segunda-feira, 28 de setembro de 2020

BATALHA DE TAGINA (552)

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Entre junho e julho de 552, forças do Império Bizantino sob o comando de Narses venceram os ostrogodos na Itália, e abriram o caminho para a reconquista temporária bizantina na Península Itálica


Desde o ano de 549, o imperador Justiniano I planejara despachar um grande exército para a Itália, com o propósito de encerrar a prolongada guerra com os ostrogodos iniciada em 535. Durante 550-51, uma grande força expedicionária totalizando cerca de 25.000 homens foi gradualmente reunida em Salona em o Adriático, compreendendo unidades bizantinas regulares e um grande contingente de aliados estrangeiros, notadamente lombardos, herulos e búlgaros, sob o comando do camareiro imperial Narses. Na primavera seguinte, Narses liderou esse exército bizantino ao longo da costa do Adriático até Ancona, e depois voltou-se para o interior, com o objetivo de marchar pela Via Flaminia até Roma.

Em um local conhecido como Busta Gallorum, perto da vila de Taginae ou Tagina, os bizantinos encontraram o exército ostrogodo comandado pelo rei Tótila, que avançava para interceptá-los. Por estar consideravelmente em menor número, Tótila entabulou negociações ostensivamente, enquanto planejava um ataque surpresa, mas Narses não se deixou enganar por esse estratagema.

Rei ostrogodo Tótila

Embora gozasse de superioridade numérica, Narses posicionou seu exército em uma sólida posição defensiva. No centro, ele reuniu o grande corpo de mercenários germânicos desmontados em uma formação densa, e colocou as tropas bizantinas em ambos os flancos do dispositivo. Em cada ala ele colocou 4.000 arqueiros.

Tótila tentou, inicialmente, flanquear seu oponente tomando uma pequena colina à esquerda do dispositivo bizantino, que dominava a única rota para a retaguarda, mas parte da infantaria bizantina desdobrada em uma formação compacta e bem protegida conseguiu derrotar ataques sucessivos de a cavalaria ostrogoda.


Tendo falhado em desalojar Narses, e esperando 2.000 reforços de Teia, Tótila usou vários meios para atrasar a batalha, incluindo ofertas fraudulentas de negociação e duelos realizados entre as linhas de batalha. Em uma dessas ocasiões, Tótila enviou um desertor bizantino chamado Coccas para desafiar qualquer bizantino a um combate individual. Coccas era grande e imensamente forte, e tinha uma reputação entre os godos de ser um guerreiro cruel e poderoso. Um armênio chamado Anzalas, um dos guarda-costas de Narses, respondeu ao desafio. Coccas atacou-o em Anzalas, mas no último momento, Anzalas desviou o cavalo e esfaqueou o campeão godo pelo lado. Não era o presságio mais auspicioso para os ostrogodos.

Guerreiro ostrogodo

No entanto, o rei ostrogodo empreendeu mais uma tática de atraso. Ambos os exércitos observaram Tótila, vestido com uma armadura roxa e dourada brilhante, e montando um garanhão enorme, galopando em direção ao espaço entre os dois enormes exércitos. Seu cavalo deu voltas, empinou, parou e recuou, quando Tótila jogou sua lança no ar e a pegou. Por fim, ele voltou para seu próprio exército e se abrigou entre as fileiras, bem no momento em que os reforços haviam chegado sob o comando de Teia.

Com a chegada dos reforços, Tótila retirou-se para almoçar. Narses, desconfiado de um possível ardil, permitiu que suas tropas se refrescassem sem deixar suas posições. Tótila, aparentemente esperando pegar seu inimigo de surpresa, lançou um súbito ataque em larga escala contra o centro bizantino. 

Cavalarianos bizantino e ostrogodo se enfrentando em Tagina

Autores antigos e modernos o acusaram de loucura, mas Tótila provavelmente tentou se aproximar do inimigo o mais rápido possível, a fim de evitar os efeitos dos formidáveis arqueiros bizantinos. Os bizantinos, contudo, estavam preparados para esse movimento e os arqueiros se prepararam nos flancos para encurtar a frente em direção ao centro, de modo que sua linha de batalha tomou um formato de crescente. Preso no enfileiramento de flechas cruzadas de ambos os lados, a cavalaria ostrogoda sofreu elevadas baixas e seu ataque vacilou.

O curso e a duração da batalha subsequente são incertos, mas, no início da noite, Narses ordenou um avanço geral, e os ostrogodos se separaram e fugiram. Embora as contas variem, foi provavelmente durante a derrota subsequente que Tótila foi morto.

Narses, o general bizantino vitorioso em Tagina

Narses prosseguiu para Roma, que caiu após fraca resistência. Os ostrogodos se reagruparam sob o sucessor de Tótila, Teia, mas sofreram uma derrota final na Batalha dos Montes Lactarius (perto do Monte Vesúvio) e, posteriormente, provavelmente foram absorvidos pelos lombardos, outra tribo germânica que invadiu a Itália no século VI.



sexta-feira, 11 de setembro de 2020

PESQUISADORES INAUGURAM OFICIALMENTE A REDE INTERNACIONAL HERMES

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​Nesta segunda-feira (31) foi inaugurada a Rede Internacional Hermes, um grupo que pretende congregar pesquisadores e instituições que se dedicam aos estudos e pesquisas em Fronteiras, Integração, Conflitos, Forças Armadas e Defesa. A proposta é estabelecer uma Rede de comunicação e troca de informações profícua e frequente. Para iniciar o evento, o doutor Tito Carlos Machado de Oliveira, da UFMS, destacou a importância de uma visão holística sobre os temas fronteiras, integração, conflitos, forças armadas e defesa que, muitas vezes, seja por dificuldades de fontes, seja por uma visão limitada das pesquisas, acabam sendo abordados como elementos estanques.

Feita a abertura oficial do evento, foi a vez da palestra conduzida pelo doutor Armando Marques-Guedes, da Universidade Nova de Lisboa, que falou sobre a importância de se discutir a política dos mares e suas influências na constituição das sociedades. Em uma de suas justificativas, ele apontou, com propriedade, que há quatro vezes mais oceanos do que terra firme no planeta. Mas, apesar disso, muitas vezes o assunto acaba não recebendo a devida atenção por parte dos pesquisadores. Por isso, ele frisou que é preciso aprofundar as investigações em hidropolítica.

Em seguida, coube ao General de Brigada Marcio Tadeu Bettega Bergo, presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e antigo chefe do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército (CEPHiMEx) abordar a questão das fronteiras militares, físicas e da integração entre nações no contexto de uma sociedade em constantes transformações como o mundo do Século XXI. Além disso, o general Bergo também tocou em questões importantes acerca de conflitos e tensões internacionais, equilíbrio de forças e imposições culturais.  

Após as palestras inaugurais, o presidente da Rede Internacional Hermes, doutor Fernando Rodrigues, do PPGH-UNIVERSO, conduziu uma sessão de perguntas elaboradas pelo público para os dois pesquisadores. Neste momento, foi possível perceber a qualidade dos questionamentos e como as pessoas ficaram positivamente impressionadas com as palestras. Ao final do evento, o doutor Fernando Rodrigues destacou a importância da Rede para a pesquisa militar no Brasil e no mundo.

- É com grande satisfação que, hoje, inauguramos oficialmente a Rede Internacional Hermes. Ela já é uma realidade. Um caminho sem volta. Um grupo que veio para ficar. Que surgiu da vontade de reunirmos pesquisadores de diversas partes do Brasil e do mundo para aprofundarmos os estudos sobre temas tão importantes quanto fronteiras, conflitos, integração, forças armadas e defesa. Todos são fundamentais neste projeto – analisou.

A página oficial da Rede Internacional Hermes é https://www.redeinternacionalhermes.org/. Nela é possível encontrar as linhas de pesquisa, os grupos de pesquisa, os profissionais associados, publicações, eventos e um farto material relacionado ao tema Fronteiras, Integração, Conflitos, Forças Armadas e Defesa. Integram a Rede pesquisadores de diversas instituições do Brasil e do mundo.


A conferência de inauguração oficial da Rede Hermes pode ser vista em
https://www.youtube.com/watch?v=Fsa3-rr-Ms0.




sábado, 5 de setembro de 2020

ASSASSINOS DAS SS COM DOUTORADO

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Em estudo monumental, historiador francês Christian Ingrao ressalta o papel decisivo dos intelectuais na elite da Ordem Negra de Himmler
 

Por Jacinto Antón

A imagem que se tem popularmente de um oficial da SS é a de um indivíduo cruel, chegando ao sadismo, corrupto, cínico, arrogante, oportunista e não muito culto. Alguém que inspira (além de medo) uma repugnância instantânea e uma tranquilizadora sensação de que é uma criatura muito diferente, um verdadeiro monstro. O historiador francês especializado em nazismo Christian Ingrao (Clermont-Ferrand, 1970) oferece-nos um perfil muito diverso, e inquietante. A ponto de identificar uma alta porcentagem dos comandantes da SS e de seu serviço de segurança, o temido SD, como verdadeiros “intelectuais comprometidos”.

O termo, que escandalizou o mundo intelectual francês, é arrepiante quando se pensa que esses eram os homens que lideravam as unidades de extermínio. Em seu livro Crer e Destruir: Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista, Ingrao analisa minuciosamente a trajetória e as experiências de oitenta desses indivíduos que eram acadêmicos – juristas, economistas, filólogos, filósofos e historiadores – e ao mesmo tempo criminosos –, derrubando o senso comum de que quanto maior o grau de instrução mais uma pessoa estará imune a ideologias extremistas.

Há um forte contraste entre esses personagens e o clichê do oficial da SS: assassinos em massa fardados e com um doutorado no bolso, como descreve o próprio autor. O que fizeram os “intelectuais comprometidos”, teóricos e homens de ação, da SS foi terrível. Ingrao cita o caso do jurista e oficial do SD Bruno Müller, à frente de uma das seções do Einsatzgruppe D, uma das unidades móveis de assassinato no Leste, que na noite de 6 de agosto de 1941 ao transmitir a seus homens a nova ordem de exterminar todos os judeus da cidade de Tighina, na Ucrânia, mandou trazer uma mulher e seu bebê e os matou ele mesmo com sua arma para dar o exemplo de qual seria a tarefa.

Bruno Müller, comandante de uma seção do Einsatzgruppe D, assassinou pessoalmente uma mãe com seu filho na Ucrânia para "dar o exemplo" para suas tropas. Ele era um jurista conhecido na Alemanha 

É curioso que Müller e outros como ele, com alto grau de instrução, pudessem se envolver assim na prática genocida”, diz Ingrao. “Mas o nazismo é um sistema de crenças que gera muito fervor, que cristaliza esperanças e que funciona como uma droga cultural na psique dos intelectuais.

O historiador ressalta que o fato é menos excepcional do que parece. “Na verdade, se examinarmos os massacres da história recente, veremos que há intelectuais envolvidos. Em Ruanda, por exemplo, os teóricos da supremacia hutu, os ideólogos do Hutu Power, eram dez geógrafos da Universidade de Louvain (Bélgica). Quase sempre há intelectuais por trás dos assassinatos em massa”. Mas, não se espera isso dos intelectuais alemães. Ingrao ri amargamente. “De fato eram os grandes representantes da intelectualidade europeia, mas a geração de intelectuais de que tratamos experimentou em sua juventude a radicalização política para a extrema direita com forte ênfase no imaginário biológico e racial que se produziu maciçamente nas universidades alemãs depois da Primeira Guerra Mundial. E aderiram de maneira generalizada ao nazismo a partir de 1925”. A SS, explica, diferentemente das ruidosas SA, oferecia aos intelectuais um destino muito mais elitista.

Mas o nazismo não lhes inspirava repugnância moral? “Infelizmente, a moral é uma construção social e política para esses intelectuais. Já haviam sido marcados pela Primeira Guerra Mundial: embora a maioria fosse muito jovem para o front, o luto pela morte generalizada de familiares e a sensação de que se travava um combate defensivo pela sobrevivência da Alemanha, da civilização contra a barbárie, arraigaram-se neles. 

A invasão da União Soviética em 1941 significou o retorno a uma guerra total ainda mais radicalizada pelo determinismo racial. O que até então havia sido uma guerra de vingança a partir de 1941 se transformou em uma grande guerra racial, e uma cruzada. Era o embate decisivo contra um inimigo eterno que tinha duas faces: a do judeu bolchevique e a do judeu plutocrata da Bolsa de Londres e Wall Street. 

Otto Rasch, comandante do Einsatzgruppe C, aqui fotografado na condição de criminoso de guerra após o conflito, possuía dois doutorados, em Direito e Economia Política. Segundo a tradição acadêmica alemã, era conhecido como "Professor doutor doutor"

Para os intelectuais da SS, não havia diferença entre a população civil judia que exterminavam à frente dos Einsatzgruppen e os tripulantes dos bombardeiros que lançavam suas bombas sobre a Alemanha. Em sua lógica, parar os bombardeiros implicava em matar os judeus da Ucrânia. Se não o fizessem, seria o fim da Alemanha. Esse imperativo construiu a legitimidade do genocídio. Era ou eles ou nós”.

Assim se explicam casos como o de Müller. “Antes de matar a mulher e a criança falou a seus homens do perigo mortal que a Alemanha enfrentava. Era um teórico da germanização que trabalhava para criar uma nova sociedade, o assassinato era uma de suas responsabilidades para criar a utopia. Curiosamente era preciso matar os judeus para realizar os sonhos nazistas”.

Ingrao diz que os intelectuais da SS não eram oportunistas, mas pessoas ideologicamente muito comprometidas, ativistas com uma visão de mundo que aliava entusiasmo, angústia e pânico e que, paradoxalmente, abominavam a crueldade. “A SS era um assunto de militantes. Pessoas muito convictas do que diziam e faziam, e muito preparadas”. O que é ainda mais preocupante. “É claro. É preciso aceitar a ideia de que o nazismo era atraente e que atraiu como moscas as elites intelectuais do país”.

Fonte: El País