O papel de diretores como Ford ou Capra condicionou o envolvimento dos Estados Unidos no conflito de 1939-1945
Por Toni García
Em 1945 George Stevens, diretor de filmes como Shane, Um lugar ao sol e O Gigante, e considerado um dos grandes cineastas norte-americanos da história, se encontrava na Europa, documentando os esforços bélicos dos aliados ao longo do continente para desarmar o Terceiro Reinado. No início de abril daquele ano o realizador acompanhava os soldados que libertaram o que parecia ser uma série de prisões em Dachau, a poucos quilômetros de Munique. Stevens não sabia que aquele campo de concentração mudaria para sempre sua vida e a dos voluntários que o acompanhavam.
“Ele nunca mais foi o mesmo. Se você for ao Arquivo Nacional de Washington e assistir a esse filme, várias horas onde aparecem montanhas de cadáveres, prisioneiros esqueléticos, fumaça que sai das entranhas da terra… Todas as câmeras da equipe de Stevens deixaram de filmar: alguns se puseram a ajudar, outros simplesmente foram embora. Ele foi o único que seguiu gravando até quase não se aguentar em pé”. Conta Mark Harris, de Los Angeles. Este jornalista veterano acaba de publicar nos Estados Unidos o livro Five Came Back (Penguin Press/Canongate), um impressionante relato que conta, através da história de cinco legendários diretores, o impacto que a Segunda Guerra Mundial teve em Hollywood.
Teresa Wright e Dana Andrews, em 'Os melhores anos das nossas vidas'
“John Ford, Frank Capra, John Houston, William Wyler e o próprio Stevens são fundamentais para entender como a postura de Hollywood para o conflito virou desde a suposta neutralidade até um envolvimento total”, conta Harris. O mais ativo de todos estes cineastas foi Ford. O mítico diretor de Depois do Vendaval, As Vinhas da Ira e Centauros do Deserto, foi o primeiro nas colinas de Los Angeles a pedir o apoio do mundo do espetáculo para os republicanos que lutavam na Espanha em inumeráveis atos, públicos e privados, para depois converter na voz da razão quando alguns nos grandes estúdios de Hollywood faziam questão de dizer que a II Guerra Mundial era apenas um conflito interno europeu. “Ford era um convencido e de fato deixou tudo para se alistar na Marinha e ajudar, à sua maneira, a documentar o que estava passando. Também foi o primeiro a introduzir cenas reais de combate em um filme (A Batalha de Midway, em 1942) e o que mais e melhor entendeu a importância de seu trabalho para conscientizar o público norte-americano do que estava passando”, diz Harris, cujo exaustivo trabalho recebeu os louvores da crítica anglo-saxã.
De todos os que dedicaram seu tempo (e, muitas vezes, seu dinheiro) para levar a guerra aos palcos dos teatros e convencer os norte-americanos de que aquilo era uma causa nobre, o caso mais curioso é o de Frank Capra. O diretor de Como é Belo Viver e Este Mundo é um Hospício era conhecido em Hollywood por suas veleidades ideológicas. Em 1935, em uma viagem a Roma, elogiou Mussolini (diziam que o realizador tinha uma foto do caudilho italiano em seu criado-mudo) e era muito conhecida a sua aversão aos sindicatos e a qualquer coisa que cheirasse a esquerda.
Cartaz do filme A batalha de Midway
De fato, Mussolini, grande admirador de Capra, ofereceu a ele um milhão de dólares se rodasse a sua biografia. Felizmente, Harry Cohn, o presidente de Columbia tirou a ideia da cabeça do realizador: “Sou judeu, esse cara está aliado com Hitler”, disse Cohn para acabar com o assunto. No entanto, Capra mudou quando conheceu Franklin D. Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos a quem detestava. A cercania e a clareza de ideias deste, junto ao fato de que os desmandos dos alemães na Europa começavam a ser preocupantes, convenceram o diretor de que tinha que fazer algo e rápido. “Não teve coisa mais confusa na história do cinema do que a ideologia de Frank Capra. Um anarquista? É possível, eu acho que era um homem que funcionava por impulsos. Mas se algo está claro é que Why we fight (a série de documentários propagandísticos impulsionada por Capra) foi um instrumento imprescindível para acabar com qualquer reticência que a sociedade do país pudesse ter contra a entrada dos EUA na guerra".
Wyler, diretor de clássicos como Ben-Hur, entrou no conflito de uma forma bem mais humana, seguramente por causa da quantidade de amigos que ele tinha no Reino Unido ou a própria Alemanha. Seu retrato dos tripulantes do bombardeio Memphis Belle ou seu filme da invasão da Itália são algumas das peças mais conhecidas do gênero bélico. “Ele levava seu trabalho muito a sério e a prova disso é que ele renunciou a rodar um documentário sobre os soldados negros porque o Alto Mando quereria adoçá-lo e isso não entrava em seus planos”. O efeito que a guerra teve em Wyler se solidificou em sua preciosa Os melhores anos das nossas vidas, drama sobre a volta para a casa dos soldados que viviam das lembranças do próprio diretor.
Para Harris, “Houston foi —provavelmente— o mais arrojado de todos eles, porque para ele a câmera era como um escudo, achava que de algum modo lhe protegia”, mas o mais relevante foi Stevens: “Voltou para a casa, montou e editou o que rodava em Dachau e o envio aos promotores de Nuremberg: esse filme foi decisivo para que naqueles julgamentos os criminosos fossem condenados e uma das poucas vezes em que os nazistas tiraram os olhos da tela. Acho que isso o diz tudo”.
Fonte: El País
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