quinta-feira, 30 de abril de 2015

REEDIÇÃO DE "AS DUAS FACES DA GLÓRIA" TRAZ PESQUISA FALHA DE WILLIAM WAACK

.



Por Cesar Campiani Maximiano *

“Um operoso grupo de oficiais americanos” a quem a Força Expedicionária Brasileira deveu sua adaptação à guerra moderna. Foi como o General Mascarenhas de Moraes se referiu em seu livro de 1947 ao destacamento cujos relatórios compõem grande parte de As Duas Faces da Glória.

Mascarenhas sempre admitiu o mau treinamento e os problemas organizacionais da expedição, lembrados no igualmente honestíssimo Depoimento dos Oficiais da Reserva sobre a FEB, lançado em 1949. O general ainda sugeriu que as primeiras impressões americanas sobre a FEB foram pouco lisonjeiras. Apesar disso, William Waack rotulou de “ufanistas” as narrativas brasileiras.

Waack propôs desmentir essas narrativas, mas, desde o início, nada havia para ser corrigido: os ex-combatentes da FEB tinham plena noção do abismo que os separava do Exército Americano. Ignorando a literatura da FEB, Waack presumiu que havia esqueletos no armário da história da campanha, com a premissa anacrônica de revelar ao público aquilo que os próprios veteranos já admitiam desde que voltaram da guerra. As Duas Faces da Glória é o filho de uma falsa polêmica e seria injusto afirmar que o livro foi superado pelas pesquisas mais recentes, pois já era inconsistente nos anos oitenta.

A documentação do destacamento americano é utilizada precariamente: sua função não era outra senão a de identificar falhas e preparar a FEB para a ação. A comparação com outros processos de integração de tropa estrangeira a exércitos maiores revelaria os mesmos dilemas. Waack desconsiderou as dificuldades inerentes às operações multinacionais, e, se tivesse estudado a cooperação entre os neófitos americanos e os britânicos no Norte da África, encontraria idêntico teor nos relatórios. Combatentes experimentados não demonstram boa vontade com aqueles que acabam de chegar ao campo de batalha. Os problemas mais sérios do livro começam no trato das fontes alemãs.

Waack desconhece questões elementares envolvendo a história da Wehrmacht. No pós-guerra, os alemães minimizaram sua incompetência estratégica, jamais compensada pelas inovações táticas. O autor acusa historiadores de não se interessarem pela principal grande unidade que enfrentou os brasileiros, mas não aprecia que tal divisão era parte de uma força armada e o produto dela: a tropa que fazia frente à FEB era típica do Exército Alemão composto por uma minoria de elementos modernos e uma maioria com logística tracionada por cavalos nada devendo ao tempo de Napoleão. Supostamente “idosos” na versão de Waack, os defensores de Monte Castello eram a regra na Wehrmacht: reservistas bem treinados capazes de alta letalidade. Outra falha de Waack: ele acatou os depoimentos de veteranos alemães, comprovadamente eivados por eufemismos sobre seu compromisso com o nazismo, o que foi averiguado por historiadores das Forças Armadas do Terceiro Reich como Wolfram Wette e Gerhard Schreiber. A falta de familiaridade com a historiografia, a deficiência analítica no trato com a documentação e com as doutrinas de combate que balizam As Duas Faces da Glória ressaltam uma condição da história militar: o campo continua reservado aos especialistas.


Fonte: Folha de São Paulo

 * César Campiani Maximiano é Doutor em História pela USP, 
autor dos livros Barbudos, sujos e fatigados
Brazilian Expeditionary Force in World War II



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário