ficar em paz para fazer os seus verdadeiros laços de amizade e
colaboração, porque esse discurso de embate está muito presente nos discursos
referentes às relações exteriores.
Se você fala isso que estou falando dentro de um curso de relações
internacionais no Paraguai, vão lhe tratar como uma espécie de traidor da
pátria. Mas não é isso, apenas é fundamental que a história seja desmontada e
compreendida novamente.
Existem algumas teorias da filosofia que dizem que não se termina a
dor da pessoa que carrega melancolia, e a melancolia é uma tristeza profunda
que não lhe permite avançar. Isso passa dos mais velhos aos mais jovens e há
uma noção geral de que paraguaios são vítimas, como ‘eu sou pobre porque fui
traído pelos meus vizinhos, me levaram tudo e mataram todos, o país perdeu suas
riquezas’. Esse é um discurso que comumente justifica certo retrato do país.
Como foi feito o trabalho desse projeto, especificamente do livro?
O livro não é a primeira ação do projeto, mas o primeiro objeto. Foram
impressos mil exemplares primeiramente, que já acabaram e foi necessária uma
segunda impressão. Ele é distribuído gratuitamente e é uma coletânea de 12
artigos que compreendem vários aspectos diferentes sobre a guerra, a partir de
estudos feitos por historiadores, pesquisadores. São observados essencialmente
três eixos fundamentais, o político, econômico e social daquele tempo, quando
estavam nascendo os países sul-americanos como nações independentes.
Para o Paraguai, isso significou a destruição de uma incipiente
configuração de estado Alguns capítulos tratam sobre o recomeço das
instituições econômicas, a entrada e a proibição da entrada do capital
estrangeiro no Paraguai, como foi com a França por muitas décadas. Se fala
também sobre a entrada de grandes empresas estrangeiras no país, que compraram
grande latifúndio, que resultou na pobreza do povo camponês, que era
proprietário dessas pequenas terras e perdeu-as. Também consta a participação
do povo indígena na guerra, qual foi o papel.
Há capítulos também que tratam das consequências da guerra em
instituições sociais e no imaginário simbólico do povo, que é como o povo pensa
sobre isso e expõe sua nacionalidade.
Foi difícil ter acesso a arquivos sobre a guerra? Muito do que foi
registrado foi perdido ou houve reocupação em se conservar acervos?
Muita memória foi apagada, mas temos muitos documentos ainda, a
vontade e abertos ao acesso. Porém, a vontade de trazer isso a tona. Os
primeiros historiadores políticos não construíram artigos a partir dos arquivos
nacionais, e não uma história rica acadêmica. Hoje, historiadores estão indo
mais frequentemente a essas fontes certas.
Que outros reflexos da história deixaram o povo paraguaio com esse
sentimento de melancolia mais forte?
A cultura, logicamente, se fortalece quando a mulher sobrevive como a
reprodutora dessa cultura, mas foi entregada como moeda de câmbio para outras
nações. Houve uma grande imigração de estrangeiros, italianos e espanhóis, para
tentar se apagar a identidade do paraguaio, de iniciativa do próprio governo
paraguaio. Se proibiu o uso do guarani, nas ruas e nas escolas, porque a
condição não era só terminar com as raízes e servir ‘dominadores’, países mais
fortes, mas de maneira forçada. Há muitos registros que essas mulheres,
abortavam muito, isso é muito forte.
Havia um preconceito enorme com o nosso sangue.
Porém, a mulher do Paraguai era obrigada a ter o filho, mas ele ficava
no colo dela. Então o espanhol acabava falando guarani e entrando dentro do
universo simbólico paraguaio que envolve a linguagem. Aí nasce o forte
sentimento de nacionalidade, porque apesar de ter sangue mestiço, sua história
é ali.
Quais as ações futuras do projeto?
Pretendemos fazer não somente mais livros, em português, guarani e
castelhano, mas filmes, livros didáticos para escolas, restauração de locais
históricos e monumentos, e até mesmo compra de coleções paraguaias que estão no
exterior e que devem estar no Paraguai. Temos muitas coisas que queremos fazer.
Fonte: Topmídianews. Entrevista concedida a Amanda Amaral.
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Interessante... porém tenho uma curiosidade tremenda pra saber o conteúdo guardado como Ultra Secreto pelo Governo Brasileiro sobre a Guerra do Paraguai. Parece existir uma preocupação em esconder algo, nossa história sempre fica assim incompleta, infelizmente (ou felizmente).
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