sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

FELIZ 2017

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Ao findar o ano de 2016, agradecemos todos os amigos que prestigiaram e visitaram o Blog Carlos Daroz - História Militar.

Desejamos um feliz 2017, pleno de saúde, realizações, conquistas e muita História Militar. 

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A "MATADEIRA" DE CANUDOS

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Por José Gonçalves do Nascimento



O Withworth 32 era uma geringonça de 1,7 tonelada, que precisava de 20 juntas de bois para ser puxado. Os sertanejos apelidaram-no de "matadeira". A condução dessa poderosa máquina de guerra até os sertões da Bahia afigurou-se um erro de estratégia dos militares, visto tratar-se a mesma de uma peça excessivamente pesada e, por conseguinte, imprópria para regiões acidentadas, como aquela em que tinha curso o conflito armado entre o Exército Brasileiro e os adeptos de Antônio Conselheiro. Tratava-se de um artefato de uso da Marinha do Brasil, que acabou incluído no rol de armamentos destinados à guerra de Canudos. 

O Withworth 32 era um canhão pesado, pouco adequado para ações no terreno acidentado do sertão



Sobre ele escreveu Euclydes da Cunha: 

“...A pesada máquina, feita para a quietude das fortalezas costeiras - era o entupimento dos caminhos, a redução da marcha, a perturbação das viaturas, um trambolho a qualquer deslocação vertiginosa de manobras”. E arremata: “Era preciso, porém, assustar os sertões com o monstruoso espantalho de aço”
( CUNHA, Euclydes da. Os Sertões, 1ª edição. Rio de Janeiro: Laemmert & C. Editores, 1902, p. 391).



“Era dificílimo acertar o alvo com esse canhão. A balística exigia cálculos a cada tiro, havia mais de um engenheiro para cada canhão”, afirma o escritor Godofredo de Oliveira Neto, sobrinho neto do general Mesquita, oficial na guerra de Canudos. No dia 29 de junho (1897), durante intenso canhoneio, o Withworth 32 sofreu uma explosão, provocando a morte de dois oficiais do exército: o médico Alfredo Gama e o 2º tenente Odilon Coriolano. A peça estava posicionada no Alto da Favela, de onde tentava bombardear o povoado de Canudos. Alguns historiadores acham que a explosão se deveu a uma sabotagem dos canudenses, que se infiltraram nas tropas da quarta expedição, usando uniformes militares.

Certa feita, Antônio Pajeú e Joaquim Macambira Filho formaram um grupo, junto com outros 10 combatentes, para atacar o canhão. Todos foram mortos nesta heroica tentativa. Apenas um conseguiu escapar para contar a história (No hino da artilharia brasileira há uma referência a este fato). Abandonado pelas tropas no final da guerra, o Withowort 32 receberia, anos mais tarde, os cuidados do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), sendo posto em imponente pedestal. Em 1940 recebeu a visita do presidente Getúlio Vargas, que cumpria agenda política na Canudos pós-conselheirista. 

Muito desgastada pela exposição ao tempo, a "Matadeira" repousa em Monte Santo



Com a construção do açude do Cocorobó, nos anos sessenta, foi transportado para Salvador, ficando exposto no Museu do Unhão. Em 1983, foi removido para a cidade de Monte Santo, onde permanece até hoje. Ali, ele divide espaço com mais dois monumentos: a estátua do Conselheiro e o busto do Marechal Bittencourt.



Fonte: Jornal do Sertanejo


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sábado, 24 de dezembro de 2016

IMAGEM DO DIA - 24/12/2016

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Tropas alemãs cantando ao redor de uma árvore de natal em plena trincheira, na frente oriental em 1914.

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QUANDO A GUERRA IMITA A MODA

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O magnífico uniforme com o qual o Exército russo entrou em Paris após a vitória contra Napoleão se transformou não só de acordo com as novas exigências da vida militar, mas também da moda. No lugar do fraque eram usadas jaquetas mais curtas, e calções pelos joelhos deram lugar às calças. Como resultado, no final do século XIX, a moda masculina era completamente diferente da do início do século. E o mesmo se aplicou ao uniforme militar.

Por Alexandr Verchínin


Os uniformes militares da era napoleônica desapareceram logo depois da morte do imperador francês, em 1821. A modernização do uniforme militar russo teve início quatro anos depois da morte do tsar Aleksander I, que derrotara Napoleão no campo de batalha, mas seguia as mesmas tendências de uniforme do inimigo.

A principal inovação no reinado do seu sucessor, o tsar Nikolai I, foi o abandono de alguns elementos da veste antiga. Após as mudanças, a jaqueta tipo fraque transpassada, com abotoamento duplo, alongada atrás e mais curta na frente, virou “coisa do passado”. Em seu lugar passou-se a usar a jaqueta de abotoamento simples, cujas abas caíam sobre os quadris.

Para substituir os calções, foram introduzidas pela primeira vez calças compridas e enfiadas dentro das botas. A barretina foi perdendo gradualmente o status de principal adorno da chapelaria militar – sofreu algumas alterações, e, em meados do século, já tinha sido quase que universalmente substituída pelo quepe.

Porém, introduzido no Exército no final do século XVIII, o quepe também não teve aceitação generalizada. Era mais um tipo de chapéu informal que os militares usavam quando não estavam em serviço. Quem usava quepe com maior regularidade estaria provavelmente tentando ser original ou criar uma imagem diferente. Foi assim que o quepe sem pala virou o tipo de chapéu favorito do marechal de campo Kutuzov, que derrotou Napoleão.


Nikolai, o Estilista

Em meados do século XIX tudo mudou: o quepe sem abas passou a ser amplamente usado. Já os oficiais, estes só usavam quepes com pala. A barretina do uniforme cerimonial foi substituída pelo capacete, que era feito de couro e reforçado com uma estrutura metálica. O couro levava uma camada protetora de esmalte e, na frente, uma pequena pala.

Em ocasiões festivas colocava-se em cima do capacete um enfeite de crina de cavalo, uma espécie de espiga de metal, ou até mesmo a águia bicéfala, também de metal.

Capacete da Guarda Imperial com a águia bicéfala russa


Cabe lembrar que o famoso capacete alemão com a ponta de lança em cima, o pickelhaube, com o qual Otto von Bismarck posou de bom grado, teve origem russa.

No início da década de 1840, esse capacete foi bolado pelo próprio Nikolai I usando como modelo o capacete dos antigos guerreiros russos. O capacete de couro esmaltado tinha uma pala na frente, uma aba na parte de trás e em cima levava um enfeite em forma de granada flamejante.


Toque caucasiano

A Guerra do Cáucaso, que a Rússia travou por várias décadas, introduziu na vestimenta do soldado russo elementos completamente novos. A papakha – gorro de pele dos homens das montanhas – começou a ter uso generalizado nas tropas. Ela era usada não apenas por combatentes das forças militares do Cáucaso, mas por soldados de todo o país.

Cossacos russos utilizando o gorro papakha 


Também a partir do Cáucaso se espalhou a moda da tcherkéska – um tipo de caftã (casaco longo) que ajustava na cintura, comum entre os moradores das montanhas. Confortável ​​e prática, a tcherkéska foi primeiro adotada por cossacos e, mais tarde, o seu uso acabou se espalhando por todo o Exército. As tcherkéskas de gala eram elementos importantes do guarda-roupa do tsar.


Moda da virada

Ao contrário das épocas anteriores, todos os oficiais podiam usar bigode durante o reinado de Nikolai I. Na época, assim como hoje, a imagem do homem com pelos no rosto ganhava popularidade. O próprio tsar e seus principais comandantes deixaram o bigode crescer.

Além disso, aos poucos passaram a usar distintivos nos ombros, e a patente militar passou a ser indicada pelo número de estrelas. A espada, um elemento integrante do estatuto oficial desde a época de Pedro I, foi substituída pelo sabre, que ficava preso em um cinturão rico e ornado.

Oficial do Regimento de Dragões de Novgorod na década de 1870


Em 1862, os capacetes e antigos quepes sem pala foram oficialmente substituídos pelo quepe de pala larga e reta. O laço preso a ele designava o tipo de tropa, e alguns oficiais usavam crinas de cavalo fixadas ao quepe.

Assim, o uniforme do Exército russo manteve até 1881 muitos elementos nada práticos, mas bem coloridos, como tiras bordadas nas fardas dos oficiais, exuberantes crinas na chapelaria etc. Com a aproximação do final do século, os uniformes militares foram sendo simplificados.

No lugar dos quepes, pequenas chapkas (gorros) de pele de cordeiro foram introduzidas e, posteriormente, acabaram sendo de novo substituídas pelo quepe tradicional com pala. Os oficiais passaram a usar uma espécie de túnica militar, que, no verão, era de cor branca, enquanto os soldados ganharam a guimnastiôrka, um tipo de camisa mais comprida e larga, confeccionada de tecido grosso e que inicialmente era usada para a prática de ginástica.

Fonte: Gazeta Russa

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

HÁ 100 ANOS, O FIM DA SANGRENTA GUERRA DO CONTESTADO

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Por Tatiana Beltrão



Adeodato Ramos havia passado boa parte do gelado inverno catarinense de 1916 embrenhado na mata, fugindo de seus perseguidores. Depois de uma noite de geada, o último líder rebelde da Guerra do Contestado estava exausto. Ao sair da mata e sentar-se à beira da estrada para se aquecer ao sol, foi flagrado por uma patrulha. O “temido facínora”, o “sanguinário chefe dos fanáticos”, o “flagelo de Deus”, como o descreviam os jornais da época, entregou-se sem nem sequer esboçar resistência.


A captura dele, na virada de julho para agosto, marcaria o fim da guerra, que se arrastou por quatro anos e transformou a região do Contestado (área disputada por Santa Catarina e Paraná) no palco da revolta mais sangrenta do século 20 no Brasil.


Os rebeldes chegaram a se espalhar por uma área equivalente ao tamanho de Alagoas. Entre 1912 e 1916, eles enfrentaram as forças policiais e militares dos dois estados e do Exército. Os insurgentes eram movidos por motivos que iam do messianismo à luta pela terra. Eram contra o poder público e os coronéis locais. Reagiam ao impacto da construção de uma estrada de ferro, que os expulsou da terra onde viviam.


Estima-se que pelo menos 10 mil pessoas pereceram na região do Contestado, tanto nos combates quanto de fome e de doenças como o tifo, que se alastrou pelas “cidades santas” erguidas pelos revoltosos. Entre os mortos, milhares de mulheres e crianças.


A guerra mobilizou metade do efetivo do Exército: mais de 7 mil soldados, nos momentos de luta mais intensa.




Messianismo


A indefinição dos limites territoriais entre Santa Catarina e Paraná vinha desde o Império, e até a Argentina pleiteava a posse de áreas dos dois estados. O Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos catarinenses em 1904 e reafirmou sua decisão nos anos seguintes, mas a sentença era ignorada pelo governo paranaense. Nesse cenário de conflito, a revolta prosperou.


A guerra começou pequena, com um grupo reduzido de sertanejos (moradores desses campos do Sul, chamados de sertão na época) que em 1912 reuniu-se em torno de um curandeiro. José Maria seguia a tradição de outros dois curandeiros que haviam passado por lá anos antes e eram considerados “monges” pelos sertanejos. Ele também fazia profecias: anunciava uma monarquia celestial em que todos viveriam em comunhão, dividindo bens.


Dos seguidores do novo monge, muitos eram posseiros, sitiantes e pequenos lavradores que haviam sido expulsos das terras em que viviam pelo grupo americano responsável pela construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, do megaempresário Percival Farquhar.


Além da concessão, Farquhar ganhou do governo brasileiro as terras situadas às margens da ferrovia, uma vasta faixa de 15 quilômetros de cada lado.

 

Depois da construção da estrada de ferro, a região, coberta de matas de árvores nobres como a araucária, começou a ser desmatada. O empresário ergueu lá a maior madeireira da América do Sul na época e uma companhia colonizadora que, depois do desmate, venderia as terras a imigrantes europeus. Famílias que viviam no local foram expulsas por milícias armadas da empresa, com apoio das autoridades brasileiras.



Primeira batalha


O monge José Maria e os fiéis se instalaram em Taquaruçu, nos arredores de Curitibanos (SC). Temendo que o grupo fosse usado por inimigos políticos, um poderoso coronel da cidade pediu ao governo catarinense tropas para dispersar um “ajuntamento de fanáticos” que supostamente queria proclamar a Monarquia no Sul do Brasil.


Ao saber que a força policial havia sido chamada, os fiéis fugiram para Irani (SC), localidade que na época estava na área do Contestado.


A chegada do grupo foi vista pelo Paraná como uma investida de Santa Catarina para forçar a posse do território contestado. Em resposta, o Paraná enviou um destacamento policial para expulsar os supostos invasores. Em outubro de 1912, a ação terminou de forma trágica, com 21 mortos. Entre eles, o monge José Maria e o comandante das forças de segurança do Paraná, coronel João Gualberto.

Comandante João Gualberto (montado) a caminho da batalha, pouco antes de morrer em combate
 

Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado mostram a reação dos senadores ao conflito. Dois dias depois da batalha, a morte do comandante foi anunciada no Plenário do Senado, sediado no Palácio Conde dos Arcos, no Rio.


O senador paranaense Generoso Marques falou aos colegas sobre a “horda de bandidos e fanáticos” que havia invadido o Paraná e leu um telegrama enviado pelo governador do Paraná, Carlos Cavalcanti, ao Congresso. O governador comunicava que o estado havia pedido ao presidente da República, Hermes da Fonseca, a intervenção de forças federais.

O senador catarinense Abdon Batista apoiou o colega:
— Esse acontecimento, ao mesmo tempo em que nos cobre de pesado luto, nos anima e nos incita na obrigação de secundar as forças do estado vizinho para que, de uma vez, sejam extirpados os elementos maus que procuram perturbar nossa vida de trabalho e progresso.


Ao longo do conflito, os dois estados trocariam acusações de incentivar os revoltosos e até de fornecer-lhes armas.



Exército encantado


Depois da morte do monge, os devotos se dispersaram. O messianismo, porém, permaneceu. No ano seguinte, difundiu-se a crença de que José Maria voltaria do céu, acompanhado do “Exército Encantado de São Sebastião”. Uma criança de 11 anos dizia ver o monge em sonhos pedindo aos fiéis que se preparassem para uma guerra santa. O grupo rebelde voltou a se reunir em Taquaruçu.


Agora não eram apenas os antigos seguidores do monge José Maria que se prepararam para a luta. Somaram-se a eles descontentes em geral: mais colonos expulsos, fazendeiros que se opunham aos coronéis, tropeiros sem trabalho, desempregados da obra da ferrovia e até ex-combatentes da Revolução Federalista (1893–1895), que tinham experiência com armas e contestavam a República.

Artilharia das forças paranaenses que seria usada nos ataques contra os sertanejos
 

— Num determinado momento, torna-se uma guerra de pobres contra ricos — diz o historiador Paulo Pinheiro Machado, autor do livro "Lideranças do Contestado". — Uma guerra daqueles que queriam formar suas comunidades autônomas, onde todos viveriam em comunhão de bens, o que era uma negação da própria ordem republicana, da concentração fundiária, do poder dos coronéis da Guarda Nacional e da força da polícia, do Exército e da companhia norte-americana ferroviária sobre eles.


Machado contesta a visão de que o fanatismo religioso de sertanejos pobres e ignorantes foi o principal combustível da revolta. O pesquisador sustenta que, paralelamente à crença na guerra santa, os rebelados haviam desenvolvido uma nítida consciência de sua marginalização social e política e de que “lutavam contra o governo, que defendia os interesses dos endinheirados, dos coronéis e dos estrangeiros”.



“Novo Canudos”


Na época, porém, a visão predominante na imprensa, refletida no Congresso Nacional, ignorava os problemas que motivaram a insurreição sertaneja. Em setembro de 1914, o senador Abdon Batista desqualificou no Plenário denúncias do deputado federal Maurício de Lacerda, do Rio de Janeiro, que afirmava que a usurpação de terras era a principal causa do conflito:

— É uma lenda. Essa gente não tem terras nessas zonas, o que querem é viver sem trabalhar.


Uma das poucas vozes dissonantes no Congresso, Lacerda disse à imprensa que o Contestado era “um novo Canudos” e defendia os revoltosos, “brasileiros donos de suas terras e que foram usurpados por uma empresa estrangeira”.

— As vítimas, como era natural, defenderam-se. O que se devia esperar? Que o Estado fosse em socorro daqueles homens, mas verificou-se o contrário — declarou aos jornalistas.


O deputado denunciava que dois influentes políticos paranaenses, “protetores da empresa estrangeira que havia se apoderado à força das terras dos sertanejos”, conseguiram que o governo mandasse forças para “defender os ladrões e matar brasileiros que licitamente defendiam suas propriedades”.


Esses políticos eram o senador Alencar Guimarães (que havia governado o Paraná) e o vice-governador Affonso Camargo.  Guimarães defendeu-se no Plenário do Senado.

— Nunca fui homem de negócios, jamais advoguei interesses de qualquer companhia nacional ou estrangeira que colidissem com interesse do Estado.



“Pavor e pena"


Expedições militares tentaram desmobilizar o movimento, atacando Taquaruçu. Depois de várias tentativas, o reduto foi destruído em fevereiro de 1914. A força militar bombardeou a comunidade de longe. Atingiu principalmente mulheres, crianças e idosos, pois a maior parte dos homens havia partido para formar outro reduto, o de Caraguatá.


Foi um massacre. Metralhadoras, canhões e até granadas foram usados no ataque. No livro A Campanha do Contestado, o militar Demerval Peixoto, que participou dos combates como soldado, reproduz o relatório do médico que acompanhou a expedição:


“Pernas, braços, cabeças, casas queimadas... Fazia pavor e pena o espetáculo que se desenhava aos olhos. Pavor motivado pelos destroços humanos; pena das mulheres e crianças que jaziam inertes por todos os cantos”.


A revolta da população contra o massacre só fez fortalecer o movimento, e os sertanejos começaram a expandir suas ações. Milhares de novos adeptos se mudavam para os redutos. Novas “cidades santas” surgiam. A maior delas, Santa Maria (que não tem relação com o município gaúcho homônimo), tinha 25 mil pessoas.


Ao mesmo tempo, o movimento se militarizou, com líderes “de briga” aliados aos religiosos. No inverno de 1914, os sertanejos começaram a saquear fazendas, roubando gado e comida e arregimentando pessoal (até sob ameaça) para reforçar os redutos. Passaram a atacar e ocupar cidades. Nos ataques, estações de trem e repartições públicas eram queimadas.


Com apoio dos governadores de Santa Catarina e Paraná, em 1914 o governo federal decidiu empreender uma grande operação militar para aniquilar a insurreição. Sob o comando do general Setembrino de Carvalho, 6 mil soldados rumaram para o sul do país. Além deles, 2 mil civis (chamados vaqueanos), a maioria integrantes das guardas privadas armadas mantidas pelos coronéis da região, foram contratados para auxiliar o Exército. A ordem do governo era clara: “acabar com os fanáticos”, como contou o próprio general Setembrino em suas memórias.

General Setembrino de Carvalho (de quepe branco) em estação em União da Vitória (PR)

 Quando o cerco aos redutos se apertou, começou a faltar comida, remédios e munição para os rebeldes. Sobreviventes relataram que, no final, comeram até couro de cintos e arreios para não morrer de fome. Para evitar deserções, alguns líderes, como Adeodato, impuseram um regime de terror nos redutos, executando os suspeitos de traição.


O reduto de Santa Maria foi destruído na Páscoa de 1915. Em telegrama a Setembrino, o capitão responsável pelo ataque detalha:

“Tomei e arrasei 13 redutos com enormes sacrifícios do meu heroico destacamento. Matamos em combate perto de 600 jagunços, não contando o grande número de feridos. Arrasei perto de 5 mil casas e 10 igrejas”.


Os últimos combates ocorreram em dezembro de 1915, e os rebelados, derrotados, se dispersaram. Houve rendições em massa das famílias sertanejas.


Os vaqueanos começaram então uma caçada aos últimos líderes rebeldes. Muitos deles foram mortos em execuções sumárias, mesmo depois de rendidos. Alguns vaqueanos ganharam fama por retirar sertanejos da cadeia para executá-los.



Acordo de limites


Com a captura de Adeodato Ramos, o último e mais temido líder dos rebelados, a guerra foi encerrada de vez, naquele inverno de 1916. Logo em seguida, em outubro, finalmente veio a assinatura do acordo de limites entre Santa Catarina e Paraná. Pressionados pelo presidente Wenceslau Braz, cada um dos dois estados teve que ceder um pouco. A partilha, porém, foi vista como favorável aos catarinenses, que ficaram com 28 mil dos 48 mil quilômetros quadrados da área contestada.


Na assinatura do acordo, no Palácio do Catete, no Rio, o governador de Santa Catarina, Felipe Schmidt, comemorou a paz, encerrando um “passado amargo” que fazia os dois estados se olharem com desconfiança, como “dois povos estranhos que aguardassem, de arma em punho, a hora da peleja”.


O governador do Paraná, Affonso Camargo, também exaltou a paz, mas deixou claro o ressentimento com um desfecho que considerava injusto. Ele justificou sua decisão de assinar o acordo mesmo assim citando a necessidade urgente de encerrar uma “luta fratricida sem precedentes”:

— Ali caíram sem vida oficiais do Exército, bravos soldados das forças nacionais e estaduais e milhares de sertanejos, na sua maioria laboriosos, em uma confusão desumana que dolorosamente impressionou todo o país.


Ao citar os sertanejos “em sua maioria laboriosos”, o governador reconhecia que o movimento, hoje visto como uma das maiores revoltas camponesas do Brasil, era mais que uma combinação de fanatismo e banditismo.


Essa consciência se ampliaria a partir dos anos 1970, explica o historiador Paulo Pinheiro Machado. Com a redemocratização do país, criou-se um ambiente favorável para a retomada da memória e dos estudos sobre a Guerra do Contestado.


No Senado, essa releitura histórica ficou patente numa sessão especial realizada em agosto de 2009 para lembrar a guerra. No Plenário, os senadores ressaltaram o caráter de revolta social do movimento, as injustiças cometidas contra a população pobre do Contestado e a ausência do Estado.


“Quando o Estado falta, não cumpre com seu dever, se omite, o resultado é este: as pessoas reagem”, disse o senador Raimundo Colombo, hoje governador de Santa Catarina.


O então senador Flavio Arns, do Paraná, afirmou que o governo desconsiderou uma população pobre para privilegiar empresários e fazendeiros.


Na época da guerra, uma rara visão lúcida do conflito veio justamente de um comandante do Exército, o jovem capitão Mattos Costa. Idealista, ele defendia uma solução pacífica e morreu em combate, em 1914. Ficou registrada em relatos militares sua concepção da guerra: “A revolta do Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança. A questão do Contestado se desfaz com um pouco de instrução e o suficiente de justiça, como um duplo produto que ela é da violência que revolta e da ignorância que não sabe outro meio de defender o seu direito”.



Último líder dos rebeldes ganhou fama de “demônio”


A Guerra do Contestado começou com um líder considerado santo — o monge José Maria — e terminou com outro tido como o próprio diabo — Adeodato Ramos.


“O demônio está encarcerado”, anunciou em agosto de 1916 o jornal O Imparcial, de Canoinhas (SC), referindo-se à captura de Adeodato, que tinha fama de assassino e era temido pelos próprios companheiros.

 

O repórter do jornal O Estado, de Florianópolis, porém, se surpreendeu ao entrevistar Adeodato na prisão:  “Nós, que esperávamos ver o semblante perverso de um bandido, cujos traços fisionômicos estivessem a denotar sua filiação entre os degenerados do crime, vimos, pelo contrário, um mancebo em todo o vigor da juventude, de uma compleição física admirável, esbelto, olhos de azeviche [pretos], dentes claros, perfeitos e regulares, e ombros largos”, escreveu, destacando a postura recatada do “célebre bandoleiro”.


O jornal O Dia, de Florianópolis, relatou que ele respondia aos policiais de forma serena e “tinha o olhar suave”.


Adeodato era uma figura controvertida. “É evidente que ele cometeu muitas atrocidades nos redutos, mas não era muito diferente de outros líderes rebeldes”, escreveu o historiador Paulo Pinheiro Machado, ressaltando que houve uma “demonização” do último líder rebelde, alimentada pelos próprios sertanejos.


Conta-se que, no julgamento, após a ouvir a sentença de 30 anos de prisão, o réu declamou no tribunal versos irônicos:


“Para tirar o mal do mundo / Tinha feito uma jura
Ajudei nosso governo / A quem amo por ternura 
Acabei com dez mil pobres / Que livrei da escravatura 
Liquidei todos os famintos / E os doentes sem mais cura 
Quem é pobre neste mundo / Só merece sepultura.”


Adeodato foi morto em 1923, numa suposta tentativa de fuga da prisão.



Fonte: Agência Senado

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