Crise
dos mísseis em Cuba completa 50 anos. EUA e URSS estiveram
perto de se enfrentar, mas testemunhos apontam para blefes de ambos os
lados
Por João Batista Natali
A
crise começou em 14 de outubro de 1962, e o mundo chegou bem perto de
um confronto nuclear. Naquele dia, um avião americano de espionagem U-2
registrou, em Cuba, a construção de uma base de lançamento de mísseis
soviéticos.
O
presidente John Kennedy, em pouco tempo, decretou uma quarentena aérea e
naval da ilha governada por Fidel Castro. Para os americanos, a
prioridade era impedir que chegassem bombas atômicas para os lançadores
em instalação. Kennedy
também exigiu que o líder soviético Nikita Khruschov interrompesse
aquela "ameaça à segurança interna dos Estados Unidos".
A
tensão durou 14 dias. Em 28 de outubro, o secretário-geral da ONU, o
birmanês U Thant, anunciou um acordo pelo qual os russos repatriariam o
armamento. Em troca, e em carta reservada a Khruschov, Kennedy prometeu
retirar da Turquia mísseis nucleares Júpiter, apontados contra a União
Soviética.
Imagens feitas por aviões espiões americanos mostrando a instalação de base de mísseis em Cuba
A
crise dos mísseis não traz mais muitos segredos. Uma dezena de
seminários reuniu, até os anos 90, acadêmicos e protagonistas já
aposentados. O que eles relatam são dimensões factuais que se sobrepõem
umas às outras naquele momento agudo da Guerra Fria. Havia,
em primeiro lugar, as ameaças reais sofridas por Cuba. O regime local,
instalado em janeiro de 1959, declarou-se comunista em 1961. Naquele
mesmo ano, a CIA patrocinou a malograda operação na baía dos Porcos,
invasão de exilados armados para reconquistar o país.
O
problema estava em saber, em 1962, se uma nova investida militar
americana estava a caminho. Robert McNamara, o secretário da Defesa,
afirmou em dois encontros acadêmicos bem posteriores que não era o caso. Foi também o que disse, em 1989, o influente secretário de imprensa da Casa Branca, Pierre Salinger. Mas
tudo indica que Kennedy blefava para manter Moscou sob tensão. É a
explicação que se dá às "diretrizes 314 e 316", nomes de código de uma
nova invasão, que o almirante americano Robert Dennison disse ter
recebido. O Kremlin acreditava que a ameaça era real e tentou alopradamente proteger seu pequeno aliado.
A ameaça: de Cuba, os mísseis soviéticos poderiam atingir, rapidamente, qualquer parte do território americano
As
relações entre as superpotências estavam, àquela altura, bem azedas. Os
americanos reagiam na defensiva depois da crise de Berlim, quando em
1961 os russos bloquearam o abastecimento da cidade e, em seguida,
construíram o muro entre os setores oriental e ocidental.
Em
princípio, seria por aquela região, na divisa entre os dois blocos, que
deveria permanecer confinada a Guerra Fria. Os soviéticos seriam
dissuadidos por resposta nuclear americana se invadissem território
ocidental. E aconteceria o mesmo com os americanos caso invadissem a
Alemanha Oriental ou a Polônia. Pequeno detalhe: um confronto nuclear
acabaria com a humanidade.
Quanto
ao regime cubano, os encontros acadêmicos demonstram de forma patética o
papel de Fidel como coadjuvante, sem nenhum poder de interlocução. Se
os mísseis fossem instalados, os cubanos não teriam acesso aos códigos
de disparo, afirmou anos depois um dos filhos de Khruschov, engenheiro
envolvido na operação.
Assim,
não passou de pura bravata a afirmação de Ernesto Che Guevara ao "Daily
Worker", jornal comunista britânico, de que seu regime, para evitar
nova invasão, pretendia lançar pequenos artefatos nucleares em
território americano. Simples assim: uma guerra atômica preventiva. Pura
insensatez.
Destróier americano intercepta um cargueiro soviético que transporta mísseis durante o bloqueio marítimo a Cuba
Há,
por fim, dois blefes soviéticos nessa história. Eles deixaram vazar
para os EUA que instalariam em Cuba 42 bombas atômicas. Os americanos
acreditaram que era uma parcela pequena do arsenal inimigo em potencial. Mas, com o fim da URSS, ficou patente que as 42 bombas eram quase tudo o que Moscou possuía.
Por
fim, a CIA foi informada de que 10 mil soldados soviéticos estavam em
Cuba, somando-se aos 270 mil das forças locais. Era mentira: os
soviéticos eram em verdade 47 mil. Ou seja, uma suposta nova invasão
envolveria diretamente bem mais gente do Exército Vermelho, com
consequências inimagináveis.
Fonte: Folha de São Paulo
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