quinta-feira, 24 de maio de 2018

O ÚLTIMO SUSPIRO DO IMPÉRIO



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Para os britânicos, a crise do canal de Suez não significou apenas a perda de um importante ponto estratégico no Oriente Médio; representou uma humilhante derrota e o fim de sua hegemonia, em declínio desde a 2ª Guerra Mundial.

Por Dominic Sandbrook

Às cinco horas de uma manhã de outono, grupos de aeronaves britânicas sobrevoavam a costa do Egito.  Depois que os caças da Marinha abriram caminho, tropas de paraquedistas saltaram, despencando 300 metros até a cidade de Port Said.  Em poucas horas, consolidavam a invasão do local.

No dia seguinte, começava a segunda fase da operação.  Enormes nuvens de fumaça negra subiam do porto egípcio, à medida que helicópteros britânicos rumavam para a praça central, onde uma estátua de Ferdinand de Lesseps, o arquiteto do Canal de Suez, permanecia intacta. À noite, a resistência local já havia sido esmagada e a estrada sul em direção ao canal liberada.

Os soldados agora se encaminhavam para o objetivo principal embarcados em blindados, bebendo uísque para se aquecerem na noite fria.  De repente, a 32 km da costa, alguém acenou.  Para completa surpresa da tropa, o comandante avisou que não poderiam mais prosseguir – os americanos impediam o avanço.

 Helicópteros britânicos a caminho de Port Said

Zona ocupada

As origens da crise de Suez, talvez a maior humilhação britânica nos tempos modernos, remontam à história do relacionamento anglo-egípcio.  O Egito ficou sob o domínio da Grã-Bretanha desde o fim do século XIX e, até o começo dos anos 1950, o país europeu mantinha guarnições na Zona do Canal de Suez, uma estreita faixa de pistas de decolagem e instalações ao lado da grande hidrovia artificial construída entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho.

Mas, em 1952, um golpe de estado derrubou o rei Farouk e o substituiu por um governo militar, chefiado pelo carismático coronel Gamal Abdel Nasser, que havia decidido se tornar a grande expressão do nacionalismo na região.  A ruptura com a Grã-Bretanha era, portanto, inevitável, uma vez que a autoafirmação egípcia estava destinada a colidir com os interesses estratégicos britânicos.

Em 1955, Nasser se recusou a participar do pacto anticomunista de Bagdá e fechou um acordo com a comunista Tchecoslováquia.  Com a Guerra Fria no auge, Grã-Bretanha e EUA decidiram que o líder egípcio era uma ameaça e, em julho de 1956, os dois países desistiriam de financiar o projeto de desenvolvimento da represa de Assuã, no rio Nilo.



Apenas uma semana depois, Nasser se vingou. No aniversário do golpe que o levou ao poder, ele fez um discurso diante de uma enorme multidão em Alexandria e anunciou a imediata nacionalização do Canal de Suez.  Seus proprietários, os acionistas franceses e britânicos, seriam compensados, mas o símbolo supremo do colonialismo europeu, a hidrovia crucial que levava petróleo do Oriente Médio ao Ocidente, ficaria em mãos egípcias.

O anúncio chocou o mundo, afetando Londres de forma mais aguda.  A Grã-Bretanha era a força dominante no Oriente Médio havia muito tempo.  Agora, ela era desafiada, e muita gente – no governo, na imprensa e na sociedade em geral – insistia para que o líder egípcio fosse impedido.

Anarquia e caos

A decisão cabia ao primeiro-ministro inglês Anthony Eden, um conservador que havia sido lugar-tenente de Winston Churchill durante a 2ª Guerra Mundial e que esperara durante anos a chance de sucedê-lo.  Eden havia, finalmente, assumido o governo em 1955 e vencido uma eleição geral, mas sua popularidade estava em queda.  Enfraquecido por uma série de doenças e cirurgias, tinha uma aparência frágil que contrastava com seu irascível vice, Rab Butler.

Muitos consideram que a maneira como Eden conduziu o caso foi equivocada.  Para começar, ele encarou o desafio de Nasser de forma pessoal.  Eu o quero destruído, está entendendo?”, perguntou a um de seus oficiais.  Não quero uma alternativa, nem quero saber se o Egito está em meio à anarquia e ao caos.”

 O primeiro-ministro britânico Anthony Eden falando à BBC

Convencido que aquela era a oportunidade de reforçar a posição mundial da Grã-Bretanha, em declínio desde a guerra, Eden ordenou a mobilização das forças armadas quando as negociações para resolver a disputa ainda não tinham acabado.  Mas em Washington, o governo de Dwight Eisenhower não estava propenso a embarcar na empreitada de seus antigos aliados – o presidente norte-americano iria tentar a reeleição em novembro e temia aborrecer seus eleitores.  Sem o apoio dos EUA, Eden foi bater em outra porta.

Em 22 de outubro, Eden convidou seu ministro das Relações Exteriores, Selwyn Lloyd, para um encontro secreto em Paris com seus colegas da França e de Israel. Lá, fecharam um acordo extraordinário: Israel invadiria o Egito e, logo em seguida, Grã-Bretanha e França dariam um ultimato para que os dois lados batessem em retirada e aceitassem a intervenção na Zona do Canal.  Quando Nasser recuasse – o que eles sabiam que aconteceria -, os dois aliados europeus atacariam. Parecia infalível, embora fosse eticamente questionável.

A operação pode ter entrado para a história como um fracasso por conta de seus resultados, mas do ponto de vista militar foi um triunfo.  O ataque israelense ocorreu exatamente como planejado: Grã-Bretanha e França deram o prometido ultimato e, em 5 de novembro, começou a invasão aliada do Egito.  Então, o que deu errado?  A resposta, bastante simples, é que os norte-americanos intervieram.

 O motivo da discórdia: Canal de Suez

A poucos dias da eleição presidencial, Eisenhower ficou furioso ao saber que Eden o enganara.  Mas a oportunidade para uma represália não tardou a surgir, graças ao fator econômico.  Com a libra esterlina sob forte pressão no mercado de câmbio e o bloqueio do Canal de Suez interrompendo o acesso ao petróleo do Oriente Médio, a situação da Grã-Bretanha era desesperadora.  Quando representantes do ministério da Fazenda britânico procuraram ajuda financeira em Washington, receberam uma resposta gelada.

Encarando a humilhação

E assim, o fim logo veio.  Eden teve de se submeter a Eisenhower e fazer um discurso humilhante na Câmara dos Comuns: “Seu rosto era cinza, com exceção das bordas negras que cercavam as brasas apagadas de seus olhos.  A personalidade parecia completamente ausente”, registrou um observador.  Duas semanas depois, exausto e alquebrado, o primeiro-ministro foi se recuperar na Jamaica. Ao voltar, sua saúde continuava em frangalhos e, assim, no dia 9 de janeiro de 1957, Eden renunciou ao cargo com a carreira aparentemente destruída pelo maior fiasco diplomático da história britânica.

A humilhação pessoal de Eden era comparável à vergonha de seus generai e também à de seus colegas franceses e israelenses, que gradualmente retiraram suas tropas e deram espaço às forças de paz das Nações Unidas.  Enquanto isso, Suez permanecia em mãos egípcias e Nasser saiu como o grande vitorioso.  Poucos anos depois de chegar ao poder, ele assegurava sua reputação como o paladino que ousara puxar o tapete do Império Britânico.

 Posição britânica em Port Said: o Império desmorona

Qual foi o impacto da Crise de Suez na Grã-Bretanha?  A opinião pública estava dividida: manifestantes lotaram a Trafalgar Square para protestar contra a invasão, mas boa parte da imprensa apoiou Eden.  O historiador Robert Rhodes James registrou que jovens e idosos apoiavam fervorosamente o governo e “desprezavam os antipatrióticos socialistas” que se opunham à guerra.  De fato, os números mostram que Eden era mais popular após a derrocada do que antes, enfraquecendo o mito de que ele foi destroçado pela opinião pública.

Também é mito que Suez tenha causado o declínio do Império.  A verdade é que o poder bretão estava minguando de toda forma, graças à dispendiosa participação do país nas duas guerras mundiais.  A crise no Oriente simplesmente demonstrou isso, de forma incontestável, para o mundo inteiro.

Para piorar, quaisquer pretensões de superioridade moral foram demolidas pelas revelações de que Eden conspiravam com os franceses e israelenses para atacar o Egito.  Pierson Dixon, representante britânico na ONU, raciocinou que “com nossa ação, nos rebaixamos de uma potência de primeira para uma de terceira classe.  Revelamos nossa fraqueza ao pararmos e jogamos fora a posição moral da qual nossos status mundial largamente dependia.

Existe pouca dúvida de que o episódio deixou marcas profundas na nação.  O escritor Peter Vansittart não estava sozinho quando relembrou ter “sentido uma mudança nas ruas, bares e lares depois de Suez: uma redução das expectativas, a sensação de que os tempos bons haviam acabado.”  Acho que o fracasso no Egito teve um efeito arrasador sobre o moral do governo britânico.  O fedor da derrota era uma coisa assombrosa”, afirmou um ministro do Partido Conservador.  Mais de uma centena de parlamentares assinou uma moção parlamentar acusando os norte-americanos de “pôr em risco de forma muito grave a Aliança Atlântica”. E muitas pessoas comuns destilavam sua amargura contra o velho aliado.  “Não atendemos norte-americanos aqui”, dizia uma placa na entrada de uma revenda de automóveis em Hertfordshire.

O fim de uma era

Mais de cinco décadas depois, Suez ainda é um divisor de águas histórico.  Depois de 1956, a Grã-Bretanha nunca mais pôde usar sua força como antigamente.  E ninguém duvidava de que o verdadeiro poder estava em Washington, não em Londres.  Mas o que se costuma esquecer é que a crise no Egito também foi o início de uma nova era de riqueza e ambição.  Sem o fardo da grandeza imperial, os britânicos estavam livres para se divertir, esbanjando com carros, aparelhos de TV, máquinas de lavar e toda a parafernália da sociedade de consumo.

Três anos depois, o fisco no Egito havia sido esquecido em grande parte e os Conservadores, liderados por Harold Macmillan – chanceler que assumiu o governo após a renúncia de Eden - , rumava à reeleição.  Depois veio o escândalo Profumo, os Beatles e todo o florescimento cultural dos anos 1960.  Suez pode ter sido o último suspiro do esplendor imperial britânico, mas foi o tiro de largada para uma nova aventura cultural.

Fonte: Guerras e conflitos do século XX, BBC

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