Artigo de opinião sobre a demissão do General Petreaus do cargo de chefe da CIA mergulha em características, pouco destacadas na historiografia, das principais lideranças da história militar dos EUA.
Por Mark Perry, do FOREIGN POLICY
Em maio de 1934, os repórteres Drew Pearson e Robert Allen publicaram um
artigo no jornal Washington Herald no qual acusaram o então chefe do Estado-maior
do Exército, general Douglas MacArthur, de ter cometido atos "ditatoriais,
insubordinados, desleais, rebeldes e desrespeitosos" durante a Bonus
March, uma manifestação da qual participaram mais de 10 mil veteranos da 1.ª
Guerra que reivindicavam o pagamento de bonificações que lhes haviam sido
prometidas pelo governo, um protesto pacífico.
MacArthur dissolveu o ato com o uso da força - com tanques comandados
pelo general George Patton - em julho de 1932, uma decisão que manchou para
sempre sua reputação. Enraivecido pelo artigo dos dois jornalistas, MacArthur
entrou com uma ação contra eles no valor de US$ 1,75 milhão. Os repórteres
ficaram apavorados, pois sabiam que dificilmente poderiam provar suas
acusações. A parte interessante vem agora.
Entre os inimigos de MacArthur havia o deputado Ross Collins, um
poderoso democrata de Mississippi - de fala arrastada, maxilar pronunciado, o
personagem completo - que controlava as verbas destinadas aos militares e
morava no prédio Chastleton Apartment na Rua 16, e muitas vezes vira MacArthur
no edifício. Collins não gostava de MacArthur e quando descobriu que Pearson e
Allen buscavam algo para usar contra o general contou-lhes a respeito das
visitas.
General Douglas MacArthur
Pearson e Allen investigaram a indicação de Collins e descobriram que
MacArthur, na época com 55 anos, visitava Isabel Rosario Cooper, uma estrela de
cinema filipina que conhecera na época do seu último comando em Manila, levara
consigo para os EUA, e com a qual estava tendo um caso.
Isabel era jovem e linda e MacArthur a cobria de presentes - enquanto
foi chefe do Estado-maior a visitava todos os dias durante seus longos almoços.
Mas Isabel se cansou do general, sentindo-se sufocada por suas atenções, então
foi morar com seu irmão em Baltimore, onde Pearson e Allen a encontraram. Lá,
ela contou aos repórteres o que MacArthur falava a respeito de Herbert Hoover
(um "molenga", ele disse), e de Franklin Roosevelt ("aquele
aleijado da Casa Branca").
Como era de se prever, quando MacArthur foi informado de que a primeira
testemunha a ser chamada no caso seria Isabel, deu um pulo. O processo foi
encerrado mediante o pagamento a Isabel de US$ 15 mil - que agora
consideraríamos um "suborno" - que foram entregues por seu assessor
militar, nada menos que o futuro presidente Dwight Eisenhower.
Escândalo. Inevitavelmente, os detalhes deste escândalo picante
circularam por toda Washington, deixando os admiradores de MacArthur - uma
multidão - indagando como um homem que realizara tantas façanhas pudera
colocá-las em risco de uma maneira tão irresponsável. Agora, 80 anos mais
tarde, Washington pergunta-se exatamente a mesma coisa a respeito de David
Petraeus.
Os admiradores de Petraeus evitarão, sem dúvida, qualquer comparação do
seu herói com o tão denegrido MacArthur, cuja reputação foi terrivelmente
abalada ao longo dos anos por causa de seus atos durante a Bonus March e
posteriormente por seu confronto com Harry Truman. E destacarão corretamente
várias diferenças notáveis: enquanto MacArthur formou-se em primeiro lugar em West
Point e recebeu uma das maiores notas da história acadêmica, superado apenas
por Robert E. Lee, é difícil acrescentar o termo "acadêmico" ao seu
nome. O mesmo não ocorre com Petraeus, que recebeu notas altas em Princeton e
foi um dos autores do hoje famoso Manual de Campo de Contrainsurgência do
Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA.
Além disso, MacArthur flertava sem parar com cargos mais altos no
governo e sonhava com a presidência - um vírus que, segundo alguns boatos,
teria infectado Petraeus, apesar de seus desmentidos categóricos. Tampouco
alguém poderia supor que Petraeus confrontaria um presidente a ponto de cometer
praticamente uma insubordinação, como MacArthur fez com Harry Truman, que por
causa disso tirou dele o comando. MacArthur odiava Truman e comentou a respeito
deste sentimento. É difícil imaginar que o cauteloso Petraeus odiasse alguém -
principalmente um presidente.
Mas as diferenças poderiam terminar aqui. Petraeus e MacArthur têm em
comum mais do que uma história de pecadilhos sexuais. Como todos os grandes
comandantes, ambos tinham uma ambição ilimitada e um ego imenso, e deixaram
atrás de si uma longa lista de inimigos ressentidos e exasperados no Exército
americano. Essas qualidades são o fio comum que percorre toda a história dos
EUA, pois no panteão dos grandes generais americanos não houve um que fosse um
homem modesto.
General David Petraeus: destituído em meio ao escândalo
Voltemos ao começo. George Washington distinguiu-se muito mais como
presidente do que como general - foi batido em quase todas as missões, com
exceção de Trenton (onde enfrentou o regimento alemão dos hessenos a serviço do
Exército britânico) e da última, em Yorktown. Ele promoveu seus favoritos,
perseguiu subordinados, foi excessivamente suscetível, irritava-se rapidamente
e era impaciente com a estupidez. O fato de termos vencido sob o seu comando
foi, como afirma um historiador, "quase um milagre".
Ulysses S. Grant, por outro lado, ganhou praticamente todas as batalhas
nas quais ele combateu, mas a um custo terrível. Em Cold Harbor, seus soldados
colocaram seus nomes nos uniformes para que seus corpos pudessem ser
reconhecidos. "Sua ambição é como um motor", disse seu amigo Billy
Sherman. A grande fraqueza de Grant era a bebida - Lincoln chegou a dizer
jocosamente que precisava descobrir o que ele bebia para enviar-lhe um novo
suprimento. "Preciso dele", dizia Lincoln. "Ele luta."
O grande triunvirato da vitória dos EUA na Europa na 2.ª Guerra - George
Marshall, Dwight Eisenhower e Omar Bradley - não tem uma fama muito melhor.
Marshall, o consagrado arquiteto do triunfo e, depois de Washington, o nosso
general mais emblemático, é praticamente intocável nos anais da nossa história
militar, mas há detratores. Ele foi um oficial que se mantinha distante dos
colegas; muitos o lembram como uma figura sem nenhum calor humano,
inexoravelmente impiedoso na busca dos seus objetivos.
Comentam o mesmo a respeito de Eisenhower, até seus melhores amigos:
"Preferiria ser comandado por um árabe", escreveu Patton em seu
diário. Outros observaram que, quando a guerra começou, "Ike" era
visto regularmente "bajulando" o alto comando. Eisenhower tinha a
doença de Lee: promovia e apoiava os amigos - como o general Mark Clark, que,
perseguido por um bando de repórteres que o veneravam, insistiu em ser fotografado
"do lado bom do seu rosto" e arruinou as operações aliadas na Itália.
Generais Eisenhower (esq) e Patton: permanentes desavenças durante a 2ª Guerra Mundial
Ike, assim como Petraeus e MacArthur, também buscou a companhia feminina
como uma pausa em meio aos rigores do comando. A equivalente de Paula Broadwell
de Eisenhower foi Kay Summeersby, que o acompanhou em toda parte durante a
guerra.
As calúnias são indubitavelmente familiares a Petraeus. Muitos anos
atrás, pedi uma reunião discutir a respeito de um ponto da história militar com
um grupo de comandantes militares de alto escalão no Pentágono, durante a qual
mencionei o nome do general Petraeus. Foi um erro. O clima na sala se tornou
pouco confortável e todos calaram totalmente. Depois de um instante, sorri e
continuei, ignorando os olhares parados dos oficiais que estavam na minha
frente. "Eles o conheciam bem, serviram com ele, e não gostam dele",
disse mais tarde meu anfitrião. "É por causa do seu ego. Ele gosta de se
promover."
Então chegamos ao ponto: o panteão enlameado dos comandantes militares
dos EUA, todos eles manchados por suas ambições e grandes egos, e cobertos de
erros. Petraeus enquadra-se nesta descrição. A ambição desmedida e o ego enorme
que o levaram à queda são precisamente as qualidades que podem ser encontradas
entre os grandes comandantes americanos que o precederam.
Os historiadores notam os embaraçosos escândalos de Isabel, Kay e Paula,
mas inevitavelmente se voltam aos momentos que definiram um grande comandante
militar, com todos seus erros: o frio e feroz inverno em Valley Forge, a tarde
interminável em Gettysburg, o dia em que Doug teve de andar na água em Leyte,
ou quando Ike ficou sem palavras em Buchenwald - e quando Dave se pôs de pé no
Senado, com o braço direito erguido, e declarou que, embora ninguém saiba
"como isso poderá terminar", ele, pelo menos tinha um plano.
Fonte: O Estado de São Paulo
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