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Sai em livro a compilação do jornal da FEB na 2ª Guerra Mundial. Mesmo oficial, a história é comovente
Por DudaTeixeira
“Mestre Pracinha é um fantasma branco na paisagem branca. Só destoa o que aparece da sua cara, morena, mas não é muito. Um dizia para o companheiro, seu colega de patrulha: ‘Oh negro, você está se esquecendo do alvaiade [tinta branca] (...). É para passar na cara. Com esse focinho preto, o tedesco te manja de longe e atira’”.
O trecho, que descreve a angústia dos soldados brasileiros tentando manter-se camuflados em meio à neve nos Apeninos sob o fogo das baterias nazistas, é de autoria de Rubem Braga, correspondente do Diário Carioca na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial. “Tedesco” é como se chamava o idioma germânico em português e, em italiano, é alemão. Braga usa o termo já popularizado entre os “pracinhas”, os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que entre julho de 1944 e maio de 1945 lutaram ao lado dos americanos contra as tropas fascistas de Hitler e, por algum tempo, de Mussolini.
Tedesco como sinônimo de alemão, não se sabe a razão, só aparece hoje em crônicas esportivas, em referência à seleção de futebol alemã. Já “oh negro” não é mais aceitável como tratamento. Nas fileiras da FEB eram absolutamente corriqueiros. O temor ali não era ofender com epítetos racistas o colega de trincheira, o temor era se destacar como alvo na neve branca.
A história da FEB, composta de 15.000 combatentes na linha de frente, dos quais 500 morreram, teve sua versão oficial contada nas páginas de O Cruzeiro do Sul. O jornal tinha quatro páginas e circulou entre os brasileiros na Itália durante cinco meses, duas vezes por semana. Produzido pelos próprios militares e impresso em uma gráfica em Florença, com tiragem de 5.000 exemplares, O Cruzeiro do Sul não tinha outra ambição que não a de manter a soldadesca informada sobre coisas corriqueiras do Brasil (compra e venda de jogadores de futebol) e do que o alto-comando achava que eles poderiam saber sobre o andamento da guerra. Quando sobrava um espaço em branco nas páginas do jornal, os editores punham sempre o mesmo anúncio: “cuidado com os espiões”. A advertência significava evitar correr atrás das mulheres italianas e não conversar com os rapazes. “Em boca fechada não entra mosca... nem bala”.
Finda a guerra, exemplares esparsos do jornal foram preservados em bibliotecas, mas nenhuma delas chegou a ter a coleção completa. É justamente isso, os 34 exemplares, a coleção completa, que foi tirado do fundo do armário pelo coronel Roberto Mascarenhas, neto do marechal João Baptista Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB. As páginas foram copiadas e reunidas no recém-lançado livro O Cruzeiro do Sul. Há relatos escritos por diversos soldados – um poema lamenta a recusa das italianas em ceder aos encantos dos pracinhas -, cartas familiares e textos dos correspondentes de guerra integrados à FEB. Além de Rubem Braga, O Cruzeiro do Sul teve como colaboradores os correspondentes de guerra Joel Silveira, de O Jornal, e Francis Hallawell, da BBC. Jornalistas no front usavam farda e desfrutavam os privilégios inerentes à patente de capitão, entre eles o direito de frequentar cassino dos oficiais e compartilhar com eles os alojamentos.
“Eles podiam falar de tudo, desde que fossem patriotas. Do contrário, seriam acusados de favorecer o inimigo”, diz o historiador José Murilo de Carvalho. Essa limitação não torna O Cruzeiro do Sul menos relevante como um registro delicioso da participação heroica dos voluntários brasileiros na Itália.
Fonte: Revista Veja
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