segunda-feira, 21 de novembro de 2022

O REIDE DE TONDERN: O PRIMEIRO ATAQUE DE PORTA-AVIÕES DA HISTÓRIA

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Em julho de 1918 a Marinha Real britânica desencadeou ou ousado reide contra a base de Zepellins em Tondern, Dinamarca, o primeiro ataque com porta-aviões da história militar.


Em 1918, a Marinha Real britânica colocou em serviço um novo avião especialmente concebido para operar com o HMS Furious: o Camel naval 2F.1. Este era uma variante navalizada do altamente manobrável Sopwith Camel, o icônico caça britânico da Primeira Guerra Mundial. Para colocar em perspectiva, o Camel tinha especificações de desempenho comparáveis a um automóvel atual, atingindo uma velocidade de 113 milhas por hora e um alcance máximo de 300 quilômetros.

O 2F.1 navalizado tinha asas mais curtas, uma cauda dobrável para facilitar o armazenamento no convés e ganchos para que os guindastes montados no navio pudessem facilmente retirá-lo da água depois do pouso e do abandono pelo piloto.  O trem de pouso foi projetado para ser descartado, para permitir aterrissagens na água mais seguras. 

O 2F.1 era equipado com um novo motor Bentley BR1 e teve substituída uma das duas metralhadoras Vickers sincronizadas com a hélice por uma metralhadora Lewis, mais adequada para atacar Zeppelins de baixo para cima. Além disso, podia levar bombas de oitenta a cem libras, aproximadamente equivalentes em peso a uma única granada de artilharia pesada.

Três Camel 2F.1 enfileirados no convoo do HMS Furious

O HMS Furious também conduzia os aviões Sopwith 1 ½ Strutter, mas estes eram reservados para as missões de observação, altamente necessárias. O Furious agora transportava caças capazes e sete pilotos experientes treinados para operá-los. A questão era onde seriam utilizados?  Como a base de Zeppelins em Tondern, na costa da Dinamarca, era a única dentro do alcance, ela se apresentava como um alvo compensador e adequado.

A base de Zeppelins em Tondern, com seus três grandes hangares

A primeira tentativa de ataque, no entanto, realizada no final de junho de 1918, falhou devido aos fortes ventos impossibilitaram o lançamento das aeronaves. O HMS Furious e suas escoltas foram obrigados a abortar a missão para não serem descobertos.

O Furious partiu novamente três semanas depois, no dia 17 de julho, acompanhado por um esquadrão de cruzadores e encouraçados, bem como um grupo de destroieres de escolta. O plano da Operação F7 era navegar com a força até 12 milhas da costa alemã. Dessa posição os Camels decolariam em duas levas, utilizariam o farol dinamarquês de Lyngvig como auxílio de navegação, voariam pela costa em direção aos hangares dos Zeppelins em Tondern, que seriam atacados com cada aeronave lançando duas bombas Cooper de cinquenta libras. No entanto, se eles encontrarem os Zeppelins em voo durante a missão, deveriam atacá-los, mesmo que isso significasse alijar as bombas e o combustível necessário para voltar para casa. Os militares britânicos estavam dispostos a fazer grandes sacrifícios para destruir os dirigíveis alemães.

Mapa mostrando o deslocamento dos Camel por ocasião do reide contra Tondern

Novamente, o HMS Furious deparou-se com ventos fortes quando chegou ao ponto de lançamento em 18 de julho, mas estes se acalmaram no início da manhã do dia 19. Às 3 horas da manhã o porta-aviões começou a lançar os caças 2F.1, uma operação que levou vinte minutos. Imediatamente, o Camel pilotado pelo capitão T. K. Thyne apresentou problemas no motor e teve que fazer um pouso de emergência no mar. Ele abandonou o Camel e foi resgatado, mas o avião foi acidentalmente atropelado pelo destroier enviado para buscá-lo.

A primeira onda de três Camels levou uma hora e meia de voo para percorrer as oitenta milhas que separavam o navio de Tondern e localizar a base aérea. Dos três hangares da base, os dois menores, denominados "Toni" e "Tobias", poderiam acomodar um único Zeppelin, mas ambos estavam vazios naquela manhã. No entanto, havia dois Zeppelins – o L54 e o L60 - dentro da instalação maior, o enorme hangar de 740 por 130 pés chamado de "Toska".

Sopwith Camel 2 F.1, versão naval utilizada pela Royal Navy no reide de Tondern


O capitão W. F. Dickson liderou o ataque, mas suas bombas não atingiram o alvo. Seus alas foram mais bem sucedidos, as pequenas bombas perfuraram o telhado do mega-hangar “Toska” e incendiaram sua estrutura.

O imenso hangar "Toska" em chamas após o ataque. A guarnição alemã, no entanto, conseguiu salvá-lo da destruição total

A segunda onda de Camels chegou dez minutos depois e foi capaz de localizar facilmente a base pela coluna de fumaça com "mil pés de altura" proveniente do hangar queimado. Enquanto se posicionavam sobre o alvo para lançarem suas bombas,  foram recebidos por um ineficaz fogo de fuzis, disparados pelas tripulações dos Zeppelins. O comandante alemão de Zeppelin, Horst Treusch von Buttlar, lembrou mais tarde dos pilotos britânicos acenando para eles enquanto atravessavam incólumes o fogo das armas de pequeno calibre.  Os aviadores alemães conseguiram salvar os hangares removendo as bombas que estavam armazenadas dentro deles antes que os incêndios pudessem atingi-las, perdendo, nesse processo, apenas quatro homens feridos. No entanto, ambos os caros e complexos dirigíveis se incendiaram até seus esqueletos.

Os pilotos britânicos agora precisavam voltar à frota, mas estavam sem combustível e só podiam estimar a posição do HMS Furious.  Somente o Capitão B. A. Smart conseguiu encontrá-lo e ter seu avião devidamente recuperado. O capitão S. Dawson, com pouco combustível, foi forçado a pousar no mar, sendo resgatado pelo destroier HMS Violent. O Camel do capitão W. A. Yeulett desapareceu no mar e seus restos mortais e os destroços de seu avião foram recuperados da água dias mais tarde.

Dois Zeppelins como este - o L54 e o L60 - foram destruídos no reide de Tondern


Os restos calcinados do L54 e do l60 no interior do hangar "Toska"

Outros três pilotos lidaram com o seu problema de combustível aterrissando na Dinamarca, país neutro, onde foram internados sob circunstâncias bastante confortáveis. Todos os três escaparam de seus captores embarcados em navios escandinavos e voltaram para o serviço na Marinha Real em algumas semanas.

O reide improvável foi saudado como um grande sucesso pelas imprensas inglesa e americana, incluindo com um artigo publicado no New York Times. Os pilotos receberam condecorações e o HMS Furious recebeu a visita do rei George. Na verdade, os Camel haviam infligido uma quantidade surpreendente de danos, apesar de sua limitadíssima capacidade de transporte de bombas. Mesmo que os hangares alemães tenham sobrevivido com poucos danos, a base em Tondern foi abandonada. Sua localização perto da costa foi considerada muito vulnerável. Hoje, um museu conta a história da base.

Fontes:

- LAYMAN, R. L. Furious and the Tondern Raid. Warship International. Vol. X, n. 4. pp. 374–385, 1973.

- TILL, Geoffrey. Air Power and the Royal Navy, 1914–1945: A Historical Survey. London: Macdonald and Jane's, 1979.

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quinta-feira, 17 de novembro de 2022

SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO MILITAR NA VENEZUELA

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Universidad Simón Bolívar promove seminário sobre educação militar


O Instituto de Investigações Históricas Bolivarium da Universidad Simón Bolívar convida para a discussão virtual "La educación militar: primeros esfuerzos por profesionalizar la Fuerza Armada en Iberoamérica", organizada pelo Prof. Dr. Germán Guía, vinculado ao Departamento de Educação Geral e Ciências Básicas e membro deste Instituto.

Data: 24 de novembro de 2022
Hora: 10:00h, horário de Caracas.
Link para a sala: https://us02web.zoom.us/j/84256685733?pwd=NEQ2dUJWRHFMUVpSYTArdWlJNzVRZz09#success




sexta-feira, 4 de novembro de 2022

FIEDOROV: A HISTÓRIA DO PRIMEIRO FUZIL DE ASSALTO DO MUNDO

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Apesar de a Rússia ser conhecida mundo afora como o berço do Kalashnikov, pode ser uma surpresa descobrir que o primeiro fuzil de assalto foi desenvolvido muitos anos antes.


Por Aleksandr Verchínin


Se a lenda da era soviética deve ser mantida, foi o czar Nikolai II que teria impedido a produção russa do rifle automático desde o início. "Nós não temos munição suficiente", ele supostamente disse ao projetista enquanto os projetos da nova arma eram apresentados. Mas essa história está longe de ser realidade - o fuzil automático ou de assalto foi, de fato, desenvolvido na Rússia quase que inteiramente por entusiastas de armas independentes antes da Revolução Russa de 1917.

A vanguarda neste campo estava com Vladímir Grigorievitch Fiodorov, que escreveu seu nome nos anais da fabricação de armas como o projetista do primeiro fuzil de assalto do mundo. 

Vladímir Grigorievitch Fiodorov


Em princípio, qualquer tentativa de adaptá-lo ao carregamento automático dependia, em última instância, do calibre. O Exército russo usava munição 7,62 milímetros, mas a guerra russo-japonesa tinha mostrado como a vantagem de um calibre maior era praticamente anulada em condições modernas de batalha.

Do ponto de vista de design, isso significava que o calibre poderia ser sacrificado para aumentar a velocidade do ciclo inicial e consequente redução do peso do cano, uma característica explorada por Fiodorov.

Em 1913, ele produziu um protótipo de desenvolvimento do rifle com calibre 6,5 milímetros e seu projeto de cartucho próprio. O novo rifle tinha muito em comum com o seu antecessor, mas, em campo, apresentava uma vantagem crucial: cano mais curto.

Esses avanços em tecnologia de arma levaram paulatinamente à criação do fuzil automático moderno. No entanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial obrigou os armeiros a alterar os seus planos, e muitos tiveram que deixar suas pesquisas para enfrentar os desafios de natureza mais prática. As trincheiras de guerra exigiam a adaptação de fuzis de cano longo por combates a curta distância. 

Isso deu a Fiodorov inspiração para cortar o cano de seu rifle de 1913 e adaptá-lo com um punho para disparo. E assim nasceu o que hoje chamamos de fuzil de assalto, a principal arma de qualquer exército contemporâneo.

Sua cadência de tiro de 100 disparos por minuto a uma distância de 300 metros tornou o projeto incomparável a qualquer outra arma de qualquer exército daquele tempo. Fiodorov adaptou o rifle para disparar os cartuchos de rifle japonês Arisaka 6,5 milímetros, que o governo czarista comprara em grandes quantidades durante os anos de guerra.


Lenda nova

A ideia de infantaria com armas automáticas de disparo rápido nasceu na reviravolta da Guerra Russo-Japonesa, nos anos de 1904-1905. Metralhadoras leves tinham começado a aparecer nas linhas de frente e rapidamente demonstraram a sua eficácia. Se fosse possível equipar todos os homens com tal arma, o seu valor como unidade de combate seria imensamente multiplicado.



Logo depois da derrota para o Japão, o armeiro russo Fiodorov começou a redesenhar o honroso rifle de "três linhas" Mosin, de 1891, com o objetivo de automatizar e transformá-lo em uma temível arma de infantaria. Depois de meses de experimentação, o primeiro rifle automático calibre 7,62 milímetros entrou em produção.

Mesmo assim, possuía as qualidades integrais que ainda distinguem as armas russas de seus equivalentes estrangeiros mais elaborados e pouco confiáveis: simplicidade e facilidade de uso. Nos testes, o rifle foi submerso em um lago e untado em lama antes dos disparos.

O projeto de Fiodorov deu conta do recado, foi agraciado com um título estatal, e o primeiro lote de fuzis começou a ser produzido na fábrica Sestroretsk, nos arredores de Petrogrado (atual São Petersburgo).

Fiodorov ainda não estava satisfeito, entretanto. Tendo estudado todos os detalhes e características do rifle de três linhas, o designer acreditava que a máxima eficiência em armas automáticas modernas só poderia ser alcançada ao reformar completamente a estrutura do cano existente. O principal problema era o fato de o rifle de três linhas ser simplesmente pesado demais. 


Último suspiro

O fuzil de Fiodorov rapidamente ganhou elogios por suas inovações, e, no final de 1916, uma companhia do Exército Russo disposta no fronte romeno estava inteiramente equipada com a nova arma. A decisão também foi tomada para iniciar a produção em massa da arma, embora isso só tenha acontecido mesmo no final da Guerra Civil Russa. Em 1925, uma metralhadora compatível também foi colocada em produção.

No entanto, a história do primeiro fuzil de assalto teve, na sequência, um fim abrupto e em grande parte inexplicável. Foi quase como se alguém nos corredores do poder de Moscou não gostasse da arma, mas ninguém pudesse dizer exatamente o motivo. Alguns acreditam que isso aconteceu porque era incapaz de penetrar estruturas blindadas, enquanto outros alegam que os estoques de munição japoneses tinham se esgotado. 

Seja qual for a verdade, a despedida do rifle de Fiodorov aconteceu nas florestas da Carélia, em 1940, durante a Guerra de Inverno contra os finlandeses. Mas o legado de Fiodorov encontrou continuidade no trabalho de outros armeiros, fazendo, assim, com que seu projeto assumisse a posição de “precursor" das armas russas modernas.

Fonte: Gazeta Russa