quinta-feira, 28 de maio de 2020

MORRE, AOS 105 ANOS, A ENFERMEIRA DA FEB CARLOTA MELLO

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Faleceu hoje em Belo Horizonte, aos 105 anos de idade, uma heroína do Brasil, a enfermeira da FEB Carlota Mello.

 
Carlota Mello era natural de Salinas, Norte de Minas, e foi uma das 73 mulheres que  serviram  na Europa durante a Segunda Guerra Mundial integrando a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Como enfermeira, foi um exemplo para todos os profissionais de enfermagem. Única mulher entre oito filhos, Carlota desde cedo queria um destino diferente de suas primas. Segundo ela, “não  desejava, de jeito nenhum, me casar e  ter uma penca de filhos.  Por isso,  decidi vir para Belo Horizonte, morar com meu irmão mais velho e fazer o curso de normalista, uma das únicas funções que uma mulher poderia assumir naquela época”. 

Quando se formou, não satisfeita com a vida de professora, resolveu fazer o curso de Enfermagem de Emergência, em 1942, na Cruz Vermelha. Inquieta, viu uma propaganda do Exército Brasileiro convocando interessados em fazer curso de socorrista para atuar na Europa. “Não pensei duas vezes e resolvi me inscrever. Confesso que fiquei apavorada com o módulo prático. Tínhamos que correr comum tronco nos ombros, rastejar na lama, fazer tudo que  um  soldado  faz.  Das 16 moças que foram para esse curso no Rio de Janeiro, apenas quatro foram aprovadas para ir à guerra”, disse.  

Em 1944, Carlota Mello fez o curso de Enfermagem de Emergência do Exército, ministrado  pela  Diretoria  de Saúde na 4ª Região Militar, sendo nomeada Enfermeira de 3ª Classe e, no mesmo ano, foi convocada para atuar no Teatro  de  Operações da Itália, incorporando-se  à  equipe  brasileira no 45º Hospital Geral norte-americano, em Nápoles, na Itália. Diante das colegas norte-americanas, todas oficiais, acharam por bem dar o posto de 2ª tenente às Enfermeiras brasileiras. 

A tenente Carlota na 2ª Guerra Mundial

Lá, a Enfermeira permaneceu por 11 meses, em condições bem diferentes das encontradas no Brasil. “Cheguei à Europa numa época em que a neve cobria os joelhos e o frio fazia doerem os ossos. Morei em uma barraca de lona, sem colchões, e comia apenas derivados de trigo e  frutas.  A  carne era de cavalo.  No início achei estranho, mas depois me acostumei”, contou em entrevista. 

O hospital em que  trabalhava era totalmente de barracas de tábuas e cobertura  de  lona  no  centro,  uma  verdadeira estufa, conforme lembrou Carlota Mello. "E tudo era norte-americano: nossos uniformes de trabalho, chefes, alimentação e nossa convivência. Eu trabalhava em uma enfermaria com doentes brasileiros que contavam com o atendimento  de  mais duas Enfermeiras norte-americanas, dois técnicos, além de doutores norte-americanos  e brasileiros. Os 64 leitos lá instalados ficavam permanentemente ocupados", lembrou.

No 45º,  o  serviço  era  contínuo:  cuidava-se  de  soldados  sem  perna,  braço, olho  e,  muitas  vezes,  sem  memória, segundo  a  enfermeira. Aplicava-se penicilina, fazia-se curativos, tirava-se gesso, dava-se comida na boca, aferia-se a pressão arterial,  media-se  temperatura, dava-se  comprimido para dor, entre outros  cuidados,  que até superavam as atribuições  específicas  da  Enfermagem. "Escrevíamos cartas para mães, esposas, namoradas e, assim, esquecíamos  as apreensões  de  um  possível  bombardeio, de  uma  mina  implantada  em  qualquer lugar - uma chegou a explodir bem próximo ao alojamento onde estava -, das saudades, angústias, tristezas e incertezas do amanhã." 

Carlota Mello sendo homenageada em seu 105º aniversário

Em um  dos  constantes  bombardeios que presenciou, Carlota Mello arriscou a própria  vida  para  salvar  a  dos  soldados hospitalizados. Quando todos saíram correndo para se  proteger,  ela correu para carregar um caixote contendo ampolas de penicilina,  usadas  nos  64  pacientes  sob os cuidados  das  brasileiras.  “Consegui chegar rápido, juntei todas as minhas forças e o levei até o local seguro. Ao chegar lá, para  minha  surpresa,  fui  aplaudida  e  os soldados  me  levantaram  no  ar.  Me  senti como  se  fosse  um  jogador  de  futebol  em fim de campeonato”, brincou.

Com  o  fim  da  Segunda Guerra,  em  maio  de  1945,  a  tenente Carlota  demorou  mais  dois  meses  para retornar  ao  Brasil.  “Algumas  regiões  da Europa  foram  rapidamente  evacuadas,mas não foi o caso de Nápoles. A batalha tinha acabado no campo, mas os hospitais continuavam a receber feridos”, contou.

Mesmo com tantas batalhas, ao chegar ao Brasil, a sensação da enfermeira foi de dever cumprido.  "Sinto-me gratificada pelos serviços que prestei ao meu país, pelos quais me foram outorgados o Diploma da Medalha de Campanha, o Diploma da Medalha de Guerra, o Diploma da Cruz Vermelha, o Diploma da Inconfidência e Diploma  de  Honra  ao Mérito."

Que nossa heroína descanse em paz. A cobra continuará fumando.

Fonte: adaptado da Revista do COREN-MG

 

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