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Convencionalmente, os dias santos, e feriados e outras efemérides de grande importância e significado aparecem nas folhinhas e calendários em vermelho. Que cor devo eu escolher para o dia 22 de outubro de 1944, o dia que deu início a uma das passagens mais marcantes e trágicas de minha vida?
Pois bem, no dia 22 de outubro de 1944, foi-nos dada a missão de fazer uma patrulha de reconhecimento, com um efetivo de 19 homens, para determinar a posição dos alemães à nossa frente. Eu fazia parte do grupo do Sargento José Caporicci. Saímos às 2 horas da madrugada. Chovia bastante. O terreno era acidentado. Tivemos que avançar lentamente, não só por causa do mau tempo e das condições topográficas mas, também, pelas precauções que tínhamos que tomar. Estávamos alertas para possíveis encontros com patrulhas inimigas e, em especial, para evitar dispositivos que poderiam disparar alarmes e revelar nossa presença. Fios disfarçados e quase invisíveis para acionar minas, e outros artefatos colocados pelos alemães.
Nessas circunstâncias, levamos mais de sete horas para percorrer um trecho que, normalmente, poderia ser percorrido em menos de uma. Por fim, alcançamos o vilarejo de Galicano, na região de Barga, na Toscana. Já, nessa altura, eram 7 horas da manhã. Deparamo-nos com um grupo de mulheres que acabavam de sair de uma igreja, onde haviam assistido à missa. Quando nos viram, elas logo notaram, pelo uniforme e distintivo, que éramos brasileiros. Colocaram as mãos na cabeça, em sinal de rendição, e quase cochichando puseram-se a gesticular e apontar com os polegares voltados para a retaguarda, enquanto diziam: Tedeschi! I Tedeschi! Sono vicini! Molto vicini! Guarda!
A patrulha era comandada pelo Segundo Tenente Manoel Barbosa da Silva, que, além de não dar ouvidos às advertências das mulheres, voltou-se para nós e disse que se algum de nós tentasse correr, ele atiraria para matar. Porque fez essa ameaça, ninguém sabe e nem jamais ficará sabendo, pois não havia passado pela cabeça de nenhum de nós deixar de cumprir com o nosso dever.
Com efeito, jamais se poderá saber porque o tenente agiu como o fez logo em seguida. Coragem? Bravura? Destemor? Ignorância? Incompetência? Desconhecimento de táticas militares? Falta de bom senso? O fato que foi que, sem procurar cobertura, avaliar a situação do terreno, colocar a patrulha em posição de combate, o Tenente Manoel Barbosa da Silva, sem procurar cobertura, sem avaliar a situação do terreno, sem colocar a patrulha em posição de combate, avançou uns 200 metros e, em pé, pegou o binóculo e vasculhou o terreno, da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda. Ele deve ter localizado os alemães, porque pegou a carabina M1A1, geralmente fornecida aos oficiais e, em pé como estava, apontou e atirou.
Foi a mesma coisa, como se diz no interior de Minas Gerais, que "futucar caixa de marimbondo caga-fogo com vara curta". Os alemães começaram a disparar fogo cerrado contra nós. O Tenente Manoel Barbosa da Silva recebeu um tiro de fuzil no meio da testa e teve morte instantânea. O Sargento José Ferreira de Barros Filho e três soldados que estavam ao lado do tenente e presenciaram sua morte, lançaram-se ao chão e rastejaram, arrastando com eles o tenente morto, e conseguiram alcançar uma cocheira, cuja entrada ficava bem em frente dos alemães.
Mal o sargento e os três homens que o acompanhavam penetraram na cocheira, os alemães lançaram sobre a mesma uma descarga de tiros de fuzis, metralhadoras, morteiros e granadas incendiárias, ao mesmo tempo que iam se aproximando para invadí-la. A cocheira, que era de madeira e, além disso, deveria estar cheia de feno seco, virou um inferno de labaredas num piscar de olhos. Nossos homens, por milagre, conseguiram sair ilesos, mas tiveram que deixar para trás o corpo do tenente. Muito tempo depois, me deram a notícia de que, do desafortunado tenente, mal encontraram, em meio ao carvão e as cinzas, a arcada dentária e as placas de identificação.
Neste meio tempo, nossa artilharia, percebendo as explosões, lançaram uma barragem de tiros sobre o local. Na esperança de escapar, pedi a proteção de Deus e saí rastejando. Balas zumbiam em todas as direções, e cascas de árvores caíam sobre mim como um temporal de granito. Não consegui progredir muito porque notei a presença de um pelotão de austríacos entrincheirados logo à minha frente. Passei umas duas horas procurando uma brecha para escapar. De repente, fui abordado, por trás, por um oficial alemão com uma pistola automática em punho. Apontando a arma para a minha cabeça, perguntou:
- Amerikaner?
- Brasileiro! - respondi.
O oficial tomou-me o fuzil Springfield e fez com que eu o acompanhasse.
Segundo a sabedoria dos ditados populares, ninguém morre antes do dia. Naquele dia, de funesta memória, tanto eu com o oficial alemão poderíamos ter morrido. Quando ele me apanhou, de surpresa, por trás, poderia ter-me executado, incontinente, com um tiro na nuca, sem qualquer cerimônia ou preliminares. Com efeito, não era incomum matar prisioneiros de guerra, a sangue frio, mesmo desarmados. Tanto os alemães quanto os aliados, principalmente os russos, o fizeram com freqüência. A bem da boa verdade, há relatos de que soldados brasileiros mataram, sem mais nem menos, prisioneiros alemães, já com os braços levantados para se renderem. Eu também poderia ter matado o oficial alemão. Inexplicavelmente, ele me tomou o fuzil, mas não me fez entregar a baioneta que levava na cintura. Ademais, em vez de mandar que eu fosse na frente, fez-me acompanhá-lo. Passou-me pela cabeça aproveitar a oportunidade para tentar dar-lhe um golpe de baioneta pelas costas, porém não o fiz pela quase certeza de que havia soldados alemães por perto, observando nossos movimentos.
O oficial alemão me conduziu a uma casamata, onde me entregou-me aos soldados que lá estavam. Senti, naquele momento, na penumbra daquele abrigo subterrâneo blindado, uma espécie de calafrio e minhas pernas bambearam. Veio-me à mente o temor, de longe arraigado, de que havia chegado o momento em que os alemães iriam me submeter às terríveis torturas, tais como arrancar-me as unhas, aplicar-me choque elétricos, queimar-me com cigarros, colocar-me durante horas diante de focos de luz intensos, pendurar-me pelos dedos dos pés, e coisas piores para arrancar-me informações. Respirei fundo e procurei reunir forças para sofrer, com denodo, o que estava prestes a acontecer. Fiz uma oração mental e balbuciei cá comigo mesmo: Seja lá o que Deus quiser!
Os alemães me revistaram da cabeça aos pés, mas sem qualquer agressão física. Não tendo encontrado, no meu uniforme e corpo, qualquer coisa que lhes chamasse a atenção, logo se desinteressaram por mim. O oficial, então, ordenou que dois soldados alemães me levassem a Castelnuevo di Garfagnana, onde havia um centro de recebimento de prisioneiros.
Percorremos um caminho em meio a um bosque de castanheiros. O fogo de nossa artilharia continuou incessante na região. Estilhaços de morteiros choviam sobre as árvores, muitas vezes sacudindo os galhos e fazendo cair sobre nós frutos de castanhas, eriçados como se fossem pequenos ouriços verdes ou amarelados. Eu queria me abaixar, como se estivesse tentando me proteger dos estilhaços, mas os alemães se mostravam inabaláveis e indiferentes ao que se passava a seu redor. Meu medo de ser atingido provocou neles risos sarcásticos, enquanto diziam, "Scheisschiesserei von Ihren eigenen Scheisskameraden! Keine Gefahr!" - como se quisessem afirmar que se tratava apenas de um " tiroteio de merda de meus companheiros de merda, sem qualquer perigo". Não pude deixar de ficar impressionado com o sangue-frio e descaso daqueles soldados para com a possibilidade de receberem um impacto. Num certo momento, um estilhaço de projetil de morteiro atingiu a bota de um deles. Ele o pegou, examinou, e depois o lançou para longe com o maior desdém.
Já escurecia quando, por fim, chegamos a Castelnuevo di Garfagnana. Enfiaram-me num lugar escuro. Não tardou muito e recebi a companhia de um sargento e de três soldados de nossa malfadada patrulha. Junto com eles, veio também um jovem italiano, que depois fiquei sabendo tratar-se de um partigiano, o nome dado ao seguidor de um partido ou partidário, ou mais específicamente, um guerrilheiro que opera dentro das linhas inimigas.
A essa altura dos acontecimentos, há mais de 20 horas sem nada comer, apesar do cansaço, angústia e tensões, já sentia muita fome. Algumas horas depois, os alemães deram a cada um de nós uma pequena porção de sopa. Demos graças a Deus.
O partigiano italiano tomou a sopa quase chorando, dizendo ter certeza de que essa seria sua última refeição. Quanto a nós, disse ele apontando em nossa direção, seríamos enviados para um campo de concentração na Alemanha. Já no caso dele, disse ter certeza de que seria executado dentro das próximas horas. Quando os alemães capturam partigiano, mandavam que eles cavassem as próprias covas e eram, em seguida, exterminados com um tiro na nuca. Apontando para sua insígnia de partigiano, disse que não tinha como escapar. Sugeri, então, que ele arrancasse a insígnia e a jogasse na fossa da privada, ao que ele bateu palma e disse: "Bravo! Bravo!" - não sei se por sarcasmo ou por aprovar a idéia. Disse que era isso o que iria fazer, mas temia que os alemães já soubessem que ele era partigiano.
O que aconteceu com esse pobre rapaz italiano, eu nunca soube. Passamos o resto da noite deitados no chão duro, forrado apenas com jornais.
Na manhã seguinte, os alemães me tiraram as galochas que usávamos recheada de jornais e capim para proteger do frio, o gorro de lã, e a blusa ou jaqueta de campanha, ou field jacket, do Exército dos Estados Unidos, que recebemos para completar nosso uniforme de combate. Essa jaqueta era muito confortável e prática, que era usada, no exército americano, por todos, desde general de cinco estrelas até soldado raso. Ouvia-se dizer que, inicialmente, os altos oficiais brasileiros não gostavam de usar essa blusa. Não pude imaginar, naquele instante, a falta que essas peças iriam nos fazer nos próximos seis meses de frio intenso pelo qual passei, muitas vezes à temperatura abaixo de 28 graus negativos.
Fonte: http://www.anvfeb.com.br/
Mais uma crônica de nossa Força Expedicionária Brasileira na Itália. Desta vez trazemos o relato do
O relato do 3º Sgt Amynthas Pires de Carvalho sobre sua captura pelos alemães em 1944. Região de Barga, Toscana, 22 de setembro de 1944.
Convencionalmente, os dias santos, e feriados e outras efemérides de grande importância e significado aparecem nas folhinhas e calendários em vermelho. Que cor devo eu escolher para o dia 22 de outubro de 1944, o dia que deu início a uma das passagens mais marcantes e trágicas de minha vida?
Pois bem, no dia 22 de outubro de 1944, foi-nos dada a missão de fazer uma patrulha de reconhecimento, com um efetivo de 19 homens, para determinar a posição dos alemães à nossa frente. Eu fazia parte do grupo do Sargento José Caporicci. Saímos às 2 horas da madrugada. Chovia bastante. O terreno era acidentado. Tivemos que avançar lentamente, não só por causa do mau tempo e das condições topográficas mas, também, pelas precauções que tínhamos que tomar. Estávamos alertas para possíveis encontros com patrulhas inimigas e, em especial, para evitar dispositivos que poderiam disparar alarmes e revelar nossa presença. Fios disfarçados e quase invisíveis para acionar minas, e outros artefatos colocados pelos alemães.
Nessas circunstâncias, levamos mais de sete horas para percorrer um trecho que, normalmente, poderia ser percorrido em menos de uma. Por fim, alcançamos o vilarejo de Galicano, na região de Barga, na Toscana. Já, nessa altura, eram 7 horas da manhã. Deparamo-nos com um grupo de mulheres que acabavam de sair de uma igreja, onde haviam assistido à missa. Quando nos viram, elas logo notaram, pelo uniforme e distintivo, que éramos brasileiros. Colocaram as mãos na cabeça, em sinal de rendição, e quase cochichando puseram-se a gesticular e apontar com os polegares voltados para a retaguarda, enquanto diziam: Tedeschi! I Tedeschi! Sono vicini! Molto vicini! Guarda!
A patrulha era comandada pelo Segundo Tenente Manoel Barbosa da Silva, que, além de não dar ouvidos às advertências das mulheres, voltou-se para nós e disse que se algum de nós tentasse correr, ele atiraria para matar. Porque fez essa ameaça, ninguém sabe e nem jamais ficará sabendo, pois não havia passado pela cabeça de nenhum de nós deixar de cumprir com o nosso dever.
Com efeito, jamais se poderá saber porque o tenente agiu como o fez logo em seguida. Coragem? Bravura? Destemor? Ignorância? Incompetência? Desconhecimento de táticas militares? Falta de bom senso? O fato que foi que, sem procurar cobertura, avaliar a situação do terreno, colocar a patrulha em posição de combate, o Tenente Manoel Barbosa da Silva, sem procurar cobertura, sem avaliar a situação do terreno, sem colocar a patrulha em posição de combate, avançou uns 200 metros e, em pé, pegou o binóculo e vasculhou o terreno, da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda. Ele deve ter localizado os alemães, porque pegou a carabina M1A1, geralmente fornecida aos oficiais e, em pé como estava, apontou e atirou.
Foi a mesma coisa, como se diz no interior de Minas Gerais, que "futucar caixa de marimbondo caga-fogo com vara curta". Os alemães começaram a disparar fogo cerrado contra nós. O Tenente Manoel Barbosa da Silva recebeu um tiro de fuzil no meio da testa e teve morte instantânea. O Sargento José Ferreira de Barros Filho e três soldados que estavam ao lado do tenente e presenciaram sua morte, lançaram-se ao chão e rastejaram, arrastando com eles o tenente morto, e conseguiram alcançar uma cocheira, cuja entrada ficava bem em frente dos alemães.
Mal o sargento e os três homens que o acompanhavam penetraram na cocheira, os alemães lançaram sobre a mesma uma descarga de tiros de fuzis, metralhadoras, morteiros e granadas incendiárias, ao mesmo tempo que iam se aproximando para invadí-la. A cocheira, que era de madeira e, além disso, deveria estar cheia de feno seco, virou um inferno de labaredas num piscar de olhos. Nossos homens, por milagre, conseguiram sair ilesos, mas tiveram que deixar para trás o corpo do tenente. Muito tempo depois, me deram a notícia de que, do desafortunado tenente, mal encontraram, em meio ao carvão e as cinzas, a arcada dentária e as placas de identificação.
Neste meio tempo, nossa artilharia, percebendo as explosões, lançaram uma barragem de tiros sobre o local. Na esperança de escapar, pedi a proteção de Deus e saí rastejando. Balas zumbiam em todas as direções, e cascas de árvores caíam sobre mim como um temporal de granito. Não consegui progredir muito porque notei a presença de um pelotão de austríacos entrincheirados logo à minha frente. Passei umas duas horas procurando uma brecha para escapar. De repente, fui abordado, por trás, por um oficial alemão com uma pistola automática em punho. Apontando a arma para a minha cabeça, perguntou:
- Amerikaner?
- Brasileiro! - respondi.
O oficial tomou-me o fuzil Springfield e fez com que eu o acompanhasse.
Segundo a sabedoria dos ditados populares, ninguém morre antes do dia. Naquele dia, de funesta memória, tanto eu com o oficial alemão poderíamos ter morrido. Quando ele me apanhou, de surpresa, por trás, poderia ter-me executado, incontinente, com um tiro na nuca, sem qualquer cerimônia ou preliminares. Com efeito, não era incomum matar prisioneiros de guerra, a sangue frio, mesmo desarmados. Tanto os alemães quanto os aliados, principalmente os russos, o fizeram com freqüência. A bem da boa verdade, há relatos de que soldados brasileiros mataram, sem mais nem menos, prisioneiros alemães, já com os braços levantados para se renderem. Eu também poderia ter matado o oficial alemão. Inexplicavelmente, ele me tomou o fuzil, mas não me fez entregar a baioneta que levava na cintura. Ademais, em vez de mandar que eu fosse na frente, fez-me acompanhá-lo. Passou-me pela cabeça aproveitar a oportunidade para tentar dar-lhe um golpe de baioneta pelas costas, porém não o fiz pela quase certeza de que havia soldados alemães por perto, observando nossos movimentos.
O oficial alemão me conduziu a uma casamata, onde me entregou-me aos soldados que lá estavam. Senti, naquele momento, na penumbra daquele abrigo subterrâneo blindado, uma espécie de calafrio e minhas pernas bambearam. Veio-me à mente o temor, de longe arraigado, de que havia chegado o momento em que os alemães iriam me submeter às terríveis torturas, tais como arrancar-me as unhas, aplicar-me choque elétricos, queimar-me com cigarros, colocar-me durante horas diante de focos de luz intensos, pendurar-me pelos dedos dos pés, e coisas piores para arrancar-me informações. Respirei fundo e procurei reunir forças para sofrer, com denodo, o que estava prestes a acontecer. Fiz uma oração mental e balbuciei cá comigo mesmo: Seja lá o que Deus quiser!
Os alemães me revistaram da cabeça aos pés, mas sem qualquer agressão física. Não tendo encontrado, no meu uniforme e corpo, qualquer coisa que lhes chamasse a atenção, logo se desinteressaram por mim. O oficial, então, ordenou que dois soldados alemães me levassem a Castelnuevo di Garfagnana, onde havia um centro de recebimento de prisioneiros.
Ponte no vilarejo de Castelnuovo di Garfagnana
Percorremos um caminho em meio a um bosque de castanheiros. O fogo de nossa artilharia continuou incessante na região. Estilhaços de morteiros choviam sobre as árvores, muitas vezes sacudindo os galhos e fazendo cair sobre nós frutos de castanhas, eriçados como se fossem pequenos ouriços verdes ou amarelados. Eu queria me abaixar, como se estivesse tentando me proteger dos estilhaços, mas os alemães se mostravam inabaláveis e indiferentes ao que se passava a seu redor. Meu medo de ser atingido provocou neles risos sarcásticos, enquanto diziam, "Scheisschiesserei von Ihren eigenen Scheisskameraden! Keine Gefahr!" - como se quisessem afirmar que se tratava apenas de um " tiroteio de merda de meus companheiros de merda, sem qualquer perigo". Não pude deixar de ficar impressionado com o sangue-frio e descaso daqueles soldados para com a possibilidade de receberem um impacto. Num certo momento, um estilhaço de projetil de morteiro atingiu a bota de um deles. Ele o pegou, examinou, e depois o lançou para longe com o maior desdém.
Já escurecia quando, por fim, chegamos a Castelnuevo di Garfagnana. Enfiaram-me num lugar escuro. Não tardou muito e recebi a companhia de um sargento e de três soldados de nossa malfadada patrulha. Junto com eles, veio também um jovem italiano, que depois fiquei sabendo tratar-se de um partigiano, o nome dado ao seguidor de um partido ou partidário, ou mais específicamente, um guerrilheiro que opera dentro das linhas inimigas.
A essa altura dos acontecimentos, há mais de 20 horas sem nada comer, apesar do cansaço, angústia e tensões, já sentia muita fome. Algumas horas depois, os alemães deram a cada um de nós uma pequena porção de sopa. Demos graças a Deus.
O partigiano italiano tomou a sopa quase chorando, dizendo ter certeza de que essa seria sua última refeição. Quanto a nós, disse ele apontando em nossa direção, seríamos enviados para um campo de concentração na Alemanha. Já no caso dele, disse ter certeza de que seria executado dentro das próximas horas. Quando os alemães capturam partigiano, mandavam que eles cavassem as próprias covas e eram, em seguida, exterminados com um tiro na nuca. Apontando para sua insígnia de partigiano, disse que não tinha como escapar. Sugeri, então, que ele arrancasse a insígnia e a jogasse na fossa da privada, ao que ele bateu palma e disse: "Bravo! Bravo!" - não sei se por sarcasmo ou por aprovar a idéia. Disse que era isso o que iria fazer, mas temia que os alemães já soubessem que ele era partigiano.
O que aconteceu com esse pobre rapaz italiano, eu nunca soube. Passamos o resto da noite deitados no chão duro, forrado apenas com jornais.
Na manhã seguinte, os alemães me tiraram as galochas que usávamos recheada de jornais e capim para proteger do frio, o gorro de lã, e a blusa ou jaqueta de campanha, ou field jacket, do Exército dos Estados Unidos, que recebemos para completar nosso uniforme de combate. Essa jaqueta era muito confortável e prática, que era usada, no exército americano, por todos, desde general de cinco estrelas até soldado raso. Ouvia-se dizer que, inicialmente, os altos oficiais brasileiros não gostavam de usar essa blusa. Não pude imaginar, naquele instante, a falta que essas peças iriam nos fazer nos próximos seis meses de frio intenso pelo qual passei, muitas vezes à temperatura abaixo de 28 graus negativos.
Fonte: http://www.anvfeb.com.br/
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