quarta-feira, 3 de março de 2021

AGINCOURT: O ATOLEIRO DA MORTE

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Superados em 4 para 1, ingleses contaram com uma ajudinha do clima na célebre batalha medieval

Por Natalia Yudenitsch


Lama. Esse é o elemento que acabou jogando a favor dos ingleses na Batalha de Agincourt, travada entre eles e os franceses em 25 de outubro de 1415. O combate aconteceu numa região próxima ao vilarejo de mesmo nome, ao norte da França. Ali estavam cerca de 24 mil franceses de um lado, contra menos de 6 mil ingleses, num lodaçal de 800 m por cerca de 2 km. 

Depois de ter saído vitorioso do cerco de Harfleur na Normandia, na França, realizado entre 18 de agosto e 22 de setembro do mesmo ano, o rei inglês Henrique V planejava ir diretamente para o porto de Calais, norte da França, e de lá voltar para a Inglaterra, fugindo da epidemia de disenteria que se abatia sobre a região. Mas antes precisou enfrentar com seus homens os franceses no conflito famoso em Agincourt.

A campanha já rendera dividendos políticos para o monarca inglês, então com 26 anos. Invadir a França ajudou a aumentar sua popularidade – já que ele havia prometido a seus súditos recuperar regiões perdidas aos franceses na época de Henrique II, o pai de Ricardo Coração de Leão. 

Vitorioso na campanha pela França até então, com a popularidade em alta, Henrique V deixou Harfleur em 8 de outubro de 1415 levando ração para os soldados para oito dias. 
Quando as tropas inglesas tiveram problemas para atravessar os rios, que transbordavam por causa das chuvas, começaram a ser perseguidos pelos homens de Carlos d’Albert, que substituía no campo de batalha o rei francês Carlos VI (que estava velho, enfraquecido e incapacitado para a luta). 

A perseguição durou seis dias. Os ingleses estavam esgotados depois de marchar cerca de 420 km em pouco mais de duas semanas. No dia 24 de outubro, Henrique V tomou uma decisão. Os ingleses não mais recuariam. O rei ordenou silêncio total à noite para a grande batalha do dia seguinte. Foi uma espera aflitiva, dramatizada por William Shakespeare na peça Henrique V anos depois.

Mapa mostrando a dinâmica da Batalha deAgincourt

Ficaram tão quietos que os franceses chegaram a pensar que eles haviam levantado acampamento e fugido”, diz Roberta Magnusson, professora de história medieval da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos.

No amanhecer do dia 25, franceses e ingleses ficaram frente a frente, a cerca de 2 km de distância entre si. No meio, um campo recém-arado e plantado, transformado em um lamaçal pelas chuvas, que caíam forte havia duas semanas.


Batalha colossal

Henrique V colocou seus homens na tradicional formação defensiva inglesa, com cerca de 800 soldados a pé, ladeados por 5 mil arqueiros, e protegidos por grandes estacas de madeira: os cavalos inimigos recuavam instintivamente diante das madeiras pontiagudas. Detalhe curioso: como havia um surto de disenteria entre os soldados, muitos arqueiros lutavam nus da cintura para baixo para que o problema não os atrapalhasse.

Os franceses se postaram em duas linhas recheadas de soldados protegidos por armaduras e arqueiros. Os cavaleiros, entre os quais 12 nobres de sangue real, guardavam os flancos. Depois de tudo preparado, os dois lados se encararam imóveis por quase quatro horas. Ninguém queria ser o primeiro a atacar. Os ingleses por estarem em grande desvantagem numérica, e os franceses por não se animarem a se atirar no mar de lama. 

Cavaleiro francês é abatido em maio à lama

Pouco antes do meio-dia, os franceses mandaram alguns homens em busca de mantimentos no acampamento para um pequeno desjejum. Foi o momento em que os ingleses avançaram, numa provocação que levou ao esperado ataque francês.

Henrique V ordenou que as linhas de frente fossem assumidas por arqueiros portando arcos longos, manobra que se mostraria essencial mais tarde. Os franceses reagiram enviando seus cavaleiros, que pisotearam o campo. 

Mas havia lama no mínimo para cobrir o tornozelo e que, em muitas partes do terreno, chegava à altura dos joelhos e até da cintura. Existem relatos de cavalos atolados pela barriga. "Cair do cavalo em Agincourt, especialmente usando uma armadura de cerca de 35 kg, não era uma boa ideiaMuitas baixas tiveram como causa o afogamento na água lamacenta, já que os ingleses costumavam cobrir o cavaleiro caído com cadáveres, impedindo seus esforços de se levantar”, diz Magnusson.

Essas barreiras de mortos, aliás, também jogaram a favor dos ingleses, que as usavam como barricadas. Somadas à lama, dificultavam ainda mais o avanço das linhas adversárias. Para complicar, todos os franceses, incluindo o condestável d’Albert, queriam ficar na linha de frente, numa demonstração de arrogância e certeza de que venceriam em Agincourt.


Muita lama

Essa ânsia pela iniciativa na batalha se voltou contra os franceses quando a linha de frente teve de se apertar ainda mais nos parcos 800 m do campo. “Era quase impossível levantar o braço para esticar o arco ou desferir um golpe”, diz Greg Woolf, professor de história da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Mesmo assim, as forças francesas conseguiram avançar posições. “Apesar de o soldado francês de armadura normalmente se destacar pela resistência e mobilidade, a combinação da lama com o peso da multidão que os esmagava tornou-os alvos fáceis para os inimigos. Logo a segunda linha de frente francesa também caiu”, complementa Woolf. 

A Batalha de Agincourt demonstrou a supremacia dos arqueiros ingleses sobre a cavalaria francesa

No lado inglês, já ocorriam os procedimentos corriqueiros de batalha: saquear os mortos e fazer dos vivos prisioneiros. Havia, contudo, um entrave: o número de capturados era maior que o de captores. E os franceses cativos tinham facilidade em se armar novamente, recolhendo as armas dos mortos, e iniciar um motim.

A reação de Henrique V foi ordenar a morte de todos os prisioneiros, liberando os homens que os guardavam para continuar a luta. Essa versão, porém, é controversa porque não se deve esquecer que os reféns representavam uma soma considerável para o pagamento de futuro resgate. 

Na descrição de Shakespeare, a ordem foi dada depois que um destacamento de cavaleiros franceses irrompeu no flanco inglês. “Não há como saber se isso não foi uma justificativa posterior dos homens que mataram os prisioneiros e temiam a ira de seu rei pela perda de dinheiro”, afirma Alexandr Vernitsky, especialista em Idade Média da Universidade de Moscou. 

De qualquer forma, os prisioneiros mais valiosos – os nobres – foram poupados. Em um ponto, entretanto, os historiadores concordam: a carga de cavalaria foi a última ação da França. 

A batalha estava definitivamente perdida. Mesmo em grande inferioridade numérica, os ingleses de Henrique V garantiram a vitória, glorificando o uso do arco longo inglês como a peça chave da batalha.

Após a guerra, Henrique V foi reconhecido como regente e herdeiro do trono francês no Tratado de Troyes, assinado em 1420, e desposou Catarina de Valois, filha de Carlos VI  O rei inglês, contudo, ão viveu para assumir o trono – morreu de disenteria aos 34 anos, dois meses antes da morte de Carlos VI. Seu filho Henrique VI, então recém-nascido, foi nomeado regente e só assumiu aos 16 anos.


Fonte de controvérsias

Os números que envolvem a Batalha de Agincourt são um dos pontos que causam discordância entre os historiadores. A tese mais aceita é que mais de 600 soldados ingleses morreram. Alguns citam a morte de 10 mil franceses, incluindo o poeta e duque Charles de Orléans. 

Alguns historiadores, como Anne Curry, autora do livro Agincourt, a New History, questionam até o tamanho da desvantagem numérica entre ingleses e franceses. Segundo ela, a proporção mais correta é 12 mil franceses contra 8 mil ingleses e o resto seria um mito criado para aumentar a fama do rei Henrique V. 

O segundo ponto de controvérsia é a aclamada eficiência do arco inglês. Reconstituições de batalhas feitas pelo computador por diversos pesquisadores mostram resultados um pouco diferentes. 

Para Peter N. Jones, autor do livro The Metallography and Relative Effectiveness of Arrowheads and Armor during the Middle Ages, as flechas eram capazes de acertar braços e pernas, mas não teriam a mesma facilidade para se encravar no peito ou na cabeça de um guerreiro com armadura. Isso não quer dizer que o arco fosse ineficiente. 

Fonte: Aventuras na História

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