Durante
300 dias de 1916, alemães e franceses se confrontaram com violência inaudita às
margens do Mosa, resultando numa carnificina com centenas de milhares de mortos
e sem sentido estratégico nem vencedores reais.
Por
Volker Wagener
O
rugido da artilharia pesada começa de manhã cedo: por nove intermináveis horas
os alemães disparam armas de todos os calibres. O mundo nunca vira algo igual:
a 200 quilômetros de distância ainda se ouvem os canhões de Verdun.
"Tempestade de aço" é como o escritor Ernst Jünger denominaria esse
horror.
O
21 de fevereiro de 1916, início da ofensiva que os alemães chamaram de
"Operação Tribunal", não foi um dia normal de guerra. Os combates já
duravam um ano e meio na Europa, mas a Batalha de Verdun viria a se tornar o
símbolo mais eloquente da Primeira Guerra Mundial (1914-18).
Lá
162 mil franceses e 143 mil alemães perderam a vida: uma média de 500 mortos
por dia do lado da Alemanha, mais ainda do outro lado. Na maioria dos casos não
se trata de caídos em combate no clássico sentido militar: a violência das
armas esfacela, explode, pulveriza os soldados.
"Sangria"
de peso psicológico
Até
hoje o sentido da ofensiva germânica continua sendo um enigma. Mas Erich von
Falkenhayn, chefe do Estado-maior alemão, forneceu uma explicação: Verdun seria
uma "bomba de sangue", com o fim de aplicar uma sangria nos
franceses.
Para o General Von Falkenheyn, Verdun seria "uma bomba de sangue" para debilitar os franceses
Também
perdura até nossos dias o debate sobre por que o local escolhido terá sido o
acidentado terreno ao longo das margens do Rio Mosa, que faz uma curva em
Verdun. Peritos militares são unânimes em apontar que – mesmo se fosse tomada
pelos alemães – a cidade não seria um bom ponto de partida para investidas mais
profundas em direção a Paris, localizada a 250 quilômetros de distância.
De
fato, a meta de Von Falkenhayn com essa batalha não era nem um avanço nem um
cerco, mas literalmente esgotar o sangue dos franceses, "sangrar até
ficarem brancos", como definiu o general alemão. Um cálculo cínico, já
que, para a França, Verdun era bem mais do que um nó estratégico-militar.
Como
explica o historiógrafo Herfried Münkler, a cidade na região da Lorena
representava "um símbolo da oposição franco-alemã". Lá pela primeira
vez o Império Carolíngio fora dividido em três, no século IX. Mais tarde, no
fim da Idade Média, se formaram a partir daí a França Oriental e Ocidental.
Local de grande significado psicológico para os franceses, Verdun não podia,
sob hipótese alguma, cair nas mãos do inimigo.
General
Pétain envolve a nação inteira
Entretanto,
o defensor da cidade, general Philippe Pétain, percebeu a intenção de Von
Falkenhayn, contrapondo-lhe uma astuta tática. Ele envolveu literalmente toda a
nação francesa na batalha no leste do país, mobilizando mais de 70% de seus
soldados para as trincheiras de Verdun, pelo menos uma vez, por um período de
oito e dez dias.
Com
esse princípio rotativo, Pétain realizou uma jogada de xadrez com amplas
consequências: quase todas as famílias da França estavam de alguma forma
presentes no local da batalha. Sobretudo entre fevereiro e junho de 1916,
contingentes importantes do Exército nacional concentraram-se lá.
General Pétain, o defensor de Verdun: "On ne passe pas!"
Mesmo
em retrospectiva, parece inimaginável o poder de fogo gerado por essa guerra
industrializada que se travava pela primeira vez. Calcula-se que, em menos de
30 quilômetros quadrados, foram disparados 10 milhões de tiros, com um peso
total de 1,35 milhão de toneladas de aço. O estrondo deixou muitos surdos, e
aos sofrimentos dos soldados logo veio se somar um mau cheiro indescritível.
Carnificina
disfarçada de vitória
Verdun
transformou-se num polo de extrema concentração de violência em espaço
reduzidíssimo. As substâncias de combate empregadas deixaram a área contaminada
por décadas, com certos trechos declarados zone rouge – zonas interditadas.
Essas
foram algumas das cicatrizes duradouras de uma orgia de destruição material e
de vidas humanas que em nenhum momento rendeu mais de quatro quilômetros de
terreno conquistado para os dois exércitos.
Cemitério militar em Verdun
A
partir de julho de 1916, após o fracasso de várias ofensivas alemãs menores, o
general Von Falkenhayn ordenou "defensiva estrita", pois há muito as
tropas nacionais eram necessárias em outros focos de combate, sobretudo no Rio
Somme, no front ocidental.
Em
outubro os franceses avançaram, retomando, até dezembro, quase todos os
territórios perdidos. Essa aparente vitória, contudo, fora na realidade um
empate militar ao preço de uma catástrofe humana sem precedentes. E o início de
um culto memorial que se mantém cem anos depois.
Símbolo
da estupidez da Primeira Guerra
Entre
os incontáveis monumentos aos 300 dias de Verdun, nenhum é tão impressionante
quanto o Ossário de Douaumont, erguido em 1927 diante do forte mais poderoso e
setentrional da zona de batalha. Na torre principal dessa sepultura de massa
jazem os restos mortais de cerca de 130 mil soldados franceses e alemães, todos
desconhecidos. Até hoje ainda são depositados lá ossos da época, achados por
acaso em jardins, campos e bosques da região.
Para
a França e os franceses, a catástrofe de Verdun é superposta hoje pelo
sentimento de vitória, uma vitória de defensiva, segundo o lema de Pétain:
"On ne passe pas!" – "Aqui não se passa!"
Restos mortais nas trincheiras de Verdun: a batalha foi um símbolo do desperdício de vidas ocorrido durante a 1ª Guerra Mundial
Para
os alemães, em contrapartida, ela permanece como símbolo da total falta de
sentido. Ainda assim não faltaram esforços para glorificar a posteriori a
carnificina. Um exemplo são os 14 volumes de Die unsterbliche Landschaft – Die
Fronten des Weltkrieges (A paisagem imortal – Os fronts da Guerra Mundial), de
Erich Otto Volkmann, lançado em 1934-35, logo após a ascensão dos nazistas ao
poder.
Além
dos números astronômicos de suas vítimas, a Batalha de Verdun permanece na
memória mundial também por motivos estratégico-militares, como um cínico
exemplo de uma estratégia desumana.
Como
analisa o historiador militar German Werth: "Ao contrário da 'batalha de
movimento' no Rio Marne, a batalha no Mosa foi marcada por falta de imaginação
e monotonia, fazendo dela um símbolo perfeito para a estupidez assassina de
quatro anos de uma guerra de posições."
Fonte:
DW
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário