sábado, 16 de novembro de 2024

O MOTIM DE MOROTAI (1945)

.

O "Motim de Morotai" foi um incidente ocorrido em Abril de 1945, que envolveu membros da 1ª Força Aerotática da Real Força Aérea Australiana (RAAF) na ilha de Morotai, nas Índias Orientais Holandesas. 

Oito pilotos, incluindo o maior ás australiano Clive Caldwell, apresentaram a sua demissão como meio de protesto ao que eles entendiam ser uma desvalorização dos esquadrões de caça da RAAF, aos quais eram atribuídas missões contra as forças japonesas que haviam sido contornadas pelos Aliados. 

A investigação governamental que se seguiu inocentou os "amotinados", tendo sido dispensados do serviço três militares de alta patente, incluindo o Comandante Harry Cobby.

Harry Cobby (à esquerda) e Caldwell em Morotai, em Janeiro de 1945


George Odgers resumiu a causa do incidente na história oficial da RAAF na Segunda Guerra Mundial como sendo "a convicção de um grupo de jovens líderes que viam as suas forças serem envolvidas em operações que não eram militarmente justificáveis - uma convicção partilhada amplamente por muitos militares e políticos australianos."


.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

CONVENÇÃO DE GENEBRA: 75 ANOS COMBATENDO CRIMES DE GUERRA

.

Apesar de desafios impostos por conflitos como os da Síria e do Iêmen, conjunto de tratados que visam condenar crimes de guerra e proteger civis são amplamente respeitados mundo afora.

Por Martin Kübler

Em 2024, quase sete décadas e meia após a adoção da Convenção de Genebra, os tratados que "contêm as principais regulamentações que limitam a barbárie da guerra", segundo afirma o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), não parecem conseguir impor grandes limitações.

Nos oito anos da brutal guerra civil na Síria, as forças militares do regime, apoiadas pela Rússia, "vêm propositalmente atingindo populações e instituições civis nas áreas controladas pela oposição armada", afirma Kenneth Roth, diretor-executivo da ONG Human Rights Watch, constituindo o que ele classifica como uma "flagrante afronta à Convenção de Genebra"

No Iêmen, a coalizão liderada pela Arábia Saudita "bombardeia repetidamente alvos civis [...] atingindo funerais, mercados, mesquitas e até um ônibus escolar".  Além disso, o tratamento do exército de Myanmar à minoria rohingya – descrito pela Anistia Internacional em maio como "execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias, tortura e outros maus tratos e desaparições forçadas" – seria, em essência, uma "limpeza étnica", segundo Roth.

Esses acontecimentos, todos eles sérias violações das leis humanitárias internacionais sob as normas estabelecidas pela Convenção de Genebra, estão longe de serem os únicos exemplos que dominam as manchetes na imprensa.


Helen Durham, ex-advogada dos direitos humanos e diretora de leis e políticas humanitárias do CICV afirma que sua organização observa com regularidade violações à Convenção nos lugares mais perigosos do mundo, e as reconhece como "algo inaceitável".
"O fato de a lei ser violada não a torna menos relevante", diz Durham. "Há muitos, muitos casos onde as leis de guerra fazem, na verdade, uma grande diferença, e conseguem prover dignidade e humanidade na guerra."


Proteção de civis dos horrores da guerra

A Convenção de Genebra, composta por quatro tratados internacionais que visam proteger indivíduos não envolvidos nos conflitos – civis, médicos, prisioneiros de guerra e soldados fora de combate – foi adotada em 12 de agosto de 1949, após prolongadas discussões.

A Convenção original, que abarcava a "melhora das condições dos feridos nos exércitos nos campos de batalha", foi inicialmente adotada em 1864, acatando uma proposta de Henry Durant, o fundador do CICV.

Nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, o CICV elaborou tratados adicionais que visavam expandir essas proteções também aos civis que se viam em meio aos combates, mas os governos se recusaram a aceitar esse comprometimento. Como resultado, não havia nenhum tratado específico para sua proteger os civis dos horrores da guerra que acabaria por sacrificar milhões de vidas.

Assinatura da ampliação e revisão da Convenção de Genebra em 12 de agosto de 1949

Em resposta, os potências mundiais, com a memória ainda fresca das atrocidades da guerra, concordaram em revisar e atualizar as convenções, acrescentando um quarto tratado para proteger os civis em tempos de conflito. Outra revisão importante ocorreu em 1977, com o acréscimo de dois protocolos que reforçam a proteção às vítimas de conflitos armados internacionais e domésticos, incluindo guerras civis.

Até hoje as convenções foram ratificadas por 196 países, incluindo todos os Estados-membros da ONU e observadores como a Autoridade Palestina, última a aderir à Convenção, em 2014.

Durham lembra que, durante as sete décadas, foi acrescentada à Convenção uma "vasta expansão e atualização" de tratados específicos no que se refere a armas, com acordos internacionais que proíbem as minas terrestres, armas químicas e bombas de fragmentação, entre outras.

Segundo ela, terão papel cada vez maior nos desdobramentos futuros os "novos desafios", como guerras cibernéticas, armas autônomas e inteligência artificial, além de apleos para que sejam considerados os danos ambientais das guerras.


Falta de aplicação dos tratados

Embora casos graves como os da Síria e Myanmar pareçam indicar o contrário, hoje em dia há apenas um punhado de lugares no mundo onde a Convenção de Genebra não é observada.

"Não estamos falando de um desrespeito global ou de um padrão de desrespeito", disse o presidente do CICV, Peter Maurer, em discurso no Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos de Washington. Ele destacou "centenas e milhares de situações onde a lei é respeitada".

"Quando um ferido tem a passagem permitida num ponto de controle, quando uma criança nas frentes de batalha recebe alimento e outras ajudas humanitárias, e quando as condições dos presos são melhoradas ou quando eles podem ter contato com suas famílias, sabemos que a lei humanitária internacional está sendo respeitada", frisou Maurer. "Ninguém realmente coloca em dúvida a essência da Convenção de Genebra", disse Roth à DW. "Ninguém afirma que seja certo mirar civis ou atirar indiscriminadamente. Essas são normas básicas, proibições básicas cuja infração é entendida universalmente com constituindo crimes de guerra."

"A lei, por si só, não precisa ser atualizada, ela é muito clara", afirma Durham, reconhecendo a necessidade de uma maior "pressão política, globalmente, sobre todas as partes nos conflitos", para assegurar que a aplicação das normas.

O problema nos dias de hoje, reforça Roth, não é a ambiguidade ou falta de especificações nas regras. Ao contrário, está nos governos que ignoram as regulamentações, assim como na falta de aplicação e de supervisão internacional.


Brechas legais

Roth destaca que, com frequência, os governos relutam em levar seus próprios criminosos de guerra à Justiça. No entanto a comunidade internacional vem encontrando caminhos, contornando essas brechas legais, para responsabilizar judicialmente os que violam os tratados.

"O surgimento de cortes internacionais como o Tribunal Penal Internacional [TPI, em 2002] é uma resposta a esse problema", diz o diretor da HRW. "A Síria representa um verdadeiro desafio; devido à dimensão das atrocidades, seria natural levar o país ao TPI. Mas esse processo foi bloqueado por vetos da Rússia e, por vezes, da China, no Conselho de Segurança da ONU [...] e se tornou necessário encontrar outros caminhos para a responsabilização."

Uma dessas alternativas, diz Roth, vem sendo a Assembleia Geral da ONU – organismo no qual não há possibilidade de veto –, que em 2016 votou amplamente a favor da criação de uma unidade imparcial internacional para investigar as violações na Síria, "basicamente, um promotor para crimes de guerra sírios sem um tribunal".

Mais ainda, alguns países europeus também decidiram fazer uso de um princípio da lei internacional chamado de jurisdição universal para começar a processar judicialmente criminosos de guerra em terras estrangeiras, ao contrário das relutantes autoridades nacionais. "A Alemanha e a França estão na vanguarda da busca de condenações a criminosos de guerra sírios", lembra Roth. "Francamente, não há alternativa no momento."

Fonte: Adaptado a partir de DW

domingo, 27 de outubro de 2024

IMAGEM DO DIA - 27/10/2024

 .


Oficial espanhol e e soldado nativo filipino pertencentes ao 74º Regimento. Manila, ano 1897.
Autor: Francisco Perterra. Coleção William K. Combs.



sexta-feira, 25 de outubro de 2024

PENSAMENTO MILITAR

 .


“Os militares levam vidas turbulentas, mas são pessoas como todo mundo.”

(General William Westmoreland)



sexta-feira, 11 de outubro de 2024

A 1ª GUERRA MUNDIAL NAS CARTAS DOS COMBATENTES RUSSOS

.

Quando a Rússia entrou na guerra, passou a vigorar o “Regulamento Provisório sobre a Censura Militar”, que permitia a leitura e o confisco de quaisquer cartas das frentes que contivessem informação secretas. Graças ao regulamento, muitas dessas cartas chegaram até nós, se encontrando hoje nos arquivos. O Arquivo Estatal da História Militar preserva vários volumes de cartas redigidas nos próprios locais de combate.

Por Nikolai Postnikov


No início da guerra, os russos se alimentavam de ilusões. “É verdade que o inimigo é poderoso, mas não tanto que não o possamos vencer, todos nós estamos convictos de que a vitória final será nossa”, escrevia o coronel Samsonov a sua mulher. “Todo o povo entende a necessidade desta guerra, os soldados combatem com entusiasmo os alemães.” Em muitas das cartas, a confiança na vitória é repetida como um refrão.

Entretanto, em pouco tempo, os campos de batalha se cobriram de corpos dos tombados, e os familiares começaram a receber notificações de mortes. Foi então que as pessoas tomaram consciência da guerra como uma catástrofe pessoal, e a percepção da irreversibilidade dos acontecimentos, realmente terríveis, abalou as almas. Um oficial russo escreveu:
“Grandes batalhas se desenrolam dia após dia em todas as frentes. Muitos pereceram já nos campos de batalha, muitos vão tombar ainda. Voltará alguém inteiro? Todos os terrenos em que ocorreram combates estão cobertos de corpos, tanto de nossos guerreiros como de alemães, mortos por balas ou por ferimentos. Quantos morrerão ainda? A guerra (…) É uma calamidade! A morte e a destruição estão por todo o lado.”

Soldados russos em foto de estúdio tomada durante a 1ª Guerra Mundial

As palavras de outro oficial russo soam já como um apelo antiguerra, como um chamamento desesperado: “Quem esteve na guerra, quem participou dela, percebe que é um mal enorme. As pessoas devem fazer tudo para lhe por fim.”


Exacerbação

Os combates se transformam numa carnificina. “Estamos defendendo uma ponte”,  relatou um soldado. “Ontem, os alemães procuraram passar para o nosso lado; deixamos que fossem até o meio da ponte, depois abrimos um fogo tão infernal que o inimigo teve de recuar em debandada. A ponte ficou coberta de cadáveres. Hoje, ou tentaram passar de novo, ou queriam recolher os mortos. Então, se esforçaram por atravessar o rio mais à direita. Se atiraram para a corrente, ficando com a água pelos queixos, mas os nossos apontadores de metralhadora e atiradores nem ao meio do rio os deixaram chegar. Terminado o combate, ouvi dizer que as águas ficaram cor de rosa. Não admira, pois houve pelo menos 5.000 ou 6.000 mortos, e todos ficaram no rio.”

Outro soldado descreveu, com grande ansiedade, confrontos semelhantes, de crueza assustadora. Eis um fragmento:
“Estávamos entrincheirados, rechaçando os ataques alemães; o inimigo se aproximava a uns 400 passos, depois voltava para trás, desaparecia. Quatro vezes se aproximaram tanto das nossas trincheiras que lhes vimos as caras, mas não aguentaram o nosso fogo e retrocederam. Eu e Sazonov, deitados na trincheira lado a lado, apontávamos aos oficiais deles, escolhendo também dos soldados os maiores de corpo. Matamos muitos daqueles malditos! Eles avançavam calados, sem disparar, em formação. Só quando estavam à distância de tiro certeiro, abríamos fogo cerrado. A primeira fila caía, como que ceifada, e os de trás davam uma volta e sumiam. Ficamos arrepiados, o cabelo em pé. Penso que, dessa vez, eu, Sazonov e o nosso sargento mandamos muitos inimigos para o outro mundo. A expressão que faziam quando se aproximavam! Estavam pálidos enquanto avançavam. Um horror! Deus me livre de passar por coisa igual outra vez!”


Varredura total

Talvez o mais temível de tudo fossem ataques da artilharia inimiga. Nada dependia dos que eram atacados; a estes restava ir para baixo da terra, esperando que o fogo acabasse. Mas o fogo parecia interminável. A intensidade era tanta que, como escreveu um oficial de artilharia, “o canhoneio soltava um uivo aterrador, o sol escureceu, a fumaça não deixava ver nada para lá dos cinco passos”.

Quem estava debaixo do fogo, ficava com os nervos à flor da pele. “Apetecia chorar”, confessou um oficial. A partir de então, muitos não aguentavam o silvo dos projéteis e rompiam em pranto: “O imparável estrondo indizível dos canhões, as explosões das granadas, que não nos deixam recuperar, tudo isso dá cabo dos nervos para sempre. Jelenin, o nosso coronel, se pôs soluçando como uma criança, se foi abaixo dos nervos. Rossoliúk também berra como um touro.”

Oficial russo aproveita pausa nas operações para escrever para casa

Mas mesmo no meio deste inferno, a maioria dos combatentes mantinha a lucidez e o autodomínio. Abandonava a trincheira e se lançava ao ataque, sob uma saraivada de balas. Um oficial russo descreve assim os últimos instantes antes de um ataque:

“Por fim, começaram passando a palavra ao longo da linha de defesa: ‘Preparar para o ataque!’ Foi como uma descarga elétrica para nós; uns deram um jeito no equipamento; outros se benzeram com fé, tirando os gorros. Todo mundo sentiu a aproximação do grande momento. Ao longo da fila perpassa nova ordem: ‘Avante!’ Depois de mais um sinal da cruz, saltam da trincheira, gritando: ‘Irmãos! Ao ataque, avançar!’ Como de um formigueiro, a onda humana escorreu das trincheiras, alinhando pela direita, avançou, baionetas em riste, enfrentando a morte.”

Privações, sangue, lama das trincheiras, morte de companheiros de armas. Foi a Primeira Guerra Mundial, de uma envergadura e número de vítimas que a humanidade da segunda década do século 20 nunca vira até então.

Fonte: Expert.ru



PENSAMENTO MILITAR - SOLDADOS E CAMPONESES

 .



“Os homens mais valentes e os soldados mais esforçados nascem dos camponeses.”

(Plínio, "o jovem")

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

1968: COMEÇAM AS NEGOCIAÇÕES DE PAZ NO VIETNÃ

.

Em 13 de maio de 1968, negociações de paz começaram em Paris. Cerca de 25 mil participaram da primeira grande manifestação em 1965 em Washington. Dois anos depois, 400 mil foram às ruas de New York pelo fim do conflito.

Por Michael Kleff

Cerca de 25 mil pessoas participaram da primeira grande manifestação contra a Guerra do Vietnã, realizada em 1965 em Washington. Dois anos depois, 400 mil pacifistas saíram às ruas de New York, pedindo o fim do conflito em que os Estados Unidos haviam se envolvido até o pescoço desde a derrota francesa de Dien Bien Phu, em maio de 1954.

O presidente norte-americano Lyndon Johnson (1908-1973) começava a enfrentar sérios conflitos internos. Em abril de 1968, após o assassinato de Martin Luther King, ocorreram os maiores tumultos raciais da história dos EUA. Em agosto do mesmo ano, centenas de policiais espancaram manifestantes durante um congresso do Partido Democrata em Chicago.


Conflito diplomático

Entre os soldados norte-americanos no Vietnã, crescia a insatisfação com a falta de perspectiva de um acordo entre Ho Chi Minh e Johnson. Foi nesse clima que começaram, a 13 de maio de 1968, as negociações de paz em Paris. Nenhum dos dois lados tinha realmente interesse em uma solução negociada. Isso ficou evidente já na absurda discussão sobre a disposição das mesas da conferência.

O conflito diplomático revelou uma profunda divergência em relação à forma de participação do governo do Vietnã do Sul e dos representantes da Frente de Libertação Nacional (FLN) nas conversações. Como tanto os EUA quanto o Vietnã do Norte apostavam em uma decisão militar, os negociadores em Paris não tinham pressa.


Negociações paralelas à guerra

Começou, assim, um longo jogo de empurra-empurra, com negociações de paz ocorrendo paralelamente à guerra. Somente em 1972, Henry Kissinger, assessor de segurança do presidente Richard Nixon (1913-1994), e o negociador norte-vietnamita Le Duc Tho chegaram a um acordo aceitável para os dois países.

Tho aprovou a continuidade do regime de Nguyen Van Thieu no Vietnã do Sul. Um Conselho Nacional para Reconciliação e Unidade, formado em Saigon, pelo "governo popular revolucionário", proclamado pela FLN, e por grupos neutros, deveria preparar eleições gerais para o Vietnã do Sul.

Kissinger e Le Duc Tho durante as negociações


Em contrapartida ao cessar-fogo imediato oferecido por Tho, os EUA deveriam encerrar todas as operações militares contra o Vietnã do Norte e retirar suas tropas do Vietnã do Sul num prazo de 60 dias.


Indignação entre a comunidade internacional

Kissinger dizia acreditar que a paz estava próxima. Mas suas esperanças foram esmagadas pela rejeição do acordo tanto pelo Vietnã do Sul, quanto pelo próprio presidente Nixon. Após sua reeleição, no final de 1972, Nixon quis dar uma nova demonstração de força, com ataques aéreos a Hanói e Haiphong.

A opinião pública internacional reagiu indignada aos chamados "bombardeios de Natal" dos norte-americanos. A ofensiva aérea, porém, forçou Hanói a voltar à mesa de negociações. Finalmente, a 27 de janeiro de 1973, Nixon anunciou o fim da guerra do Vietnã.


Milhões de vítimas

O "acordo para o fim da guerra e o restabelecimento da paz", assinado em janeiro de 1973 em Paris pelos Vietnãs do Norte e do Sul, pelo "governo provisório" da FLN e pelos EUA, não chegou a ser implementado.

Mesmo assim, os EUA começaram a retirar as suas tropas. Hanói deu continuidade à guerra, enquanto os generais sul-vietnamitas tentavam, de qualquer forma, ampliar seu controle sobre o país. A guerra de trinta anos pelo poder no Vietnã só terminou em maio de 1975, com a capitulação do Vietnã do Sul.

O conflito deixou um saldo de 58 mil soldados mortos e 153 mil feridos do lado norte-americano, e de um milhão de mortos e 900 mil crianças órfãs do lado vietnamita. Os EUA, que gastaram cerca de 200 bilhões de dólares com o conflito, sofreram no Vietnã a maior derrota militar da sua história.

Fonte: DW

.

domingo, 22 de setembro de 2024

BATALHA DE CHIPPEWA - 5 DE JULHO DE 1812

 .

Em um dos poucos combates da Guerra de 1812 em que soldados americanos enfrentaram soldados regulares britânicos em terreno aberto, em uma batalha tradicional do início do século XIX, em Chippewa o jovem Exército dos EUA provou sua força durante a "segunda guerra de independência" dos Estados Unidos.
 

Depois que um avanço americano no Canadá controlado pelos britânicos, liderado pelo major-general James Wilkinson, foi detido ao norte da fronteira em março de 1814, o major-general Jacob Brown liderou 3.500 soldados americanos através do rio Niágara em 3 de julho para tomar Fort Erie. Em uma operação conjunta com um esquadrão da Marinha dos EUA comandado pelo comodoro Isaac Chauncey, Brown procurou usar a captura do Fort Erie para tirar o controle do Lago Ontário dos britânicos. 

Em manobras subsequentes das tropas na região do Niágara, em 5 de julho, a brigada do general de brigada Winfield Scott, com 1.300 homens (parte do comando de Brown), foi inesperadamente confrontada por uma grande força britânica enquanto se preparava para o exercício. 


Enquanto a brigada da milícia americana e dos índios aliados dos EUA, comandada pelo general de brigada Peter Porter, avançava para limpar os bosques adjacentes da milícia canadense e dos índios e irregulares aliados dos britânicos, a brigada de Scott avançou para enfrentar um número semelhante de soldados regulares britânicos em uma luta aberta. 

A princípio, os britânicos acreditaram que as tropas de Scott eram de milicianos e foram levados a uma falsa sensação de segurança. No entanto, quando as tropas bem treinadas de Scott não se dissolveram e recuaram após a troca de tiros, os britânicos perceberam seu erro e seu comandante proferiu a agora famosa exclamação: "São soldados regulares, por Deus!" 


Os soldados de Scott lutaram contra os britânicos até a paralisação durante a troca de saraivadas, acabando por fazer com que os britânicos recuassem, já que a vantagem tática proporcionada pelos cartuchos americanos "buck and ball" (três chumbos e uma bola de mosquete eram embalados em cada cartucho, criando um efeito mais devastador, semelhante ao de uma espingarda, quando disparados em rajadas) tornou-se evidente.
 
As perdas britânicas foram de 137 mortos e 304 feridos; as americanas, 48 mortos e 227 feridos. Embora não tenha sido uma batalha estrategicamente importante, a vitória dos EUA em Chippewa proporcionou ao jovem Exército dos EUA um significativo impulso moral e tornou-se um ponto de orgulho para a força incipiente.


Fonte: U.S. Army Center of Military History 


segunda-feira, 9 de setembro de 2024

ORDEM DA VITÓRIA - A MEDALHA MILITAR MAIS CARA DO MUNDO

 .

Além de ser mais distinta e cara de todas as ordens já concedidas a alguém na Rússia, é também uma das mais raras do mundo – foram feitas apenas 22 cópias.


Por Gueórgui Manáev


A Ordem da Vitória é oficialmente a medalha militar mais cara do mundo. Para se ter ideia, se pudesse ser colocada em leilão, o preço inicial seria superior a 20 milhões de dólares. O último cavaleiro agraciado com essa Ordem, Miguel 1º da Romênia, morreu em 2017. No entanto, o destino de sua medalha é incerto - oficialmente, o objeto está armazenado na propriedade de Miguel 1º em Versoix, na Suíça. Mas há boatos de que teria sido vendida nos anos 1980 por cerca de 4 milhões de dólares.

A Ordem da Vitória foi concedida apenas a generais e marechais por suas ações no planejamento e administração militar que deram origem a uma “operação bem-sucedida no âmbito de uma ou várias frentes, resultando em uma mudança radical da situação em favor do Exército Vermelho”, reza o estatuto da Ordem. Mas por que e quando a URSS precisou de uma honra tão especial para seus militares? 


Nem um passo para trás!

A decisão de criar a Ordem da Vitória foi tomada após o primeiro grande sucesso do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial – mais especificamente, a Batalha de Stalingrado, que durou de julho de 1942 a fevereiro de 1943.

O ano de 1942 como um todo foi uma época bastante difícil para os soviéticos na Grande Guerra Patriótica (período em que a Rússia esteve na Segunda Guerra Mundial). O Exército Vermelho sofreu perdas drásticas com o ataque dos nazistas no sul da Rússia, e os soldados estavam aterrorizados com seu destino iminente. Para fortalecer a disciplina no Exército por meio do medo, Josef Stálin, como Comissário de Defesa do Povo, emitiu o decreto nº 227, de 28 de julho de 1942, apelidado de “Nem um passo para trás!” na propaganda de massa soviética.

O decreto estabelecia batalhões penais que deveriam ser enviados para as seções mais perigosas do campo de guerra. Esses batalhões eram compostos por soldados que já haviam tentado desertar. Mas Stálin também entendeu que, para elevar os espíritos de seus comandantes de guerra, era inviável recorrer apenas ao medo. Os comandantes eram ambiciosos, então, deveriam ser criadas novas distinções e estímulos positivos.

Nos anos de 1942 e 1943, Stálin iniciou a criação de várias ordens destinadas a comandantes militares, nomeadas em homenagem a grandes expoentes militares da Rússia: Aleksandr Suvorov, Mikhail Kutuzov, Fiódor Uchakov e Pável Nakhimov.

A Ordem da Vitória deveria ser a mais importante de todas elas. Em julho de 1943, enquanto a Batalha de Kursk estava em curso, os primeiros projetos da Ordem da Vitória foram apresentados a Stálin.


Torre como marca da vitória

Stálin, porém, não gostou dos esboços. Em outubro de 1943, em vez dos perfis de Lênin e Stálin no anverso (frente) do medalhão, Stálin ordenou que a torre Spasskaya (a torre do relógio) do Kremlin de Moscou fosse retratada na condecoração. Foi assim que, em 5 de novembro de 1943, Stálin aprovou a versão final da medalha – e gostou tanto da “amostra de teste” que até a manteve. Três dias depois, a Ordem foi oficialmente estabelecida, enquanto iniciava a produção das referentes insígnias.

O design da Ordem foi criado pelo artista Aleksandr Kuznetsov (1894-1975), que também desenvolveu outra medalha militar de alto escalão, a Ordem da Guerra Patriótica. A insígnia deveria ser feita com diamantes e rubis, por isso a criação foi confiada aos especialistas da fábrica de Joias e Relógios de Moscou.

Inicialmente foi feito o plano de criar 30 cópias da Ordem. Cada uma delas exigia 180 diamantes, 50 diamantes de lapidação rosa e 300 gramas de platina. No total, os criadores receberam 5.400 diamantes, 1.500 diamantes de lapidação rosa e 9 quilos de platina. No entanto, rubis artificiais foram eventualmente utilizados para os medalhões da Ordem, porque todos os naturais tinham tonalidades diferentes entre si, o que faria as condecorações parecerem maculadas.

Todas as ordens foram feitas à mão. No total foram produzidos 22 exemplares, mas três deles nunca foram concedidos. De acordo com um exame pericial conduzido em 2010 pelos Museus do Kremlin de Moscou, os medalhões continham diamantes da Ordem, mas também joias usadas ​​pelos membros da família Romanov. Após a queda do Império Russo, essas condecorações e joias foram retiradas do tesouro dos tsares, desmontadas, e as pedras acabaram nos cofres soviéticos.


Os medalhões da Ordem e onde estão agora

Todas as Ordens da Vitória é feita de platina, e a inscrição “ПОБЕДА” (“Vitória”), de ouro. A medalha tem 174 diamantes (16 quilates no total) e 5 rubis artificiais de 5 quilates, 25 quilates em cada uma delas. Os detalhes – a muralha do Kremlin, o Mausoléu, os ramos de carvalho e louro –, incrustados com pequenos diamantes, são feitos de platina dourada. Somente os feches, o parafuso e a porca são de prata. A Ordem pesa 78 gramas no total. Uma característica única dos medalhões da Ordem é que não têm números de série – a condecoração foi inicialmente projetada para ser uma das mais raras existentes. Existem outras ordens que existem em menos cópias, mas não são sequer rivais da Ordem da Vitória em termos de valor.

A Ordem foi concedida pela primeira vez em 10 de abril de 1944 – aos marechais Gueórgui Jukov (1896-1974) e Aleksandr Vassiliévski (1895-1977), e ao comandante-chefe Iossef Stalin. Todos os três foram premiados em homenagem à libertação da margem direita da Ucrânia. Mais tarde, em 1945, os mesmos três comandantes foram homenageados com a mesma condecoração pela segunda vez.

Marechal Gueórgui Jukov, Herói da União Soviética, primeiro a receber a Ordem da Vitória.


No total, a Ordem foi concedida 20 vezes a 17 pessoas, três delas (mencionadas acima) receberam duas vezes, e houve uma revogação póstuma. O general Ivan Tcheriyakhovski (1907-1945) deveria receber a Ordem em 23 de fevereiro de 1945, mas morreu em 18 de fevereiro e, portanto, não chegou a concretizar o feito.

A medalha também foi concedida a cinco estrangeiros. O marechal de campo britânico Bernard Montgomery e o presidente norte-americano Dwight Eisenhower foram agraciados em 5 de junho de 1945, “pelos extraordinários sucessos na condução de operações militares de grande alcance que resultaram na vitória das Nações Unidas sobre a Alemanha de Hitler”.

Marechal de campo britânico Bernard L. Montgomery (com a medalha da Ordem da Vitória) e Josef Stálin


O rei Miguel 1º da Romênia recebeu a medalha em 6 de julho de 1954, por sua decisão de prender colaboradores nazistas no governo romeno, em 23 de agosto de 1944, quando a vitória decisiva sobre os nazistas ainda não havia sido alcançada.

Já o marechal da Polônia Michał Rola-Żymierski, foi condecorado em 9 de agosto de 1945, por conduzir operações contra os nazistas – o mesmo que o marechal da Iugoslávia, Josip Broz Tito, que foi galardoado em 9 de setembro de 1945.

Rei Miguel 1º da Romênia com a Ordem da Vitória


O Secretário-Geral do Comitê Central do Partido Comunista da URSS Leonid Brejnev, que recebeu a Ordem em 1978, foi postumamente destituído dela em 1989, porque se considerou que tal concessão ia contra o estatuto – o líder soviético não havia conduzido operações militares decisivas na Segunda Guerra Mundial. O decreto para revogação da Ordem foi assinado por Mikhail Gorbatchov.

O Secretário-Geral do Partido Comunista Leonid Brejnev, aqui fotografado com a Ordem da Vitória, teve sua condecoração cassada postumamente por Mikhail Gorbatchov, em 1989.


Os Museus do Kremlin de Moscou possuem a maior coleção de medalhões da Ordem da Vitória: oito delas. Uma delas, que antes pertenceu ao marechal Semion Timochenko (1895-1970), e outro, que nunca foi premiada, estão armazenados no Museu do Fundo Estatal de Metais e Pedras Preciosas da Federação Russa (Gokhran). Outro medalhão da Ordem não premiado permanece guardado no Hermitage. Já o paradeiro do terceiro medalhão da Ordem nunca dado é um mistério. Além disso, não se sabe a localização exata do medalhão concedido a Michal Rola-Żymierski.



Fonte: Russia Beyond


terça-feira, 27 de agosto de 2024

IMAGEM DO DIA - 27/8/2024

 .

Milícia escocesa combatendo na Batalha de Killiecrankie, durante a Rebelião Jacobita de 1689




quinta-feira, 15 de agosto de 2024

PERSONAGENS DA HISTÓRIA MILITAR - CONDE FRANZ CONRAD VON HÖTZENDORF

.
* 11/11/1852 - Viena, Áustria

+ 25/8/1925 - Bad Mergentheim, Alemanha



O Conde Franz Conrad von Hötzendorf foi o chefe do Estado-maior da Áustria-Hungria durante o início da Primeira Guerra Mundial.


Conrad von Hötzendorf nasceu em Penzing, um subúrbio de Viena. Seu pai era um coronel aposentado, originário do sul da Morávia. Seu avô havia ascendido à nobreza em 1816 quando adicionou ao seu nome "von Hötzendorf", o sobrenome da sua esposa. Sua mãe era a filha do famoso artista vienense Kübler. Ele tornou-se cadete quando ainda era muito jovem, e permaneceu nas forças armadas até o final da Primeira Guerra Mundial. Conrad ascendeu na hierarquia militar muito rapidamente.

Conrad casou-se com Wilhelmine le Beau em 1886, com a qual teve quatro filhos. Posteriormente, ele viria se casar com Virginia von Reininghaus, em 1915, contra a vontade de seus filhos.

Em novembro de 1906, Conrad tornou-se comandante do Exército Austro-Húngaro, e lutou pela modernização do exército e da marinha. Ele era algo como um darwinista social, e acreditava que uma batalha entre os alemães e a civilização eslava era inevitável. O poder da elite magiar na Áustria-Hungria também o desiludia, uma vez que acreditava que a Áustria deveria constituir um império essencialmente germânico. Também se preocupava com as ambições italianas na península balcânica, e uma de suas maiores ambições era uma guerra preventiva contra a Sérvia, como forma de neutralizá-la e também mudar o balanço de poderes da Áustria-Hungria contra os magiares, ao incorporar mais eslavos à população do império.

De acordo com Hew Strachan, "Hötzendorf propôs uma guerra preventiva contra a Sérvia pela primeira vez em 1906, e o fez o mesmo em 1908/09, em 1912/13, em outubro de 1913 e em maio de 1914: entre 1 de Janeiro de 1913 e 1 de Janeiro de 1914, ele propôs uma guerra contra a Sérvia por vinte e cinco vezes".


Primeira Guerra Mundial

Conrad von Hötzendorf foi um dos principais proponentes de uma guerra com a Sérvia como resposta ao assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando. Entretanto, apesar de seu desejo por guerra, o exército austro-húngaro não conseguia estava preparado para um conflito de grandes proporções.

Conrad muitas vezes propôs grandiosos planos fora da realidade, desconsiderando as realidades do terreno e do clima. Os planos feitos frequentemente subestimavam o poder dos inimigos. Por exemplo, o exército sérvio provou-se muito mais eficaz em batalha do que se esperava. Além disso, suas primeiras ofensivas contra a Itália ficaram conhecidas por sua falta de eficácia combinada com uma maciça perda de homens. Seus erros levaram ao desastroso primeiro ano da Áustria-Hungria na guerra, que acabou por minar todas as suas capacidades militares. 

A derrota mais desastrosa veio em 1916, com a Ofensiva Brusilov na Rússia. As forças austro-húngaras sob o comando de Conrad perderam aproximadamente 1,5 milhão de homens, e o exército nunca voltou a se tornar capaz de montar uma ofensiva sem ajuda alemã. A maior parte das últimas vitórias austríacas foram possíveis apenas com a ajuda de exércitos alemães, que acabaram por tornar o exército austro-húngaro extremamente dependente.

Conrad von Hötzendorf durante uma visita de inspeção

Por outro lado, o historiador britânico Cyril Falls contra-argumenta, afirmando que Conrad era provavelmente o melhor estrategista da guerra e que seus planos eram brilhantes na teoria. Os generais alemães do leste basearam muitas de sua operações nos planos de Conrad.

Conrad von Hötzendorf foi demitido do seu posto no exército pelo novo imperador, Carlos I da Áustria, e foi nomeado para o comando do Grupo de Exércitos que lutava no front italiano. Depois do fracasso na Batalha de Piave, foi demitido definitivamente das Forças Armadas.

Muitos historiadores acreditam que a razão da derrota austríaca no conflito deve-se à divisão das forças de ataque em duas: o grupo Conrad que lutou próximo ao Platô Asiago e o grupo Boroevic, que lutou nas planícies. 

No final de sua carreira, Conrad também se opôs ao imperador, que tentava chegar a um acordo de paz com a Tríplice Entente.  Em 1918, ele tornou-se Graf (conde), depois de ter sido um barão.

Após a guerra, Conrad negou qualquer culpa pessoal pela derrota e pelos resultados da guerra e culpou a corte imperial e os políticos por ela. Acometido por doença e desgostoso, morreu em 25 agosto 1925, em Bad Mergentheim, Alemanha.

Quando foi sepultado no cemitério de Hietzing, em Viena, em 2 de setembro de 1925, mais de 100 mil pessoas participaram dos funerais. Após longas discussões, seu Ehrengrab (túmulo de honra) foi transformado em túmulo histórico em 2012.


Fontes:
- FROMKIN, David. O Último Verão Europeu. Quem Começou a Grande Guerra de 1914? Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
- FALLS, Cyril. The Great War (1914-1918). Nova Iorque: Capricorn Books, 1961.


domingo, 4 de agosto de 2024

UNIFORME DE VERÃO DA LEGIÃO ESTRANGEIRA FRANCESA NA FRENTE MACEDÔNICA (1915-1918)

 .

Durante a Primeira Guerra Mundial, na frente da Macedônia (ou Salônica), os franceses e seus aliados sérvios, também britânicos, italianos, russos e gregos, lutaram em condições terríveis. Enfrentaram condições climáticas duras, doenças e terreno difícil. Cerca de 400.000 franceses lutaram nos Balcãs, longe das trincheiras mais conhecidas da frente ocidental; 70.000 deles nunca voltaram. 

As unidades francesas do Armée d'Afrique ("Exército da África") enviadas nesta "frente Oriental" eram:
-  1º e 2º Regimentos de Marcha Estrangeiros (R.M.A), com batalhões de Legionários e Zuavos;
- Regimento de Marcha de Spahis Marroquinos (R.M,S.M.);
- 1º, 4º e 8º Regimentos de Chasseurs d'Afrique; e
- Brigada Montada dos Chasseur d'Afrique.

Os regimentos do Armée d'Afrique, criados principalmente na Argélia Francesa (Legião Estrangeira, Zuavos e Tirailleurs), são as unidades mais condecoradas do Exército Francês, logo após o Regimento de Infantaria Colonial de Marrocos (R.I.C.M.), que pertencia às Tropas Coloniais.

Cerca de 32.000 estrangeiros serviram nos regimentos de Marcha da Legião Estrangeira entre agosto de 1914 e abril de 1915, sendo o maior contingente italiano, tornando possível formar um regimento inteiro (4º de Marcha do 1º Regimento Estrangeiro). Além deles, incorporaram-se muitos russos, suíços, belgas, poloneses, tchecos, espanhóis, alemães, turcos e ingleses, e até alguns americanos.

A imagem mostra o uniforme com o equipamento padrão dos legionários na Frente Macedônica. O armamento é o fuzil Lebel Modelo 1886, calibre 8mm. 

.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

O EXÉRCITO NAZISTA CLANDESTINO

.

Historiador descobre que 2.000 oficiais criaram um grupo de defesa depois da guerra. O coronel Schnez montou o exército à sombra do Governo, mas quando o chanceler Adenauer soube, consentiu.


Por Klaus Wuegrefe

A Alemanha acaba de descobrir um surpreendente capítulo inédito de sua história recente. Depois da II Guerra Mundial, antigos oficiais da Wehrmacht, as forças armadas da Alemanha nazista, e da Waffen-SS, o braço armado das SS, formaram um exército secreto para proteger o país de um suposto ataque da União Soviética. O projeto, descoberto casualmente, poderia ter provocado um grande escândalo naquela época. Durante quase seis décadas, os documentos que mostram sua existência permaneceram ocultos nos arquivos do Serviço de Inteligência da Alemanha (BND).

Cerca de 2.000 veteranos nazistas decidiram formar um exército em 1949 escondidos do Governo federal e dos Aliados. O objetivo dos oficiais era defender a recém-criada República Federal da Alemanha da agressão do Leste nas primeiras etapas de uma guerra fria e, na frente nacional, mobilizar-se contra os comunistas em caso de uma guerra civil.

O chanceler alemão Konrad Adenauer não ficou sabendo da existência de uma conspiração às escondidas até 1951, mas não tomou medidas claras contra esta organização ilegal. De acordo com a documentação encontrada, em caso de uma mobilização, o exército contaria com 40.000 soldados. O principal organizador era Albert Schnez, que havia servido como coronel na II Guerra Mundial. No final dos anos cinquenta formou parte da equipe entorno do ministro de Defesa Strauss e posteriormente foi chefe do Estado-Maior no mandato de Willy Brandt. 

As declarações de Schnez citadas nos documentos sugerem que o projeto de criação de um exército clandestino também foi apoiado por Hans Speidel que se tornaria o comandante supremo da OTAN do Exército Aliado na Europa Central em 1957 e por Adolf Heusinger, primeiro inspetor geral do Bundeswehr (Exército federal).

Albert Schnez aqui fotografado em 1968, no posto de marechal.


O historiador Agilolf Kesselring encontrou os documentos que pertenciam à Organização Gehlen, o Serviço de Inteligência anterior, enquanto investigava para o BND. Kesselring tem especial interesse pela própria história militar de sua família. Seu avô foi marechal de campo durante a II Guerra Mundial e comandante no Terceiro Reich, com Schnez como subordinado. Em seu estudo, Kesselring desculpa com frequência Schnez. Nada menciona sobre seus vínculos com a extrema direita e descreve seus trabalhos de espionagem sobre supostos esquerdistas como “controles de segurança”.

O projeto começou durante a pós-guerra na Suabia, uma região que rodeia Stuttgart, onde Schnez comercializava madeira, têxteis e artigos para o lugar ao mesmo tempo que organizava reuniões noturnas para veteranos da 25ª Divisão de Infantaria, onde ele havia servido. Mas seus debates sempre giravam ao redor da mesma pergunta: o que devemos fazer se os russos e seus aliados da Europa do Leste nos invadirem?

Para dar resposta a essa ameaça potencial, Schnez pensou em fundar um exército. E ainda que não tenha respeitado as ordens dos Alidos – as organizações militares ou “de tipo militar” estavam proibidas -, rapidamente se tornou algo muito popular. Seu exército começou a tomar forma em 1950. A rede de Schnez arrecadou doações de empresários e de antigos oficiais de ideias afins, entrou em contato com grupos de veteranos de outras divisões e fez acordo com empresas de transporte para a entrega de veículos.

Anton Grasser, antigo general de Infantaria, se ocupou do armamento. Começou sua carreira no Ministério do Interior supervisionando a coordenação da polícia alemã. Queria utilizar seus ativos para equipes das tropas em caso de conflito. Não há nenhum sinal de que o então ministro do Interior, Robert Lehr, estivesse informado destes planos.

Schnez queria criar um exército com unidades formadas por antigos oficiais pertencentes a corpos de elite da Wehrmacht, que poderia mobilizar-se com rapidez em caso de um ataque. De acordo com os documentos desclassificados, a lista incluía empresários, representantes de vendas, um comerciante, um advogado de direito penal, um instrutor técnico e inclusive um prefeito. É de supor que todos eles eram anticomunistas e, em alguns casos, estavam motivados por um desejo de aventura. Um exemplo: o tenente geral aposentado Hermann Hölter “não se sentia feliz trabalhando somente em um escritório”.

Ficava por determinar onde poderiam se realocar em caso de emergência. Schnez negociou com algumas grupos suíços, que mostraram “sua desconfiança”. Mais tarde planejou um possível translado para a Espanha, que utilizaria como base para combater ao lado dos norte-americanos.

O chanceler Konrad Adenauer, o segundo à direita, inspeciona uma unidade do Bundsweehr em 1956


Em sua busca por financiamento, Schnez solicitou a ajuda dos serviços secretos da Alemanha Ocidental no verão de 1951. Durante uma reunião realizada em 24 de julho de 1951, Schnez ofereceu os serviços de seu exército clandestino a Gehlen – chefe do serviço de inteligência - para “uso militar” ou “simplesmente como uma força potencial”, fora do Governo alemão no exílio ou dos aliados ocidentais.

Uma anotação nos documentos da Organização Gehlen afirma que Gehlen e Schnez “mantiveram durante muito tempo relações de caráter amistoso”. O texto também indica que os serviços secretos já conheciam a existência de um exército clandestino.

É provável que o entusiasmo de Gehlen pela oferta de Schnez tivesse sido maior se fosse feito um ano antes, quando estourava a guerra da Coreia. Naquele momento, Bona e Washington haviam considerado a possibilidade de, “em caso de acontecer uma catástrofe, reunir os membros das antigas divisões alemãs de elite, armá-los e depois inscrevê-los nas forças aliadas”.

Um ano depois, a situação tinha mudado, e Adenauer havia desanimado dessa ideia. Ao contrário, pressionou para que a Alemanha Ocidental se integrasse profundamente ao Ocidente e estimulou assim mesmo o estabelecimento do Bundeswehr. O grupo ilegal de Schnez possuía a capacidade de colocar em perigo essa política, já que, se sua existência fosse de domínio público, poderia ter gerado um escândalo internacional. Ainda assim, Adenauer decidiu não tomar medidas contra a organização de Schnez.

O pessoal de Gehlen entrava em contato frequentemente com Schnez. Além disso, ambos chegaram a um acordo para compartilhar dados secretos procedentes do serviço de inteligência. Schnez se gabava de ter uma unidade de inteligência “particularmente bem organizada”. A partir desse momento, a Organização Gehlen se transformou no destinatário de informes sobre antigos soldados alemães que imprevisivelmente haviam se comportado de forma “indigna” como prisioneiros de guerra dos russos, insinuando que haviam desertado para apoiar a União Soviética. Em outros casos informava sobre “pessoas suspeitas de serem comunistas em Stuttgart”.

Com tudo, Schnez nunca conseguiu se beneficiar do dinheiro que recebia. Gehlen somente lhe entregava pequenas quantidades que se esgotaram no outono de 1953. Dois anos depois, os primeiros 101 voluntários se alistaram no Bundeswehr. Assim, com o rearmamento da Alemanha Ocidental, o exército de Schnez passou a ser desnecessário.

Schnez faleceu em 2007 sem ter revelado publicamente nenhuma informação sobre os acontecimentos. O que se conhece é graças aos documentos nos arquivos classificados do BND por baixo do título enganoso de “Seguros”. Alguém tinha a esperança de que nunca ninguém encontrasse um motivo para se interessar por eles.

Fonte: El País