Batizar operações militares serve
para melhorar o moral das tropas e tem efeito de propaganda, mas por vezes
falta inspiração aos autores, como se vê neste título
Por José Francisco Botelho
Em 19 de março de 2011, navios e
submarinos americanos cruzaram o mar Mediterrâneo rumo ao litoral da Líbia.
Pela primeira vez em mais de uma década, o Exército dos EUA participava de uma
ação militar apoiada pela maior parte da população árabe. O objetivo era
destruir as forças do ditador Muamar Kadafi, há 40 anos no poder. O regime,
sacudido por uma rebelião interna, reagiu com o massacre de civis. A
intervenção militar tinha aval da ONU e contava com a adesão de países como a
França e o Reino Unido. Apesar da seriedade da situação, risinhos irônicos se
espalharam pelo mundo, enquanto os mísseis americanos Tomahawk choviam sobre as
Forças Armadas líbias. Por que tanta graça em uma hora tão grave? O motivo era
o nome da operação americana: Odissey Dawn, que em português quer dizer
"Aurora da Odisseia". A esdrúxula combinação de palavras, com suas
vagas e malsucedidas intenções poéticas, foi um prato cheio para humoristas
como Jon Stewart: "Isso mais parece título de algum álbum do Yes". (A
banda de rock progressivo tem em seu currículo pérolas como Contos dos Oceanos
Topográficos e Chaves da Ascensão 1 e 2.)
O ditador foi derrubado, mas é
improvável que a Aurora da Odisseia continue despertando, daqui a meio século,
sentimentos solenes como os que envolvem a Operação Overlord - codinome para a
invasão aliada nas costas da Normandia, o dia D da 2ª Guerra. O contraste entre
a força de alguns codinomes e a - digamos - esquisitice de outros levou muita
gente a se perguntar: afinal de contas, quem escolhe o nome dessas operações
militares e de que forma se dá o "batismo"? Ironias à parte, essa
questão aponta para um interessante - e pouco conhecido - capítulo na história
militar. Dar nomes a operações é um hábito com várias funções - entre elas,
levantar o moral dos soldados e fazer boa propaganda. "É natural que os
soldados sintam-se mais motivados por participar em uma operação denominada
Tempestade no Deserto do que Colinho da Mamãe", diz Cesar Machado
Domingues, historiador e editor da Revista Brasileira de História Militar.
"Da mesma forma, algumas expressões bem escolhidas podem influenciar
favoravelmente a opinião pública." Mas também operações que fracassaram
por causa de nomes mal bolados, como você vai ver a seguir.
Letras, números e santos
Lá nos primórdios da humanidade,
fazer guerra era relativamente simples. Bastava juntar um bando de
correligionários, reunir algumas lanças e correr para o terreno do vizinho. Com
o tempo, as coisas se complicaram. Os exércitos se dividiram em cavalaria,
infantaria, artilharia etc. Navios - e, bem mais tarde, aviões - foram
acrescentados à equação. Os exércitos passaram de algumas centenas a centenas
de milhares de soldados. Em meados do século XIX, a arte da guerra estava tão
cheia de variáveis que foi preciso dar nomes específicos a cada movimentação de
tropas. "Nome", no caso, é hipérbole: na época, as operações eram
batizadas com letras ou números, como Diretiva 1 e Plano de Operações Y.
Foi a partir da 1ª Guerra que as
operações ganharam nomes. Os pioneiros foram os alemães. "Atribuir um nome
em código tinha dois objetivos: aumentar a segurança e facilitar o
planejamento", afirma o historiador Carlos Daróz, da Universidade do Sul
de Santa Catarina. Os codinomes escondiam o verdadeiro objetivo de um plano: em
vez de escrever em seus documentos "projetos para a invasão da França na
primavera de 1918", os oficiais alemães tascavam uma referência religiosa
- São Jorge e São Miguel são dois exemplos pioneiros. "Isso deixaria os
inimigos na dúvida caso documentos secretos fossem capturados", explica
Daróz. Já naquela época o pessoal se preocupava com o lado marqueteiro da
coisa. A Alemanha estava perdendo, e a alusão a seres semidivinos era uma
tentativa de dar ânimo aos soldados.
Na 2ª Guerra, dois dos principais
protagonistas do conflito, Winston Churchill e Adolf Hitler, tinham obsessão
por batizar ações de guerra, de preferência com nomes grandiosos e
inesquecíveis. O primeiro-ministro britânico escreveu um manual sobre o
assunto. Para Churchill, um bom nome deveria evitar palavras banais, mas sem
transparecer excesso de confiança. "Afinal de contas, o mundo é amplo, e o
raciocínio inteligente proverá um número ilimitado de nomes sonoros, que nada
revelem sobre o caráter da operação, mas que tampouco levem alguém a dizer, algum
dia, que seu pobre filho morreu na operação Joaninha ou Peixinho Dourado",
escreveu Churchill (que mesmo em documentos não perdia a verve de humorista
diletante).
Pecando pelo excesso
Foi Churchill quem transmitiu o
entusiasmo pelo tema aos americanos. Em 1943, o Alto Comando dos EUA planejou
um bombardeio aos campos de petróleo da Romênia. A ação foi batizada de Espuma
de Sabão. Horrorizado com a falta de elegância, Churchill convenceu os aliados
a trocar o codinome para Onda Sísmica. Ninguém sabe ao certo quem escolheu o
nome da principal operação aliada no Front Ocidental - mas é bem provável que o
primeiro-ministro britânico tenha dado pitacos no batismo da Overlord (Senhor
Supremo). Nesse caso, o conselho sobre evitar o excesso de confiança foi
deixado de lado. Tudo bem, pois a operação foi um sucesso e os aliados
venceram.
Operação Barbarossa, em 1941. Seu nome, que fazia referência à expansão do rei Frederico Barbarossa para o Oriente, no século XII, poderia ter comprometido a operação
Hitler foi bem menos feliz em
suas escolhas. Aos nomes das operações nazistas, não faltava grandiosidade, mas
discrição. Veja o caso do megalomaníaco plano de invasão da União Soviética em
1941, a Operação Barbarossa - referência a Frederico Barbarossa, monarca do
século XII que expandiu o domínio germânico para terras ao leste da Alemanha. O
nome era certamente inspirador - mas poderia ter revelado as intenções da
Alemanha se caísse em mãos soviéticas. "Não se sabe por que motivo os
alemães deram uma indicação tão clara de que seu plano era invadir a
URSS", diz Daróz, da Unisul. Hitler deu sorte, pois o nome não vazou
(embora a Barbarossa tenha fracassado de qualquer jeito). Com a Operação Leão
Marinho, de 1941, foi diferente. Hitler decidiu invadir a Inglaterra por mar e
ocupar o país. A ideia era desembarcar 70 mil soldados por meio de veículos
anfíbios. Mas o serviço de inteligência britânico interceptou uma mensagem
cifrada de rádio que falava no tal "Leão Marinho" - e os oficiais
logo sacaram que a ideia de Hitler era atravessar o canal da Mancha.
Após a 2ª Guerra, na Guerra Fria
e até os dias de hoje, foram os americanos que mais batizaram operações (veja
ao lado). Mas todo Exército gosta de dar nome a suas ações. Os franceses, por
exemplo, escolhem expressões sonoras e evocativas. Se os americanos foram à
Líbia de Aurora da Odisseia, as forças francesas chamaram sua expedição de
Harmattan - referência ao vento quente e seco que sopra sobre o Saara em março.
Bem, digam o que quiserem sobre os franceses, mas ninguém pode negar que os
caras sabem escolher um nome.
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